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4.1 TEORIZAÇÕES DA AVALIAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS

4.1.4 Como e quando avaliar?

Enfrentamos a importância da produção do registro dos processos avaliativos apoiados nas premissas do paradigma indiciário, entendendo que documentar é constituir apoio e garantia de prova material de um acontecimento. O documento, como registro da memória, está ligado ao sinal: nele encontramos, no momento presente, um indício ou marca que permanece do tempo já vivido (GINZBURG, 1989).

Assim, documentar, na prática avaliativa, é operar processos investigativos que fomentem o narrar dos aprendentes, entendendo essa ação didática como momentos constantes de rememoração em que o dito, no presente, é um enunciado dinâmico que projeta novos fazeres às práticas educativas, ao ser provocado por releituras do passado vivido.

Reconhecemos a escola como lugar dos registros, contudo nos distanciando da noção da materialização engessada, dos materiais didáticos e dos modelos avaliativos que são consumidos por professores e alunos no contexto da ideia de que a máquina gestora que detém o poder diz que assim é que deverá ser registrado; diferente disso, não é avaliação, não é aula (ESTEBAN, 2014). Defendemos o processo educativo que leva os sujeitos a se assumirem como produtores da escrita da sua história de escolarização, de sua biografia educativa. Com esse intuito, apontamos registros às práticas avaliativas, como escritas (auto)biográficas formativas (SOUZA, 2006), que se apresentam como testemunhos que dão visibilidade ao modo como alunos e professores narram as histórias dos cotidianos vividos com a produção dos conhecimentos.

Corroborando as ideias de Coco (2014, p. 41), defendemos uma concepção de escrita que

[...] não reduz linguagem a uma codificação linguística, comportando, também, gestos, objetos, valores, intenções e relações nas diferentes dimensões de vida social. Esse referencial considera a autoria dos sujeitos em sua invenção cotidiana e potencialidade de ações.

Apontamos que esses modos particulares de narrar as experiências do processo educativo tomam dimensões de narrativas autobiográficas

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investigativo-formativas de aprendizagens, por diferentes entradas enunciativas: textos gráficos, oralidades, desenhos, fotografias, filmagens e gestuais.

Esse fazer teórico-metodológico construído é que leva tanto professor como alunos a invocar processos de sentidos com as produções dos conhecimentos, os quais são operados por meio de metarreflexão das experiências formadoras: nas ações de outros externos a mim provocarem as leituras de mim mesmo, problematizando, no presente, os passados experenciados, projetando, com isso, ações futuras com o aprendido (JOSSO, 2000).

É função do professor instigar o exercício avaliativo metarreflexivo da prática educativa com os aprendentes, promovendo ações autoavaliativas aos ensinos e às aprendizagens dos alunos. Esse fazer é promovido em todos os momentos dos processos educativos, de maneira contínua e constante, tomando os registros avaliativos como instância de debate, entendendo que suas construções são caminhos das investigações e, por isso, avaliar não acaba nas suas produções. É no exercício com o ali enunciado, por meio do diálogo provocado pelo professor, que as releituras da prática educativa são promovidas em um movimento de coprodução autoral: nas inter(in)venções (PEREZ, 2014) do avaliar, as quais geram tomadas de decisões para outras possibilidades de intervenções didáticas com o aprender.

Produzir e compartilhar as leituras de seus próprios registros avaliativos fortalece uma rede de inter-relação de sentidos pela qual os apredentes são estimulados a tomar o lugar de protagonistas dos processos das escritas de suas histórias do aprender. Por essa ação dialógica, constituímos um fazer avaliativo que procura superar a lacuna sinalizada por Moura (2007) de que: os sentidos que projetam aprendizagens não são apenas os formados pelo olhar do professor.

Defendemos que não há o avaliar separado do aprender, e ambas as práticas são centralizadas na dialogia constante entre professor e aluno, por isso o lugar de produção (CERTEAU, 1994) do processo avaliativo é operado, a todo o momento, na relação eu-comigo na interação com outras pessoas. Assim, toda leitura produzida sobre o vivido é polifônica (BAKHTIN, 1992), ou seja,

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construções narrativas tecidas nas relações de sentidos que se configuram junto aos dizeres com outras pessoas (na escola, na família, no bairro, com os amigos).

Aqui reside a importância de professores e alunos produzirem os registros avaliativos por ações individuais e coletivas. Cada uma dessas maneiras de narrar contribui para a formação de um inventário dos modos de tessituras das construções das práticas educativas. Esse conjunto narrativo é promovido, na ação do avaliar, pela metarreflexão das práticas de leituras dos sujeitos, as quais se materializam: a) no momento em que a prática educativa acontece – junto ao que ali está sendo ensinado. O registrar no ato da aula promove respostas imediatas ao consumido com o compartilhado, visibilizado por maneiras diversificadas de narrar (na escrita no papel, pelos usos com os gestos, com a oralidade). Esses modos de narrar podem ser materializados em colaboração, na ação de outro filmar, fotografar, produzir painéis escritos; b) nos momentos antes e depois da aula, como rememoração do acontecido com determinado conhecimento, dentro e fora da escola, nos recortes escolhidos pelo sujeito para serem narrados.

O ato de escolha dos tipos de registros avaliativos que serão operados exige o cuidado pedagógico de se pensar e indagar: como essas fontes ofertam aos aprendentes espaços à promoção de suas escritas-narrativas das experiências educativas? Esse momento é crucial à abertura de autoria ao aluno, ao fomento da visibilidade de seus sentidos ao aprender, entendendo que não se fala da formação de si, senão pelo ―eu‖ se narrando. Há um deslocamento, nesse tipo de documentar as práticas avaliativas, pois é necessário que os alunos reconheçam os professores como mediadores que estão, por meio dos documentos, desafiando para que eles registrem as produções de processos investigativos do eu, pelo mergulho em suas rememorações do vivido com os conhecimentos.

José Pacheco e Fátima Pacheco (2012), ao narrarem as experiências educativas desenvolvidas na Escola da Ponte, em Portugal, apontam como as aprendizagens e a avaliação devem se inscrever simultaneamente, partindo dos sentidos dos alunos às construções com os conhecimentos.

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A pesquisadora brasileira com o professor português, ao debaterem sobre as diferenças da escola da Ponte e as realidades dos cotidianos escolares no Brasil, alertam para o cenário de que:

[...] na realidade brasileira os problemas são gigantes: excesso de alunos nas salas, professores mal remunerados, atuação em duas e até três escolas diferentes, a indisciplina e a solidão [...] as aulas são ultraexpositivas, baseadas em quadro e giz, livro didático, avaliações que não avaliam, e o medo da reprovação pelos pares e até pelo governo, o que leva... a aprovação [...] o aluno não é autônomo na escolha de seu trabalho, do caminho que segue. O trabalho é todo decidido pelo professor, e a avaliação também (J. PACHECO; F. PACHECO, 2012, p. 80).

Observamos a crítica à tradição da pedagogia do exame65 na educação básica brasileira. Contudo, sua denúncia vai ao encontro da responsabilização dos professores como agentes centrais do fracasso escolar. Defendemos que a culpabilização da qualidade dos processos de ensino e aprendizagens escolares nos autores da escola reduz o debate, que se apresenta como um complexo movimento de relações de forças sociais, políticas e econômicas de diferentes lugares de poder: governo federal, estadual, municipal, conselhos educativos, universidades, família etc.

Todavia, concordamos que se faz necessária a superação das distâncias entre o que os alunos são incitados a escrever, por meio de registros avaliativos centralizados no ensino, e o que produzem em suas escritas autobiográficas sobre suas histórias do processo educativo.

As práticas das avaliações, na perspectiva do que o aluno faz com o que aprende, implicam, fundamentalmente, um trabalho colaborativo de professor e aprendentes de investigações processuais das produções dos conhecimentos, por meio de diversificadas maneiras de recolha dos sentidos à experiência praticada. Mas, além da constituição dos registros, insistimos na noção de que

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A história dos exames escolares vem desde os séculos XVI junto com o advento do período moderno. No caso brasileiro, observou-se sua inserção ao final do período do segundo Império, com a ampliação de escolas primárias e secundárias. O ato de examinar é caracterizado pela classificação e seletividade do educando. A classificação é baseada em dois conceitos mínimos: ―aprovado ou reprovado‖ e em uma escala ampla de graus (geralmente de 0 a 10). A pedagogia do exame é conhecida como um conjunto de ações didáticas que padronizam o ensino e o aprendizado, mediante os resultados vindos da aplicação de provas. Segundo Luckesi (2011), a escola, tensionada por políticas governamentais liberais, executa mecanismos de controle, que destacam a seletividade escolar, ao reduzir a avaliação ao fetiche da produção de provas. Assim, as notas e médias numéricas se constituem como as expressões de aprendizagem bem ou malsucedidas.

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a prática avaliativa tenha sua ação na direção de que o materializado não fala por si: são as práticas de releituras do aprendente que constituem os sentidos à experiência por eles narradas.

Assim, as análises das projeções das aprendizagens se constituem na problematização do conjunto dessas fontes registradas: um dossiê narrativo, em que a releitura é tecida pelos aprendentes na ação mediadora provocativa do professor que os levam a se interrogar: o que fizeram com o que aprenderam? É por esse movimento didático-pedagógico avaliativo que se dá a formação da narrativa (auto)biográfica do discente de suas histórias com o aprender no processo educativo.

Em síntese, a construção do avaliar é operada nos fazeres pelos quais os aprendentes ─ professores e alunos ─ elaboram as escolhas, situando seus interesses, valores e aspirações por meio das leituras das práticas educativas. Por essa via, as projeções de si, que têm alimentado os momentos de reorientação do processo de ensinar e do aprender, são reexaminadas na avaliação processual que a todo o momento incita os modos de narrar o vivido, por sua significação no presente e pela colocação em perspectiva do futuro. Quando explicitadas por meio do registro e questionadas nas releituras do materializado, as narrativas acarretam uma lógica de emergência, partindo do que se aprendeu, para novas tomadas de decisões com os conhecimentos. Compreendemos que, quando narrarmos um acontecimento, dirigimos as enunciações, direta ou indiretamente a alguém. Assim, é importante a produção, pelos professores e alunos, dos modos como serão analisadas as narrativas das experiências praticadas. Problematizar a projeção das aprendizagens parte da análise das narrativas nos movimentos que o aprendente traz de interligação dialógica entre o eu-locutor e os demais interlocutores. Esse dialogismo forma o texto que fomenta as situações concretas vividas (BAKHTIN, 1992).

Nesse sentido, as narrativas (auto)biográficas avaliativas dos aprendentes são constituídas nos movimentos do aluno-locutor, ao transportar-se dialogicamente às memórias, como, também, aos interlocutores com os quais foram construídas as experiências educativas (professor, colegas). O desafio

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do processo avaliativo está em destacar onde se encontram as vozes narradas e como se configuram os sentidos às experiências educativas e à projeção do aprendizado.

É nesse momento que se constata a importância da construção dos critérios avaliativos e de seus usos, com vistas à formação de juízos de valor e tomadas de decisões acerca das trajetórias do aprender, individual e coletivas. Chamamos a atenção para o cuidado que o professor deve ter de não fazer dessa análise um momento específico de gerar meros conceitos ou notas, limitando-se a formalidades burocráticas exigidas por políticas governamentais. Além disso, é preciso distanciar-se da noção dos critérios preestabelecidos avaliativos, que perduram, historicamente, na educação brasileira, homogeneizando o aprender de todos os alunos, informando o quanto cada sujeito sabe ou não, a ponto de alcançar um objetivo prefixado (RABELO, 1998).

O avaliar, na perspectiva daquilo que se faz com o que se aprende, entende a produção de critérios avaliativos como uma prática didático-pedagógica operada na dialogia do professor com os alunos, levando em consideração as singularidades e as diferenças dos processos educativos de cada grupo de aprendentes, de cada escola, em cada rede de ensino.

Esse fazer pelo docente tem, primordialmente, uma postura de interrogar o lugar de produção (CERTEAU, 2006) do aprender, ou seja, as intencionalidades expostas pelos aprendentes nos modos de narrar as práticas educativas, em seus encontros e fugas com o planejamento de ensino.

Cabe ao educador a abertura ao imprevisto, aos diferentes enunciados, considerados como marcas das singularidades das escritas das histórias dos aprendentes. O compromisso de abertura ao diálogo com as narrativas dos alunos, em suas particularidades e diferenciações, delineia um fazer avaliativo que se responsabiliza pela produção de outras entradas didáticas ao contínuo processo educativo, que ampliem e aprofundem o questionamento ao conhecimento, nas possibilidades de articulá-los aos imprevistos, aos inesperados, aos novos, aos outros (ESTEBAN, 2014).

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Para isso, sinalizamos algumas questões necessárias a serem consideradas para as produções de critérios e de análises dos sentidos atribuídos ao aprender: a) Como o aprendente sinaliza a invenção do seu aprender sobre o tema ensinado de um determinado componente curricular, nas relações com os estatutos epistêmicos do saber? b) Como se inscrevem as relações de responsabilizações com o que foi produzido, observando as dificuldades e potencialidades narradas sobre a construção dos conhecimentos, como também o não dito (silenciado) pelos alunos? c) Como ocorrem as suscetibilidades aos erros e, com eles, a abertura para mudanças e desenvolvimento à projeção do aprender, trazidas nas sugestões e inquietações do sujeito? d) Como a narrativa traz as projeções do aprendido em aula, nas relações que o aluno tece com os conhecimentos em outros momentos de seu dia a dia social?

Um dos desafios levantados pelos estudos do campo da avaliação educacional na educação básica reside nos processos de materialização avaliativos para além dos usos de escritos gráficos. A preocupação dos pesquisadores está em sinalizar a importância de registros que produzam reflexões contínuas do compartilhado nas aulas, em suas produções tanto pelos alunos como pelos professores. Para isso, notamos o foco da organização e análise de práticas avaliativas, partindo dos diferentes modos de narrar a experiência educativa: diários escritos, desenhos, mapas conceituais e fichas autoavaliativas.66

Destacamos o silenciamento das maneiras de narrar as experiências educativas por meio de registros avaliativos por imagens: fotografias, vídeos e desenhos, pensando na reflexão e ação das especificidades da produção do processo de ensino e aprendizado de um componente curricular. Identificamos os usos desses recursos narrativos aliados à materialização do tipo portfólio dos alunos, contudo somente em trabalhos na educação infantil, no avaliar a promoção da alfabetização de crianças (RAIZER, 2007; LUSARDO, 2007; L.CORREA, 2015).

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No mapeamento de teses e dissertações em Programas de Pós-Graduação em Educação, sobre a temática, identificamos pesquisas nos seguintes componentes curriculares da educação básica: três em Educação Física (SANTOS, 2005; ESCUDERO, 2011; DANTAS, 2010), duas em Matemática (SILVA, 2006; COSTA, 2013), um em Ciências (CORREA, 2009) e um em Química (GALVÃO, 2013).

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4.2 AS PROJEÇÕES DO APRENDER NOS USOS DE REGISTROS