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4.1 TEORIZAÇÕES DA AVALIAÇÃO NA PERSPECTIVA DOS

4.1.3 O que se avalia?

A avaliação investigativo-formativa dá atenção à experiência, no posicionamento do sujeito em produzir sentidos às práticas de invenção do conhecimento na vivência com/entre componentes curriculares da educação básica, transformado em aprendizagens ao longo de um processo de escolarização. E esse fazer avaliativo exige uma ação de professores e alunos, no sentido de inter-relacionarem prática pedagógica, sentidos e prazer (CHARLOT, 2014).

Defendemos o entendimento de que as aprendizagens são tecidas na relação de consumo que o sujeito constitui com os conhecimentos que já existem, como patrimônios historicamente culturais e científicos, e outros que possam ser inventados em sua trajetória de história de vida, no diálogo com o mundo e as pessoas em diferentes contextos sociais.64

Em relação à organização escolar, os conhecimentos elaborados e acumulados pela humanidade são apropriados na relação que estabelecemos com os saberes. Entendemos que o processo da invenção das aprendizagens com o conhecimento é, fundamentalmente, uma prática de apropriação do

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Corroborando o que afirmaram Freire e Fagundez (1984), a noção de conhecimento é resultado da dinâmica entre perguntas e respostas situadas no mundo concreto da realidade humana, que se manifestam nas relações concretas, situadas no espaço e no tempo dos homens com a natureza, com os outros homens e consigo mesmo. Uma vez produzidas as respostas, estas ganham forma autônoma e podem ser deslocadas no espaço e no tempo das perguntas que lhe deram origem e dos processos que permitiram a sua elaboração. Tais respostas são inventariadas no modo como operamos com saberes provenientes de diferentes naturezas epistemológicas. Em síntese: conhecimento e saberes são diferentes, contudo caminham juntos em relação à produção de aprendizagens. O conhecimento se refere ao produto epistêmico, consequente das relações que o sujeito produz com os saberes, em seu modo particular de mobilizar objetos de saber.

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aprendente de relacionar o saber que já possui, oriundo da escola e de outras esferas sociais, com aqueles que ainda não possui. Cabe à prática avaliativa ampliar, aprofundar as leituras do aluno com determinado objeto de saber, levando-o a novos aprendizados. Assim, avaliar, na perspectiva do que o aluno faz com que aprende, exige uma ação mediadora docente que se constitua no compromisso ético de

[...] levar em consideração a existência do ‗aqui‘ do educando e respeitá-lo [...]. Partir deles, não é jamais girar embevecidos, em torno do saber dos educandos, como a mariposa em volta da luz. Partir do ‗saber de experiência‘ é necessário para superá-la, e potencializá-lo (FREIRE, 1985, p.37).

Partir da experiência do aluno com o conhecimento que pretende ensinar é ponto de partida e de chegada à avaliação. Aprendemos quando mobilizamos um saber que está em uma situação e, com ele, produzimos sentidos relacionados com a experiência pedagógica praticada. Compreendemos que o problema do aprender está na constituição do sentido, que tem relação com o prazer do aluno em mobilizar-se, desejar aprender algo e, mesmo longe do docente, desejar praticá-lo para além do espaço da escola. Esse interesse é despertado quando se leva o aprendente a produzir perguntas ao objeto de saber a ele apresentado, associando à sua história de vida (CHARLOT, 2014). É função do professor provocar momentos avaliativos, em que os aprendentes narrem sobre suas histórias com determinado conhecimento a ser ensinado e, com isso, forneçam indícios (GINZBURG, 1989) para como se caminhar com o desenvolvimento da prática educativa rumo a projeções de aprendizagens. Além disso, cabe ao avaliar problematizar o processo educativo no modo como os aprendentes inventariam a produção do aprender operada com/entre os estatutos epistemológicos do conhecimento (CHARLOT, 2000). Entender a relação epistêmica que o praticante possui com o saber é compreender a natureza da atividade que se denomina ―saber‖ para ele.

Nessa perspectiva, Charlot (2000) apresenta três formas da relação epistêmica: objetivação-denominação, imbricação do eu e distanciação- regulação. A relação de objetivação-denominação é o apropriar-se de um saber colocado como objeto, por meio da linguagem, sem considerar as atividades

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necessárias para sua constituição. Essa interação se constitui quando os alunos se apropriam de enunciados abstratos.

Na forma de imbricação do eu, o saber significa tornar-se capaz de dominar uma atividade, ou seja, o aluno se habilita a desenvolver um saber que só adquire sentido quando referenciado à dinâmica do ―eu‖, corporalmente, em uma determinada situação desempenhada.

Já o estatuto da distanciação-regulação é um saber operado nas formas relacionais de si mesmo e com outras pessoas. São as emoções, os sentimentos. Assim, apropriar-se desse saber é tornar-se capaz de regular e encontrar a distância necessária para construir de maneira reflexiva uma imagem de si mesmo e no lidar com os outros.

Consideramos que, no ato da prática educativa, o aluno se mobiliza a apropriar os saberes, preferencialmente, relacionando-os com uma atividade concreta. Por isso, todos os estatutos epistêmicos do saber estão em relação, quando o indivíduo inventaria o conhecimento. Na Figura 8, observamos a relação entre os estatutos e como, na interação entre eles, se dá a produção do aprender.

Figura 8 – A constituição do conhecimento nas relações com o estatuto epistemológico do

saber

Fonte: Produzida pelos autores.

A produção do aprender com o conhecimento Imbricação do eu na situação Objetivação- denominação Distanciação- regulação

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A Figura 8 evidencia a interligação entre os estatutos epistêmicos do saber, e o modo como eles são operados com vistas à produção do conhecimento nos usos pelos quais:

[...] o indivíduo controla suas ações ou relações, estando mergulhado em uma situação, mas não se dissolve nela, ele tem consciência do que está acontecendo, do que está vivendo; essa consciência torna- se reflexiva e pode se tornar enunciada. [...] a questão é que uma relação com o saber é algo que se constrói (CHARLOT, p. 2000, p. 71).

Nesse processo de invenção do conhecimento, conseguimos avaliar quando o aluno aprende, no momento em que ele consegue constituir sentidos: respostas provisórias que o levem a projetar, com o mobilizado, sua ação em "[...] atividades em situação: em um local, em um momento da sua história, e em condições de tempos diversas, na interação com outras pessoas‖ (CHARLOT, 2000, p. 67).

Dessa maneira, apontamos que, independentemente da área de conhecimento em que o componente curricular se encontre (Linguagens, Ciências da Natureza, Ciências Humanas e da Matemática), a construção do aprender no processo de escolarização é, necessariamente, uma invenção singular do aprendente, ou seja: uma prática de consumo tecida no exercício dialógico com o professor e os demais autores sociais em diferentes espaços de aprendizagens.

Assim, defendemos uma postura didático-pedagógica no processo avaliativo que tome a produção com o conhecimento como fazer epistemológico inter e transdisciplinar. Essa produção se constitui na dinâmica do sujeito em articular um tema com sua presença em diferentes níveis e esferas da realidade social. É produto de uma lógica que trabalha a passagem do conhecimento de um nível de realidade a outro, nas pesquisas do sujeito aprendente do tema com suas histórias de vida.

Essa virada epistemológica de pensar a construção do aprender na invenção com os conhecimentos potencializa a tessitura dos sentidos às aprendizagens e, com ela, a ampliação de ações do sujeito com o mobilizado na sociedade. Para isso, o lugar da avaliação está na postura do professor de fomentar perguntas, instigando os alunos a interrogar o produzido com o conhecimento,

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sem deixar que esse fazer seja direcionado por questionamentos que já engessam as respostas. É sair da dimensão do: o que é aquecimento global? Para a perspectiva de: como se apresenta o clima em sua vida, no lugar em que você vive? Como era na época de seus pais e moradores antigos do bairro? Podemos relacionar essas mudanças com o chamado aquecimento global?

Em síntese, o que se avalia, na concepção investigativo-formativa, são as práticas de invenção do conhecimento na vivência com/entre componentes curriculares da educação básica, transformado em aprendizagens ao longo de um processo de escolarização. Cabe à prática avaliativa ampliar, aprofundar as leituras do aluno com determinado saber, levando a novos aprendizados. Para isso, professores e alunos, no protagonismo da autoria do avaliar, por diferentes maneiras de narrar as experiências com o conhecimento, produzem tomadas de decisões, ações com vistas à projeção do aprender.

A importância de se trabalhar a avaliação naquilo que o aluno faz com o que aprende leva os professores a assumir a produção de fazeres pedagógicos de dimensões formativas que explore, ao longo da prática educativa, devidamente as peculiaridades de cada aluno. Avaliar, nessa direção, privilegia a diversidade de pontos de vistas, de percepções da realidade, o que requer uma pluralidade de recursos metodológicos avaliativos operados, para que olhares, análises e sínteses sejam enriquecedores à projeção das aprendizagens. Uma das lacunas levantadas pelos estudos do campo da avaliação brasileiro preside nos modos como se materializar os processos avaliativos na relação dialógica com os aprendentes. Compreendemos que a dificuldade se encontra, principalmente, em pensar: como problematizar a narrativa do outro, no caso dos alunos, sem direcioná-la a um modelo de certo ou errado e, ao mesmo tempo, identificar se a prática educativa, de fato, vem qualificando a produção do aprender com o conhecimento? Como constituir maneiras de recolha do narrado pelo aluno e, que critérios avaliativos adotar para analisar a produção da experiência do aprender?

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