• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO II: ENTENDENDO O ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO

2.4. COMPETÊNCIAS DO ZEE

As competências administrativas e legislativas, as escalas de representação cartográfica e a normatização do PZEE no Brasil se modificaram, de acordo com os processos históricos de sua estruturação, enquanto programa. Em um primeiro momento, o PZEE era um programa experimental, sob a coordenação de um órgão federal, no caso a SAE, com financiamento externo do Banco Mundial e várias equipes executivas estaduais. A idéia era conhecer com mais detalhe a Amazônia, as suas potencialidades e limitações naturais, os seus diversos usos e ocupações territoriais. As informações apreendidas pelo PZEE poderiam ser usadas, tanto pelo Governo Federal, como pelo Governo Estadual. Na prática, oP ZEE tornou-se um programa utilizado também pelos estados amazônicos, seja para contribuir no planejamento territorial, seja para negociar os usos dos recursos naturais.

A diversificação na execução do PZEE pelos estados amazônicos teve resultados diferenciados. Em Rondônia e Acre, os resultados do PZEE foram distintos, no primeiro estado eles foram criticados por causa dos projetos de assentamentos do INCRA, incluídos em zonas de manejo florestal e zonas de conservação/preservação. Já no Acre seus resultados foram elogiados, devido à articulação e participação entre os atores sociais, as criações das zonas foram “negociadas” com o Governo Estadual e os representantes das organizações produtivas. Embora a coordenação fosse federal, predominou a autonomia das equipes executivas estaduais, faltando um encaminhamento mais claro do governo brasileiro. Neste momento, teve-se a impressão de que o PZEE tinha como principal objetivo atender as demandas mais próximas, ou seja, as questões estaduais. Porém, a escala de representação cartográfica, na 1ª Aproximação, não permitia a produção de informações mais detalhadas. Na execução da 2ª Aproximação do PZEE teve sugestões metodológicas para envolver os seus atores sociais, ou seja, buscar ter maior participação popular. Prevaleceu, nesta etapa, a idéia de um programa com características mais voltadas para as necessidades estaduais.

De direito, o PZEE sempre foi de competência administrativa federal, pois tem como objetivo promover uma intervenção compartilhada entre União, estados e municípios. De fato, a União não assumiu as suas obrigações como deveria, não buscou realizar um zoneamento único para a Amazônia segundo

os seus interesses, essa lacuna foi preenchida pelos estados. Prevaleceram os interesses estaduais na execução do programa.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu à União a competência de elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento social, bem como, a incumbência de proteger o meio ambiente, fomentar a produção agropecuária e abastecimento alimentar. Além da Constituição Federal de 1988 ter um capítulo específico para o meio ambiente (Capítulo IV), há também vários artigos em diversos pontos da constituição que mencionam o tema ambiental de forma global ou setorial. A criação e implementação do PZEE, a partir dos preceitos da Constituição Federal, implicaram em uma seqüência de atos legais feitos por decretos presidenciais. Como exemplo desses decretos, cita-se a criação do PZEE, através do Decreto nº 99540 de 21/09/1990, a definição da competência do PZEE como sendo do Governo Federal, através do Decreto s/nº de 28 de dezembro de 2001, e a obrigatoriedade de atenção aos indicativos do PZEE, pelo Decreto nº 4.297, de 10 de julho de 2002.

O Decreto nº 4.297/2002, no seu art. 6º, reafirma a competência do Poder Público Federal para elaborar e executar o PZEE nacional ou regional, em especial, quando ele tiver por objeto, um bioma considerado patrimônio nacional. Se o ZEE nacional e regional é de competência do Governo Federal, então qual é a incumbência dos estados? No desdobramento do art. 6º deste decreto, está definida a competência estadual e acentuada a exigência de cooperação entre a União e estados:

§ 1º O Poder Público Federal poderá, mediante celebração de documento apropriado, elaborar e executar o ZEE em articulação e cooperação com os Estados, preenchidos os requisitos previstos neste Decreto.

§ 2º Os ZEE´s executados pelos órgãos federais e Estados da Federação, quando enfocar escalas regionais ou locais, deverá gerar produtos e informações em escala 1:250.000 ou maiores, de acordo com a disponibilidade de informações da sua área de abrangência.

§ 3º O Poder Público Federal deverá reunir e compatibilizar em um único banco de dados as informações geradas em todas as escalas, mesmo as produzidas pelos Estados, nos termos do § 1o deste artigo (Decreto n º 4.297/2002).

O Decreto nº 4.297/2002 determina que a coordenação do ZEE é de competência do Poder Público Federal, e que a sua execução pode ser realizada por meio de cooperação entre os órgãos federais e estaduais.

Visando refinar o entendimento da legislação brasileira, compatibilizar as escalas cartográficas e as competências relativas aos entes federados, Figueiredo (2006), fez sugestões de normatização do ZEE, que consideraram as multiescalas e competências legais (Quadro 5).

PROPOSIÇÃO PARA A NORMATIZAÇÃO DO ZEE

Caberá ao Poder Público Federal: 1) instituir um sistema nacional de ZEE, articulando as diversas instituições executoras, bem como os projetos em diversas escalas, e estabelecer as regras de reconhecimento e incorporação dos projetos ao sistema nacional; 2) elaborar e executar o ZEE nacional ou macrorregional, em especial quando tiver por objeto bioma considerado patrimônio nacional que não deva ser tratado de forma fragmentária; 3) indicar a localização espacial de atividades que envolvam alterações nas dinâmicas territoriais e o planejamento estratégico do território nacional, tais como o traçado de grandes eixos viários, a regulação da faixa de fronteira e outras que envolvam uma abordagem conjunta do território nacional; 4) articular a cooperação com os Estados; e 5) organizar um único banco de dados as informações geradas em todas as escalas, mesmo as produzidas pelos estados ou outros órgãos.

O sistema nacional de ZEE, através da CCZEE, reconhecerá e incorporará os ZEE’s dos Estados e demais executores, nas seguintes condições: I – Nas escalas de 1:1.000.000 e menores, para indicativos estratégicos de uso do território, tais como planejamento regional, definição de áreas para detalhamento de ZEE, alocação prioritária de unidades de conservação e outras formas de proteção ambiental; manejo ambiental sustentado; definição de áreas para priorização do zoneamento agrícola em escala mais detalhada; II – Nas escalas de 1:250.000 e maiores, para indicativos de ordenamento territorial subregional, tais como flexibilização da reserva legal, incorporação ao sistema de licenciamento ambiental da propriedade rural e outras licenças ambientais; planos de manejo de unidades de conservação e as suas respectivas áreas-tampão; III – Nas escalas locais de 1:100.000 e maiores, para indicativos operacionais de ordenamento territorial, tais como planos diretores municipais, planos de gestão local, Áreas de Preservação Permanente; IV – Para reconhecimento e incorporação ao sistema, na forma deste Decreto, todos os ZEEs Estaduais deverão ter sido aprovados nas respectivas Comissões Estaduais de ZEE, normatizado por lei estadual após projeto encaminhado pelo poder executivo do Estado; e inserido em um plano ou programa estadual de gestão do território.

Quadro 5: Proposição para a normatização do ZEE. Fonte: Adaptado de Figueiredo (2006).

Essa proposição assemelha-se ao projeto que o MMA (2001), apresentou para a estruturação do PZEE, projeto este que define a concepção, os arranjos institucionais e os fundamentos conceituais das diretrizes operacionais para este programa. Esse projeto considera a diversidade de ordens de grandeza envolvidas na gestão no território nacional, tanto a nível interno como externo, as multiescalas e as equipes estaduais, individualmente. Assim, cada projeto estadual de ZEE tem um papel individual dentro do PZEE, ou seja, ele é parte de um processo maior, nacional. Esse papel varia, de acordo com a sua posição relativa na estrutura administrativa do país. Deste modo, é imperativo que haja conexões entre a União e estados, evitando o isolamento. Conseqüentemente, isso contribuirá para reduzir o desperdício de recursos, aumentar a sintonia entre os executores do ZEE e evitar a desarmonia entre as políticas públicas.

O PZEE dividiu o planejamento territorial em seis ordens de grandeza, que levaram em conta as escalas de representação e a estrutura político-

administrativa do país. A divisão proposta nesse projeto está mostrada no Quadro 6:

ENFOQUE ABRANGÊNCIA TERRITORIAL NÍVEL POLÍTICO-ADMINISRATIVO ORDENS DE GRANDEZA

Continental Federal 1:10.000.000/1:5.000.000 Nacional Federal 1:2.500.000/1.1000.000 ESTRATÉGICO (POLÍTICO) Regional Federal/Estadual 1:1.000.000/1:250.000 Estadual Estadual/Municipal 1:250.000/1:100.000 Municipal Municipal 1:100.000/1:50.000 TÁTICO (OPERACIONAL) Local Distrital 1:25.000/1:1.000 Quadro 6: Proposição do MMA para a normalização do ZEE, em 2001.

Fonte: MMA, 2001.

Pode-se observar no Quadro 6 que o enfoque estratégico cabe à coordenação federal e expressa o prognóstico da interação entre as potencialidades e limitações, objetivando o planejamento de grandes áreas de domínio federal ou regional. O enfoque tático está voltado aos níveis de administração estadual, municipal ou empresarial. As escalas cartográficas têm capacidade de fornecer informações compatíveis com os níveis de tomada de decisão dos gestores territoriais.

A coordenação geral do PZEE está a cargo da Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico, instituída pelo Decreto Presidencial s/nº, de 28/12/2001. Já a execução do PZEE na esfera da União, incluindo a proposição de metodologia para estados e regiões, será realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do MMA, que tem a parceira do Consórcio ZEE Brasil para cumprir as suas atribuições. Este consórcio foi criado com o objetivo de executar o ZEE, sob a coordenação geral da SDS e de apoiar os demais executores regionais, estaduais e municipais nos seus respectivos projetos. O Consórcio ZEE Brasil poderá, quando solicitado, exercer funções de assessoria ao planejamento e acompanhamento do ZEE nas regiões e estados. Terá competência também, para estender suas experiências aos estados e a outros órgãos executores, por solicitação destes, no que se refere à consultoria técnica, orientação e treinamento, principalmente para elevação de suas capacidades científicas e tecnológicas.

O modelo institucional proposto para o PZEE pelo MMA em 2001, mostrado na Figura 2, tenta otimizar as interações entre os três níveis governamentais dos órgãos públicos. No nível federal, há um exercício de articulação entre os ministérios e empresas públicas, no caso a Comissão Coordenadora do ZEE e o Consórcio Brasil. O aprendizado adquirido neste

exercício deverá ser adequado à articulação vertical entre os níveis federal, estadual e municipal.

Figura 2: Modelo institucional de articulação do PZEE, proposto pela MMA em 2000. Fonte: MMA, 2001.

A tentativa de pôr em prática a interação proposta pelo ZEE entre os órgãos federais e estaduais esbarra na dificuldade de regulamentação legal, embora já tramite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 2.839/2003, que dispõe sobre o zoneamento socioeconômico-ecológico. Nota-se que, nesse projeto, o nome do programa foi modificado para Zoneamento Socioeconômico-ecológico, porém essa discussão de nomenclatura não é pertinente aqui. Assim, para que os atores sociais envolvidos no PZEE possam compatibilizar as suas respectivas jurisdições territoriais e escalas cartográficas de representação de suas realidades, é necessário implementar ações que garantam e fortaleçam as formas legais, as maneiras de execução e a articulação entre os mesmos (FIGUEIREDO, 2006).