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5.4 Objetos de avaliação nos relatórios

5.4.1 Competências comunicativas como objeto de avaliação

Nesse primeiro grupo, que corresponde a 43,3% do total dos objetos encontrados nos relatórios, foram agrupados os seguintes objetos de avaliação: vocabulário, pronúncia, escrita, oralidade, escuta e leitura, conforme a classificação proposta no QECR (CONSELHO DA EUROPA, 2001), discutida no Capítulo 3 desta dissertação.

Como mostra o quadro, os objetos mais avaliados nessa categoria foram pronúncia e vocabulário. Vale ressaltar, contudo, que estes não são considerados habilidades linguísticas. Segundo o QECR, a pronúncia é parte da competência fonológica e o vocabulário integra a competência lexical, ambas fazem parte da competência linguística que, por sua vez, é uma das componentes da competência comunicativa.

Tabela 4 – Objetos de avaliação: competências comunicativas

C om petên cias co m un icativ as

Objetos de avaliação % Exemplos de registro nos relatórios

Ativ id ad es co m un icativ

as Escrita 16 (P7, A4) [...] porém teve dificuldades nas tarefas escritas. Oralidade 14 (P3, A7) [...] apresenta dificuldades principalmente na oralidade. Compreensão oral 9 (P12, A10) [...] realizou com pertinência tarefas cujo

desenvolvimento dependia da escuta atenta e compreensão.

Leitura 1 (P14, A3) [...] realiza com sucesso as atividades, destacando-se na escrita e leitura. Pro ficiên cia lin gu ís tica Competência lexical ‘Vocabulário’

22 (P13, A8) [...] demonstra domínio e compreensão do vocabulário relacionado aos conteúdos ministrados (família, frutas e animais). Competência

fonológica ‘Pronúncia’

38 (P3, A4) [...] a aluna apresenta bom rendimento nas atividades propostas com boa pronúncia.

Total 100

Desse modo, “a progressão na aprendizagem de línguas é mais evidente na capacidade para se envolver em actividades linguísticas observáveis [...]” (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p. 90). Estas atividades são: compreensão oral, produção oral, interação oral, leitura e escrita. Com base nisso, o Portfólio Europeu de Línguas para crianças não apresenta descritores para avaliar pronúncia e vocabulário, pois o propósito do documento é avaliar o uso efetivo da língua e não os componentes da competência linguística isolados. Todavia, nos relatórios analisados, os itens pronúncia e vocabulário, são priorizados pela maioria dos professores, conforme se constata nos excertos a seguir.

(P2, A4) consegue relacionar objeto e pronúncia.

(P3, A4) a aluna apresenta bom rendimento nas atividades propostas com boa pronúncia.

(P3, A6) A aluna se desenvolve bem nas atividades propostas da língua inglesa com boa aquisição de vocabulário e boa pronúncia.

(P6, A2) precisa melhorar a pronúncia de algumas palavras estudadas em sala.

(P8, A10) tem dificuldade na pronúncia.

(P9, A9) apresentou bom rendimento na pronúncia. (P10, A10) A pronúncia está regular.

(P10, A4) A aluna conseguiu assimilar e empregar a pronúncia de forma correta, as atividades escritas, desenhos e assimilação de vocabulário e imagens foram bem aceitas.

(P13, A8) A discente participa das aulas de Inglês demonstrando domínio e compreensão do vocabulário relacionado aos conteúdos ministrados (família, frutas e animais).

(P13, A5) Nas aulas de Inglês, teve bom desempenho nas atividades orais propostas. Discrimina oralmente o vocabulário apresentado: greetings,

colors, human body, classroom.

Além de não ter nenhum propósito comunicativo, a avaliação da pronúncia é expressa de forma muito geral, de modo que não é possível identificar, por exemplo, quais os critérios que o professor utiliza para distinguir uma ‘pronúncia regular’ de uma ‘boa pronúncia’. No caso do vocabulário, o foco da avaliação é a ‘aquisição’ e ‘assimilação’ de palavras descontextualizadas. Essa forma de avaliar foi constatada também nas entrevistas, conforme se confirma na fala do professor:

(P6) a gente deve avaliar mais a questão da pronúncia, da oralidade da criança, a questão de assimilação do conteúdo, /.../

Os objetos de avaliação ‘vocabulário e pronúncia’ estão alinhados aos objetos de ensino discutidos na seção 4.1.2, o que não causa nenhuma surpresa, considerando que os objetivos e conteúdos do Planejamento de inglês propõem a aprendizagem de itens lexicais, embora esse não seja o propósito do ensino de LEC defendidos pelos especialistas da área.

No que concerne às habilidades linguísticas, a que mais aparece nos relatórios é a escrita. Conforme vimos, não é recomendável ensinar a escrita em língua estrangeira quando os alunos ainda não desenvolveram essa habilidade em língua materna (MCKAY, 2006). Mas não é isso o que se observa nos relatórios analisados:

(P2, A2) não demostrou interesse nas atividades escritas. (P3, A7) demonstrou dificuldade na escrita.

(P7, A4) porém teve dificuldades nas tarefas escritas.

(P13, A9) Precisa ainda de acompanhamento para fazer as tarefas escritas. (P14, A3) [...] a mesma realiza com sucesso as atividades, destacando-se na escrita e leitura.

Os excertos acima expressam os resultados negativos da tentativa de ensinar a habilidade da escrita precocemente. São compreensíveis as dificuldades que uma criança de seis anos enfrenta ao se deparar com atividades escritas em uma língua estrangeira, devido ao esforço cognitivo que estas demandam (CAMERON, 2001). Surpreendente, porém, é a afirmação encontrada no relatório da aluna 3, escrito por P14, segundo o qual a aluna se destaca na escrita e na leitura. Esse tipo de avaliação, contudo, não é referente à produção e

compreensão escrita da criança, mas à cópia e repetição de vocabulário, conforme o próprio P14 revela nas entrevistas:

(P14) No 1º ano eu só apresento o vocabulário, a gente conversa um pouco sobre aquele tema, depois geralmente tem a tarefinha que eles vão escrever/ é trabalhado só a pronúncia e a escrita /.../

Também nas entrevistas, ao falar sobre como avaliam os alunos (pergunta 19), outros professores mencionaram a habilidade da escrita.

(P3) através da escrita mesmo, né, através dos desenhos.

(P9) /.../ o aluno precisa /.../ fazer as atividades, tanto escrita, como oral. (P12) /.../ a avaliação que a gente tira é pelos exercícios que a gente passa né, tanto os escritos quanto os orais /.../

Como vimos na análise dos objetos de ensino, a escrita aparece como uma das atividades constantes nas aulas de LEC; isso implica que a avaliação desta habilidade é congruente com os objetos de ensino escolhidos pelos professores, o que não significa que esteja de acordo com as orientações teóricas para esse contexto específico.

As habilidades orais, ‘fala e escuta’ aparecem menos frequentemente nos relatórios do que a escrita, o que revela mais uma vez, certa coerência com os objetos de ensino que, como vimos, priorizam a escrita e uma incoerência em relação às orientações propostas para esse público, tal como afirma Strecht-Ribeiro (2005, p. 96) “as actividades da oralidade são fundamentais para fazer nascer em todas as crianças o desejo, o hábito e depois a capacidade de comunicar em L.E”.

(P9, A8) Ela foi eficiente na escuta e nas correções de seus trabalhos. (P12, A10) [...] realizou com pertinência tarefas cujo desenvolvimento dependia da escuta atenta e compreensão.

(P7, A4) Foi bastante atenta nas atividades que dependiam da escuta. (P5, A5) [...] demonstrou bom desempenho nas atividades, com autonomia na realização dos exercícios, apesar de falar pouco.

(P3,A7) [...] porém apresenta dificuldades principalmente na oralidade. (P2,A5) [...] foi atuante apenas nas pinturas dos conteúdos trabalhados, sem muito interesse pela oralidade.

Os excertos acima mostram que as crianças obtiveram um desempenho melhor na ‘escuta’ do que na ‘fala’. Geralmente, as crianças aos seis anos compreendem as situações de maneira mais rápida do que a linguagem, sem necessariamente compreender palavra por palavra. Na língua materna, elas já conseguem se expressar oralmente e falar sobre assuntos

que lhes são familiares, porém na língua estrangeira, essa habilidade necessitará de mais tempo para ser consolidada (SCOTT; YTREBERG, 1990). Além disso, Reilly e Ward (1997, p. 7), afirmam que as crianças podem passar um longo tempo absorvendo a língua antes de produzir algo, portanto, tentar forçá-las a falar na língua-alvo pode gerar ansiedade que consequentemente retardará ainda mais a sua produção oral. Desse modo, ao emitir um parecer desse tipo, o professor não contribui para o desenvolvimento das crianças, porque foca no que elas não são capazes de fazer, quando, ao invés disso, deveria comunicar os avanços conseguidos.

As habilidades orais da criança como objetos de avaliação também são mencionadas pelos professores nas entrevistas ao responder a pergunta “18- Como você avalia seus alunos?”:

(P13) Faço avaliação oral e individual [...] a gente vai vendo o conteúdo, e a partir daí eu consigo ver mais ou menos né, o grau que eles já estão aí de desenvolvimento.

(P4) /.../ só a questão do speaking, né, deles falarem, deles repetirem, então eu acrescento a média deles, ou eles fazendo ou não fazendo /.../

Tanto nos excertos dos relatórios, como nas entrevistas, é possível constatar que não é a capacidade de produção oral da criança que está sendo avaliada, por exemplo, se ela consegue cantar parte de uma música ou falar espontaneamente na língua alvo em uma situação simulada (por ex., em uma situação de saudação). O objeto de avaliação aqui é a assimilação do conteúdo e a repetição como mostra a fala dos professores. Em P13, percebe- se ainda a postura tradicional de fazer ‘avaliação oral’, isto é, chamar os alunos ‘um por um’ para avaliar. Esse tipo de teste, segundo Ioannou-Georgiou (2011) causa ansiedade e estresse para as crianças, podendo inclusive levá-las a desenvolver atitudes negativas em relação à língua e a perder o interesse e a motivação para aprender o idioma.