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AVALIAÇÃO COMPORTAMENTAL

2.6 Comorbilidade e diagnóstico diferencial da PHDA

O termo comorbilidade denota a presença concomitante de dois quadros clínicos. No caso da PHDA, dado que se estabelece uma associação de diversas perturbações reconhecidas, a coexistência da PHDA com sintomas relativos a outras desordens, atenta para as constantes dificuldades em isolá-la

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face a outra perturbação. Por este motivo, a taxa de comorbilidade de crianças e adolescentes com esta perturbação situa-se entre 50 a 87% dos casos (Bréjard & Bonnet, 2008; Kadesjo & Gillberg, 2001).

Na investigação e compreensão dos problemas associados à PHDA, deve-se ter em conta os seguintes parâmetros: (i) conjunto de sintomas inerentes à PHDA; (ii) circunstâncias que preenchem critérios suficientes para estabelecer um segundo diagnóstico fidedigno; (iii) sintomas que apontam para relações causais (como por exemplo: os problemas causados pela PHDA ao nível do desempenho escolar podem desencadear perturbação de humor ou sentimentos depressivos); (iv) distúrbios cujos mecanismos fisiopatológicos são idênticos (como por exemplo: os elementos genéticos que tanto podem estar na origem da PHDA, como da Deficiência Mental) (Madureira et al., 2007).

As perturbações co mórbidas ocorrem associadas com a PHDA, uma vez que as duas situações partilham genes comuns e, portanto, têm um ponto comum. Isto significa que a comorbilidade é desencadeada por alguns genes de PHDA que se conectam com genes adicionais específicos da perturbação (Selikowitz, 2010).

Como já foi referido anteriormente, podem ser várias as perturbações correlacionadas com a PHDA, pelo que, de forma a clarificar a sua compreensão, distinguem-se três categorias principais, em função da sua expressão: a cognitiva (perturbações de aprendizagem), a comportamental (perturbações exteriorizadas) e a emocional (perturbações interiorizadas) (Bréjard & Bonnet, 2008; Pereira et al., 2005) (tabela 6).

Tabela 6 - Principais comorbilidades da PHDA (Spencer, Biederman & Mick, 2007; APA, 2002; Biederman, Newcorn & Sprich, 1991).

Co m o rb il id a d e s

Cognitivas Dificuldades de Aprendizagem

Comportamentais Perturbação de Conduta Perturbação de Oposição Emocionais Perturbação de Ansiedade Perturbação de Humor

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34 Outras

Perturbação de Tiques Abuso de Substâncias

Perturbação de Espectro de Autismo

Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação

As perturbações supracitadas, como já foi referido anteriormente, constituem, exclusivamente, problemas associados à PHDA, pois não permitem constituir o diagnóstico quando presentes e, também, não o impossibilitam quando ausentes (Green, 1999, citado por Oliveira, 2010).

Convém mencionar que, em função da sua frequência, é possível atribuir uma classificação às comorbilidades da PHDA, como: (i) muito frequentes (taxa de incidência igual ou superior a 50% dos casos) – Perturbação do Desenvolvimento da Coordenação Motora e Perturbação de Oposição; (ii) frequentes (ocorrem até 50% dos casos) – Perturbação de Humor, Perturbação de Ansiedade e Dificuldades Específicas de Aprendizagem; (iii) pouco frequentes – Perturbação de Espectro de Autismo (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 2007; Kadesjo & Gillberg, 2001; Pliszka, 2000).

Perante as distintas comorbilidades expostas, é fundamental ressaltar a disparidade com que se manifestam entre os dois géneros. De tal forma que o sexo masculino demonstra índices mais elevados de incidência relativos a dificuldades de aprendizagem, a perturbações comportamentais e à depressão, em comparação com o sexo feminino (Biederman et al., 2002).

Em suma, deve privilegiar-se todos os aspetos relacionados com a presença de comorbilidades na PHDA. Dado que, através do seu controlo, sobressai a capacidade de promover uma avaliação e intervenção ajustadas, contribuindo positivamente para o prognóstico futuro desta perturbação, face às especificidades de cada um (Cordinhã & Boavida, 2008; American Academy of Pediatrics, 2000).

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35 2.7 Formas de tratamento da PHDA

O tratamento da PHDA contempla uma visão holística e uma perspetiva multimodal, ou seja, envolve, maioritariamente, uma combinação de intervenções farmacológicas e comportamentais, não descurando a componente social e educacional. Perante esta abordagem global e complexa, depreende-se que os procedimentos terapêuticos devem contemplar as especificidades quer ao nível da sintomatologia, quer ao nível da qualidade de vida, intervindo de forma personalizada e ajustada (Selikowitz, 2010; Bréjard & Bonnet, 2008).

Assim, determinadas intervenções incidem na diminuição das manifestações clínicas nucleares desta perturbação, enquanto outras se focam nos problemas advindos da mesma (Goldstein & Goldstein, 1998, citado por Baptista, 2010). Apresentamos, em seguida, as formas de tratamento da PHDA.

Tratamento farmacológico. De acordo com a etiologia da PHDA, o número de

neurotransmissores na área frontal do cérebro revela-se deficitário, como tal, a administração de medicamentos que permitam aumentar a sua quantidade, em função da idade da criança, constitui uma etapa fulcral a nível terapêutico (Selikowitz, 2010).

Investigações desenvolvidas nesta área sugerem que as crianças com PHDA medicadas apresentam maior sucesso escolar e menos problemas comportamentais e emocionais, em comparação com as que abdicam da toma de fármacos. Prevalecem estudos que salientam o papel da medicação na infância, como forma de atenuar, ou até de suprimir os sintomas desta perturbação no final da puberdade. Sendo, portanto, essa probabilidade notavelmente superior nas crianças com PHDA medicadas, em comparação com as não medicadas (Selikowitz, 2010).

Diferentes medicamentos são utilizados nesta perturbação, daí se afirmar que pertencem a um grupo heterogéneo. Uma parte desses fármacos, prescritos em doses mais pequenas, é aplicada exclusivamente no tratamento

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da PHDA. Por outro lado, existem os que também se adequam a outros distúrbios, como a depressão, tensão alta e enurese (administrados em doses maiores) (Selikowitz, 2010).

Usualmente, o tratamento farmacológico das crianças com PHDA revela- se eficiente apenas com um medicamento, destacando-se a ritalina (metilfenidato) ou a dexanfetamina (os mais comuns). No entanto, também há situações em que se torna útil a combinação de dois ou mais medicamentos para alcançar um efeito adequado (Selikowitz, 2010).

Os dois fármacos supracitados pertencem ao grupo dos estimulantes que, como o próprio nome indica, provocam um excesso de estímulos e de atividade, em consequência do aumento do nível de neurotransmissores acima dos valores normais. Em termos práticos, o que se verifica nas crianças com PHDA, contrariamente ao que seria esperado perante a administração destas substâncias, é o aumento da concentração e, ainda, a diminuição da hiperatividade e agitação motora. Tal facto pode ser justificado pelo aumento do número de neurotransmissores, somente até níveis normais, ou próximos do normal (Silva, 2012; Selikowitz, 2010; Capovilla et al., 2007).

Para se estabelecer a dose adequada é, imprescindível, atender às especificidades de cada um. Isto não decorre exclusivamente do peso corporal, da faixa etária e do temperamento do indivíduo, incluindo, também, os índices de dificuldade e a velocidade com que é absorvido o medicamento. Convém salientar a importância de iniciar o tratamento com uma dose menor e, se necessário, aumentá-la de forma gradual. Pois se o processo farmacológico for contínuo, com uma dosagem apropriada ao desenvolvimento dos sintomas, os resultados positivos emergem (Selikowitz, 2010).

Neste âmbito, associado ao uso de estimulantes, referem-se as insónias, a falta de apetite, as dores de cabeça e abdominais e as alterações de humor, como os principais problemas decorrentes deste tipo de medicação. Sendo pertinente destacar que os mesmos não provocam dependência, e podem ser suspensos de forma imediata (Silva, 2012; Selikowitz, 2010).

Em Portugal, o estimulante disponível e mais prescrito no esquema terapêutico é o metilfenidato. Este apresenta distintas formulações, podendo

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ser de ação rápida (normalmente, duas administrações diárias), ou de efeito prolongado (uma única dose diária), como se verifica na tabela 7.

Tabela 7 - Fórmulas terapêuticas do metilfenidato comercializadas em Portugal (Henriques, 2011; Cordinhã & Boavida, 2008; Madureira et al., 2007).

Nome comercial Início da ação Duração da Ação Ação curta Rubifen® 20 - 60 min 3 a 6 horas Ação intermédia Ritalina LA® 30 min - 2 horas 6 a 8 horas Ação longa Concerta® 30 min - 2 horas 10 a 12 horas

No que concerne às vantagens relativas a cada preparação terapêutica, refere-se, para os fármacos de curta duração, um grau de ajuste e adaptação dirigido para atividades diárias específicas. Por sua vez, a maior taxa de adesão evidencia-se nos fármacos de ação intermédia e de ação prolongada, dado que permitem um controlo de sintomas mais eficiente e duradouro (Selikowitz, 2010; Madureira et al., 2007).

Todavia, convém salientar que a medicação não deve ser encarada de forma isolada e única, mas sim em combinação com outras estratégias comportamentais e cognitivas, como será abordado posteriormente (Oliveira, 2010; Garcia, 1999).

Tratamento comportamental – cognitivo. O presente tipo de tratamento

contém na sua linha de ação três aspetos distintos, tais como: o treino parental, a intervenção de índole educacional (em contexto escolar) e o tratamento centrado na criança. Destacando-se a terapia cognitivo-comportamental e a terapia comportamental como pontos-chave deste paradigma. As técnicas referidas assentam no reforço de comportamentos positivos e ajustados, não descurando a eliminação de comportamentos inadequados e negativos. A adoção de uma atitude assertiva e de uma posição firme constituem fatores preponderantes no controlo e eliminação de comportamentos indesejados. Não obstante, as técnicas de repreensão dizem respeito a outro elemento fulcral na gestão dos comportamentos da criança (Bréjard & Bonnet, 2008).

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Centrada na questão da criança com PHDA, a terapia cognitivo- comportamental tem como principal objetivo fomentar estratégias de interação social, de autocontrolo, de autorregulação, de automonitorização, de autorreforço e de autoinstrução, com o intuito de que estas crianças minimizem e ultrapassem convenientemente os seus problemas e dificuldades interpessoais. Posto isto, a adoção de planos educacionais específicos e individualizados constitui um alicerce para a eliminação de obstáculos inerentes às dificuldades de aprendizagem que prejudicam, continuamente, esta população. Finalmente, outro parâmetro a descrever como possível estratégia terapêutica comportamental tem a ver com a psicomotricidade. Uma justificação plausível atenta para o facto de ser com base no movimento corporal que a criança adquire a consciencialização do próprio corpo, a regulação do movimento e o autocontrolo. De uma forma mais concreta, alcança as estratégias essenciais para a modificação de comportamento (Ornelas, 2012; Silva, 2012; Tresco, Lefler & Power, 2010; Garcia, 1999).

Tratamento Combinado. A associação da terapia farmacológica com a

intervenção comportamental e cognitiva é, atualmente, uma das opções mais defendida e compreendida pelos especialistas intrínsecos nesta área. No entanto, não corresponde a um método totalmente aceite pelos diversos investigadores, uma vez que prevalecem conceções de que este tratamento é mais indicado perante situações mais graves de PHDA (Silva, 2012; Oliveira, 2010; Garcia, 1999). Dentro deste paradigma, destaca-se um notável estudo (Multimodal Treatment Study of Children with ADHD – MTA), desenvolvido em 1992, pelo Instituto de Saúde Mental dos EUA, onde foram observadas 579 crianças, com uma faixa etária compreendida entre os 7 e os 9 anos. A partir da investigação, verificou-se por comparação de distintas técnicas de intervenção que, apesar das manifestações clínicas diminuírem com a implementação de programas de tratamento, a intervenção combinada obteve taxas de eficácia superiores, face às restantes (Klingberg, Forssberg & Westerberg, 2002; MTA Cooperative Group, 1999).

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De acordo com o mencionado, acredita-se que a intervenção terapêutica para esta perturbação exige a cooperação entre os profissionais de saúde e da educação, não descurando a importante função parental. Como tal, o tratamento combinado insere-se num padrão transdisciplinar, que incluiu métodos de aconselhamento individual e familiar; programa educativo personalizado; treino parental relativo a diferentes estratégias de comportamento e, quando necessário, introdução do tratamento farmacológico (Swanson, Lerner, March & Gresham, 1999, Adesman & Morgan, 1999, Bennet, Brown, Craver & Anderson, 1999, Dalton, 2000, citados por Fernandes, 2001).

Por fim, é ainda pertinente distinguir quatro aspetos relevantes e que devem ser considerados ao nível deste tratamento: (i) administração da medicação na fase inicial da intervenção; (ii) redução continuada da medicação, com o objetivo de eliminar alguns dos possíveis efeitos secundários; (iii) promoção da mudança de condutas (intervenção dos pais e professores); (iv) limitação de custos, dado que com a adoção deste método, reduz-se a contribuição farmacológica (García, 2001).

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