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CAPITULO II: ENTENDENDO O ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO

2.7 NOTAS REFLEXIVAS: O ZEE COMO INSTRUMENTO IMPOSTO

Com base em Becker e Egler, Steinberger e Romero, Schubart e outros autores, e parafraseando Nitsch, pode-se dizer que o conceito do zoneamento tem, no mínimo, duas direções excludentes: uma de ser e a outra de dever ser. Considera-se como ser, a direção relacionada ao passado recente das práticas do ZEE. Assim, entende-se que o ZEE é uma avaliação estratégica e técnica dos recursos naturais e socioeconômicos, baseada no levantamento individual de cada um dos elementos constituintes de um território selecionado, objetivando identificar e analisar a vulnerabilidade dos sistemas ambientais e o comportamento socioeconômico dos atores sociais de um determinado território.

Já a direção do dever ser está vinculada com o presente e o futuro das práticas planejadas pelo ZEE, o que corresponde à idéia abstrata de aspirações técnicas e políticas relativas a ele, e aos anseios sociais e democráticos. Nessa conjuntura, entende-se que o zoneamento é um instrumento político de ordenamento territorial capaz de proporcionar alternativas para a gestão territorial aos órgãos públicos e privados, nos níveis federal, estadual e municipal, e à sociedade civil. É também uma base de informações e diretrizes que contribuam para a tomada de decisão de ordenação do território de maneira sustentável, visando otimizar o uso da terra e subsidiar políticas públicas seguido de implantação de planos, obras, atividades públicas e privadas.

O zoneamento foi adotado no Brasil, antes de tudo, como técnica metodológica de diagnóstico do meio natural, ou seja, diagnóstico de locais com predominância da natureza. Depois de algum tempo, em 1991, ele foi implementado como projeto-piloto. Isso provocou confusão no entendimento da sociedade civil sobre o ZEE e os zoneamentos, ou seja, entre a atividade de zonear áreas e o Programa Zoneamento Ecológico Econômico.

O ZEE sofreu influências da questão ambiental e da conjuntura política do Brasil. Esse programa foi forjado no calor intenso da urgência de uma ação política, em face do quadro negativo em que encontrava o país na década de 1980. Naquela época, foi registrado um alto índice de desmatamento na maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Isso fez com que o Governo Federal e as instituições financeiras internacionais sofressem pressões ambientalistas mundiais e locais, obrigando-os a tomar uma atitude a esse respeito.

A criação do ZEE no Brasil, na década de 1980, teve como justificativa a redução do desmatamento e a proteção do meio ambiente e, por isso, a sua evolução está vinculada à história da questão ambiental mundial e brasileira. Assim, o início da história do ZEE no Brasil se deveu a uma percepção mundial da necessidade de preservação ambiental. O ZEE preencheu um vazio no planejamento territorial, passando a ter a responsabilidade informal de orientar a ordenação do território, ou seja, assumiu o papel de um instrumento que orientasse as políticas de organização de território e, assim, alcançou relevância no planejamento federal, após 25 anos de existência. Assim, o ZEE teve dois momentos. No primeiro, era uma demanda externa e, no segundo, interna. Nessa situação, em que as condições do financiamento internacional,

os pactos políticos e as pressões de movimentos sociais variavam, em sua conformação e influência, o ZEE foi sendo construído por diferentes fases, discursos e raciocínios. Segundo Acserald (2007), o ZEE desde a sua origem no Brasil, teve o seu prestígio como instrumento promissor de um ordenamento territorial ecologizado. Ele foi difundido em diferentes ocasiões, em que programas, instrumentos legais, hierarquias, pacotes financeiros e redesenhos institucionais foram sendo propostos para o planejamento da Amazônia, por sucessivos governos. No entanto, somente depois de duas décadas, o antigo zoneamento ambiental (instrumento de gestão previsto pela PNMA - Lei 6938/81 de 31/08/1981) foi regulamentado pelo Decreto 4.297 (10/07/2002), sob a denominação de Zoneamento Ecológico-Econômico. Assim, o ZEE foi instituído legalmente, passando a ter critérios mínimos, objetivos, princípios, competências e regras gerais.

O ZEE foi alinhavado ao longo do tempo por técnicos e políticos. A sua articulação institucional, metodologia e implementação política está por se consolidar. A sua estrutura ainda está inacabada. As experiências desenvolvidas durante o Programa Nossa Natureza, em 1989, a Comissão Coordenadora do ZEE da Amazônia, criada em 1990, e o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais, iniciado em 1991, são alguns marcos desse processo. Na verdade, essas experiências foram tentativas de se colocar em prática a teoria do ZEE. Mas a proposta de zoneamento ainda não foi esgotada no aparato legal e institucional, nem mesmo na época atual, em que o Governo Federal resolveu assumí-la e executá-la.

Atualmente o ZEE apresenta avanços e recuos, em relação às suas atribuições, como instrumento de gestão territorial. Por exemplo, na época atual, a divisão das atribuições da extinta SAE entre dois ministérios, Ministério da Integração e Ministério do Meio Ambiente, separa partes contínuas e interdependentes de um único processo. Os ministérios têm interesses distintos e poucas inter-relações e, na prática, a transversalidade buscada pelo MMA é inexistente. O PZEE, “ancorado” no MMA, teve a predominância de componente técnica, com objetivos de diagnósticos que orientassem a proteção do meio ambiente, em detrimento da componente política, voltada para o desenvolvimento regional. O ZEE proposto para a Amazônia tem raízes na geografia tradicional, principalmente quando se observa o avanço alcançado na componente técnica e as dificuldades de implementação da componente

política. Isso leva a refletir sobre o modelo adotado por este instrumento, seus objetivos e as advertências de Nitsch sobre os interesses externos na implementação do ZEE na Amazônia com pouca participação dos atores sociais.

Quanto à questão metodológica, como dito anteriormente, a parte técnica precisa de ajustes: 1) a biodiversidade precisa ser melhor representada, pois existe na Amazônia uma grande variedade de espécies de plantas e de animais; 2) é preciso definir o caráter positivo e negativo dos indicadores; 3) a vulnerabilidade natural à erosão do solo não deve ser o único parâmetro de avaliação dos sistemas naturais; 4) as Unidades Territoriais Básicas - UTB´s são diferentes, conforme a escala de trabalho e metodologia, elas precisam ser definidas e terem unidade entre si e 5) é preciso incentivar a participação de todos os atores sociais em todas as atividades do programa, verificar suas demandas mais urgentes, principalmente, os gestores públicos.

Para alcançar os seus objetivos, o ZEE, na Amazônia, precisa ultrapassar alguns fatores limitantes. O Programa precisa adquirir autonomia financeira, pois a maior parte de seus recursos ainda é proveniente de financiamentos externos. Necessita, também, ter um direcionamento efetivo do Governo Federal, definindo as diretrizes gerais e prioridades do programa, criando estratégias de implementação que aproveitem os interesses diversos e conflitantes e as disputas governamentais internas para promover o desenvolvimento econômico com eqüidade social. Assim, seria bom se o ZEE viesse a promover intercâmbio de conhecimento e tecnologia entre as equipes executoras estaduais pois estaria minimizando os conflitos metodológicos e nivelando o corpo executor do programa. Seria bom também, estimular a composição das equipes locais e a preparação de novos técnicos, através de programas de estágios e treinamentos, que visem o incremento e a substituição na equipe para dar continuidade aos trabalhos. É imprescindível a avaliação sistemática do projeto, inclusive com novos indicadores capazes de mensurar o desempenho das modificações causadas pelo ZEE, contribuindo para uniformização de critérios, minimizando a sobreposição de áreas e outros. O mais importante é encontrar estratégias que estimulem a participação de todos os atores sociais em todas as fases, proporcionando a divulgação dos resultados e suas respectivas aplicações. Estas ações podem contribuir para diminuir a rejeição e resistência aos produtos técnicos (banco de dados

georeferenciados, cartas temáticas e outros) e aos produtos orientados para a política pública (indicações de legislação suplementar, planos, programas, projetos e outros).

O ZEE na Amazônia foi experiência – piloto e obteve alguns resultados positivos, principalmente por evidenciar a necessidade de um redirecionamento no planejamento territorial e desenvolvimento econômico do país. No entanto, a sua utilização como instrumento estratégico de subsídio à tomada de decisão, a nível político-administrativo nacional, avançou pouco. Dada a sua origem e a sua trajetória no Brasil, o ZEE foi implementado dentro do PP-G7, carecendo de ajustes operacionais, técnicos e políticos para a sua consolidação. Como afirma Nitsch, “o modelo adotado de ZEE na Amazônia é inédito no mundo”, tanto pela abrangência territorial, como pela superposição de poderes e interesses dos atores sociais envolvidos.

CAPITULO III: O PROGRAMA DE ZEE NA AMAZÔNIA LEGAL -