• Nenhum resultado encontrado

1.2. As Expressões Idiomáticas

1.2.3. Competência metafórica

32

33 A sua obra Metaphors we live by sublinha, desde o início, que a metáfora é um fenómeno da linguagem do quotidiano:

“metaphor is pervasive in everyday language and thought—

evidence that did not fit any contemporary Anglo-American theory of meaning within either linguistics or philosophy.

Metaphor has traditionally been viewed in both fields as a matter of peripheral interest. We shared the intuition that it is, instead, a matter of central concern, perhaps the key to giving an adequate account of understanding”. 6 (Lakoff; Johnson, 1980)

Esta posição veio deitar por terra a visão da metáfora como figura de estilo usada como ornamento retórico e poético, perspetivando a metáfora como essencial na comunicação humana e como um conceito que abrange várias atividades cognitivas, passando, desta forma, a ter um papel fundamental na organização e funcionamento do sistema concetual humano.

Acrescente-se e ainda citando Lakoff e Johnson (2002:59):

“as metáforas não são meramente fenómenos que devem ser decifrados. De facto, só é possível decifrá-las usando outras metáforas. É como se a habilidade de compreender a experiência por meio da metáfora fosse um dos cinco sentidos, como ver, ou tocar, ou ouvir, o que quer dizer que nós só experienciamos uma boa parte do mundo por meio de metáforas”.

6 a metáfora interpenetra a linguagem e o pensamento quotidianos - evidência que não se encaixava em

nenhuma teoria contemporânea angloamericana sobre o significado, quer na linguística quer na filosofia. A metáfora tem sido tradicionalmente vista, em ambos os campos, como uma questão de interesse periférico. Compartilhamos a intuição de que é, em vez disso, uma questão central, talvez a chave para a explicação mais adequada da compreensão. (Lakoff; Johnson, 1980, p.7, tradução nossa).

34 Entendemos, assim, que não se pode dissociar o conceito de metáfora e de competência metafórica do conceito de competência comunicativa, tendo em conta que, no caso dos estudantes de LE, o uso de Expressões Idiomáticas obriga a uma interpretação que vai para além da literal que pode causar constrangimentos numa situação comunicativa. Depreende-se, então, que a competência metafórica engloba também a competência linguística, sociolinguística e pragmática.

Na nossa opinião, a metaforicidade é das questões mais complexas quando aplicadas ao ensino/aprendizagem das Expressões Idiomáticas porque implica a criação de um momento de desconstrução da metáfora que está implícita em cada expressão. No entanto, este é um desafio que, na nossa perspetiva, se torna bastante eficaz, pois através deste processo de significação, o aprendente desenvolve estratégias interpretativas que lhe permitem estabelecer relações entre o significado e o sentido de cada EI, ao mesmo tempo que fortalece a sua compreensão das estruturas da língua.

Para melhor desenvolver esta questão, recorremos novamente ao trabalho desenvolvido por Xatara (1993), no qual a autora afirma que a interpretação conotativa de Expressões idiomáticas revela figuras de estilo de linguagem como metonímias, comparações e metáforas. Tomemos como exemplo acerca dessa interpretação a Expressão Idiomática engolir sapos, que conotativamente significa

“tolerar situações desagradáveis sem reclamar” e não engolir, literalmente, o anfíbio.

Tomemos outro exemplo prático onde podemos verificar que, na Expressão Idiomática abrir os cordões à bolsa, existe um “conceito de base” assumindo o “valor de discurso livre”, significado literal ou composicional, que nesta expressão é

“desatar/abrir os cordões de uma bolsa/saco” e há ainda um “conceito transposto” da esfera imagética, que é o “valor fraseológico”, cujo significado é “dar dinheiro”, resultando do alheamento da situação literal da substituição metafórica. (Vilela, 2002:

172)

Ainda que muitas vezes as Expressões Idiomáticas comportem um sentido literal (homónimo/ homófono) e um sentido metafórico, estas não deveriam ser

35 interpretadas no seu sentido literal, pois perderiam o sentido idiomático7, perdendo a expressividade que lhes é inerente. Passamos a exemplificar os dois significados da Expressão Idiomática meter o pé na poça contextualizados:

a) Com tanta chuva, o António meteu o pé na poça para poder entrar na empresa.

b) O António meteu o pé na poça quando tentou adivinhar a idade da sogra.

Como podemos observar a expressão na frase a) só pode ser lida no seu sentido literal obrigada pela contextualização, mas na frase b) obrigatoriamente tem de ser lida no seu sentido metafórico, isto é, pode querer dizer que o António cometeu um erro, foi algo inconveniente.

A metáfora, no caso das Expressões Idiomáticas, é um processo que se instaura, como já foi descrito anteriormente, numa transferência de significado semântico abstrato (o significado idiomático) para um modelo concretamente representável na realidade.

A Expressão estar com os pés na cova, por exemplo, tem um sentido literal e um sentido idiomático que pode ser representável na realidade através da paráfrase

“morrer”. Assim sendo, na formação da idiomaticidade, para além de se dar o fenómeno da fixação, da lexicalização e consequente desmotivação8, dá-se também um processo cognitivo que consiste em fazer analogias entre os constituintes da Expressão Idiomática assente em pressupostos já conceptualizados, de forma a desconstruir a metáfora9. Este processo transporta a leitura da metáfora para o real e o concreto, transporta uma leitura e não um significado literal, representação do mundo real. Assim “morrer”, paráfrase da EI estar com os pés na cova é a leitura da metáfora transposta para a realidade.

7 “Normalmente o significado idiomático é o resultado de um processo histórico em que o significado literal e o figurado se foram afastando progressivamente” (Vilela, 2002:196)

8 “As inferências da desmotivação podem ser designadas como o “co-entendido”, uma vez que as inferências se tornam significado idiomático através da lexicalização da expressão idiomática na sua interpretação desmotivada” (Vilela, 2002)

9 “A metáfora não é um uso “especial” da língua, mas que é o resultado da natureza analógica da conceptualização humana” (Lakoff e Johnson, 2002)

36 Deste modo, perceber as Expressões Idiomáticas implica perceber as metáforas que lhe estão subjacentes, sendo que estas metáforas estão na origem da leitura imagética que lhes dá sentido. Este sentido que lhe atribuímos não se encontra na soma do sentido das palavras que as constroem, mas no sentido uno transposto do sentido metafórico.

A transposição metafórica baseia-se, principalmente, em relações de semelhança/analogia entre a realidade concreta que retrata e o valor abstrato, até mesmo universal que pretende veicular. As Expressões Idiomáticas são parte do nosso discurso e enriquecem, por isso, as relações que o sujeito estabelece com o mundo e com os outros. O falante utiliza-as para relatar as suas experiências de vida, com óbvios efeitos retóricos, eufemísticos e humorísticos, de forma a integrar, nos atos comunicativos, o seu saber geral sobre os homens, a comunidade em geral e a sociedade.

Como já referimos anteriormente, para que essa interpretação seja desenvolvida corretamente pelo aprendente, este deverá conhecer melhor o idioma e as características das Expressões Idiomáticas utilizadas. O ensino dessas unidades torná-lo-á capaz de as analisar e de perceber mais claramente como são compostas e cristalizadas na língua, auxiliando-o, assim, na sua construção linguística e intelectual.

Acrescente-se ainda que para se perceber o sentido denotativo ou conotativo de uma expressão é relevante considerar o contexto do seu uso e a regularidade desse uso. Nesse sentido, podemos afirmar que o vocabulário de uma comunidade linguística vai sendo construído, modificado e enriquecido, principalmente por meio da tradição cultural dessa comunidade e o ensino das Expressões Idiomáticas na escola contribui, seguramente, para resgatar essa tradição.

37

Documentos relacionados