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A leitura dos relatórios mostra a existência de um projeto de “disposição” dos comportamentos dos imigrantes/colonos que foi composto de múltiplos aspectos marcados por um sentido geral que consistia em induzir, em de coagir, os imigrantes a adotarem determi- nados comportamentos.

O primeiro desses aspectos era a propaganda na Europa. Através da divulgação de riquezas do país, do seu potencial de crescimento e das vantagens oferecidas aos imigrantes europeus, buscava-se atrair para o Brasil parcela dos imigrantes europeus já em trânsito da Europa para o Novo Mundo. Atrair era o termo empregado pelos funcionários do Povoamento para designar a intenção de convencer os imigrantes, através de toda uma série de “estímulos”, a imigrarem para o Brasil e aqui se fixarem como pequenos proprietários rurais.1

Mas devemos ter em vista que o contexto no qual esses meca- nismos de atração foram empregados era marcado pela existência de uma forte mobilidade da população européia, tanto dentro quanto fora do continente, que era anterior a tais ações do governo federal brasileiro. Assim, era sobre as ações de homens e mulheres europeus já envolvidos numa mobilidade espacial que tinha como campo de possibilidades torná-los colonos, prostitutas, revolucionários, proletá- rios industriais, ou, mais freqüentemente, trabalhadores sazonais, na

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América do Norte ou na Argentina mais do que no Brasil, que incidiam as ações de propaganda com o objetivo de convencer estes homens e mulheres a imigrarem para o Brasil e aqui se radicarem como colonos.

As ações de propaganda na Europa não aparecem nos relató- rios do MAIC e do Povoamento senão de forma indireta por não estar aquela função ali alocada. Ao mesmo tempo em que estava sendo organizado o Povoamento, nos anos de 1907 e 1908, foi organizado o

Serviço de Propaganda e Expansão Econômica no Estrangeiro, ao qual

cabia a função de divulgar o país no continente europeu. Tendo em Paris seu escritório central, esta agência contava ainda com delegados na Alemanha, na Espanha, na Itália, na Suíça e na Áustria.

Sua atividade de propaganda consistiu na montagem de um museu comercial em Paris, onde os visitantes encontravam produtos brasileiros de exportação, informes, estudos e publicações sobre as riquezas do Brasil. Incluía ainda a remessa de produtos brasileiros para outros museus comerciais na Europa, publicação de textos em várias línguas européias informando sobre a economia, as riquezas naturais e a legislação brasileira,2 e promoção de palestras assim descritas:

Vão produzindo excelentes resultados as conferências públicas feitas por pessoas competentes, em localidades devidamente escolhidas, e acompanhadas de projeções luminosas, representando fatos de nossa terra, experiências dos nossos produtos, demonstrações práticas do seu uso e preparo” (RMIVOP, 1909, p. 179) .

Apesar de ser consensual entre os funcionários do Povoamento a importância conferida à propaganda na Europa, praticamente não há informações sobre as ações de propaganda nos relatórios do minis- tério e nem nos relatórios do Povoamento. Apesar de fundado quase no mesmo ano, o Serviço de Propaganda e Expansão Econômica no

Estrangeiro nunca foi completamente estruturado como uma agência

nos mesmos moldes do Povoamento, e nem esteve a ele subordinado. Mesmo a articulação entre os dois serviços parece ter sido inexistente. De fato, suas ações de propaganda eram mais dirigidas à divulgação dos produtos de exportação, como o café, do que à arregimentação de emigrantes, e foram conduzidas mais freqüentemente por meio de comissões provisórias organizadas especificamente com este fim e

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através de diplomatas brasileiros, ou por pessoas por eles contrata- das, como uma das tarefas das embaixadas e consulados brasileiros no exterior.

Já outros agentes, como os funcionários das companhias de navegação, estavam mais diretamente envolvidos com a atração dos imigrantes. Eles os arregimentavam para os núcleos federais, rece- bendo do governo brasileiro o pagamento das passagens, quando os imigrantes desembarcassem no Brasil. Também particulares, por razões próprias, estavam envolvidos na atração de imigrantes. É o que relata o Inspetor do Povoamento no Estado do Paraná:

A propaganda eficaz da imigração para o estado do Paraná desenvolveu-se, principalmente, na Polônia Russa em 1911. Mais de 400 famílias foram, no decurso deste ano, chamadas da Europa para localizarem-se neste estado, sendo um dos mais ativos propagandistas o reverendo Padre José Anuse, vigário da Vila de Araucária, que, muito relacionado com a população agrícola daquela região da Europa, tem atraído para aqui avultado número de agricultores que ali viviam à custa de grande sacrifícios.

O General Von Gayl, que visitou os núcleos “Iraty” e “Vera-Guarany”, prometeu, quando voltasse à Alemanha, procurar encaminhar para este estado agricultores alemães a fim de povoarem os nossos núcleos

coloniais, onde encontrou diversos compatriotas seus em prósperas

condições (BRASIL. MAIC. 1911, p. 212).

Estes particulares gozavam, ao mesmo tempo, da confiança dos funcionários do Povoamento e das populações de sua região de origem. E graças a ela faziam a intermediação entre ambos obtendo o pagamento das passagens para os imigrantes. Como mostra a refe- rência ao General Von Gayl, os funcionários do Povoamento investiam na formação destas conexões em rede,3 que lhes possibilitassem uma

relação, mesmo que indireta, com os possíveis emigrantes. O meca- nismo utilizado consistia em fazer daqueles que pareciam gozar de autoridade, intermediários da propaganda dos favores que o Povoa-

mento oferecia aos colonos.

Estas ações constituíam uma estrutura tal como aquela que Bar- nes descreveu como conjunto-de-ação.4 Contudo, o limite da aplicação

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do conceito de Barnes para este caso está em que os funcionários do

Povoamento não mobilizavam simplesmente uma rede de relações

primárias já existentes, eles eram obrigados a constituir esta rede de relações, fosse convidando uma autoridade estrangeira a visitar

núcleos coloniais, caso do General Von Gayl, fosse estreitando laços

com indivíduos que gozassem de autoridade junto às populações colo- niais, caso do padre José Anuse. Portanto, os agentes do povoamento encontravam-se numa relação de relativa dependência diante desses indivíduos que eles constituíam como intermediários da relação com os imigrantes. Tais conexões, mesmo indiretas, eram preferenciais em relação aos custos financeiros que adviriam do esforço para esta- belecer uma conexão direta. Porém, mais do que esses custos, uma ação direta demandava algo de que os agentes do Povoamento não dispunham: credibilidade junto aos potenciais emigrantes.

Em razão dessa relativa dependência, a relação com os interme- diários não era isenta de tensões e riscos. Não havia garantia de que os imigrantes atraídos por esta cadeia de relações se enquadrariam nas expectativas dos funcionários do Povoamento, nem de que a pro- paganda fosse adequada aos favores de fato oferecidos. Esta tensão se revela claramente no relatório do inspetor no Rio de Janeiro, em 1909: Importar sapateiros, alfaiates, barbeiros, relojoeiros e outros maus elementos de trabalho agrícola tais como têm ultimamente enviado alguns agentes no exterior, é trazer o descrédito para a colonização. Não é somente esta a parte difícil para atingir o resultado almejado; ainda se torna necessário olhar para o modo por que é feita [...] a pro- paganda entre essa pobre e simples gente do campo, indo procurá-los em suas modestas herdades, despertando-lhes a idéia de realização dos seus sonhos de prosperidade e fortuna com mil promessas falsas. A sinceridade da oferta e promessa de vantagens possíveis e a lealdade no seu cumprimento, são condições indispensáveis de êxito e de atração da corrente imigratória. Refiro-me aos agentes criminosos, que, sob, a capa oficial, exageram, na Europa, com vantagens impossíveis, as promessas do governo, adulterando-lhes os nobres intuitos (BRASIL. MAIC. 1909, p. 210).

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Em seu esforço para se conectar aos possíveis imigrantes, os agentes do Povoamento constituíam como mediadores, indivíduos cujos comportamentos escapavam de seu controle. Em outras pala- vras, fazer de agentes estranhos aos quadros do Povoamento, ou mes- mo do Estado, os mediadores da relação com os emigrantes, implicava o risco de ver sua propaganda distorcida e seus objetivos fraudados.