• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO I: CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE NA LITERATURA

1.4. NOTAS REFLEXIVAS: O ZEE, NO BRASIL, É INSTRUMENTO DE ORDENAMENTO

TERRITORIAL?

A década de 1970 foi marcada pelo propósito de desenvolvimento econômico no Brasil, onde o planejamento se moldou ao atendimento de pressupostos associados à centralização do poder e decisão. Nesse enfoque, a imposição ficou mais salientada no uso e ocupação do solo de modo imperativo e tendente aos interesses econômicos e políticos, que perpetuaram institucionalmente as diferenças sociais e a conseqüente exclusão da comunidade, do processo decisório. O modelo de desenvolvimento adotado impôs ao planejamento, um zoneamento de uso do solo com definições para localizar as atividades econômicas, ou seja, houve uma pressão do poder econômico em manipular os espaços privados (MOREIRA, 1993).

O desenvolvimento econômico no Brasil teve como uma das conseqüências, os impactos negativos sobre o meio ambiente. Esses impactos foram apontados e debatidos pelos cientistas e pela sociedade, que demandaram a implementação de políticas públicas que permitissem um crescimento econômico com menores impactos ambientais (SÃO PAULO, 1998). Neste contexto, Frey (2000) indica a necessidade de transformações significativas dos arranjos de instituições, decorrentes do incremento da

discussão ambiental na década de 1990. Necessitou-se de esforço político para a administração dos conflitos entre os interesses econômicos e os ambientais. A maior dificuldade na elaboração de políticas públicas é atender às necessidades da sociedade como um todo, sem privilegiar os interesses individuais. O PZEE foi proposto como um elemento integrador no planejamento brasileiro, assumindo o papel de provedor de informações sobre o meio ambiente para a melhoria das ações públicas e privadas a partir de parâmetros “sustentáveis”, garantindo a disponibilidade da informação sobre os assuntos tratados e a participação social (MACEDO, 1998).

O zoneamento deve ser usado com instrumento operacional de apoio a políticas públicas em relação aos seus espaços territoriais e uso de seus recursos ambientais, promovendo seu uso, manutenção e aperfeiçoamento (MILLIKAN, 1998). A importância do PZEE para o Brasil é justificada pela diversidade de ecossistemas e formas de ocupação, associadas às restrições naturais. Também é importante considerar a capacitação técnica e a confiabilidade de dados para definir o PZEE como condição essencial de uma efetiva gestão pública (MACEDO, 1998). A gestão pública, a partir do interesse coletivo é perpassada pela consideração de que as políticas, projetos e programas devem ser de responsabilidade coletiva da sociedade. Desse modo, as potencialidades e limitações naturais deveriam ser de conhecimento de todos. Porém, normalmente, essas informações são de domínio dos órgãos públicos, os quais decidem a implementação, ou não, de um empreendimento.

Considera-se que o poder público tem a responsabilidade de executar o PZEE, observando a sua importância na elaboração de políticas públicas e nas decisões no uso e ocupação do solo. A partir do elo entre o PZEE e o planejamento ambiental e territorial, Holling (1978) sustenta que na execução do planejamento ambiental deve ser considerado os elementos do meio natural, como fatores fundamentais de localização. Já Gallopin (1986) afirma que a busca de uma melhor qualidade de vida vai além da elaboração do planejamento ambiental do território; para ele, é imprescindível a participação da sociedade nessa elaboração.

O PZEE é um importante instrumento de políticas públicas de âmbito regional, mas o seu caráter normativo e restritivo, visando a proteção do meio ambiente e impondo usos, fez com que ele não correspondesse ao que se pretendia com um instrumento de gestão ambiental (MILLIKAN, 1998). Apesar

desses fatores, o estágio atual da fase de implementação do PZEE demonstra uma preocupação com a base de dados e com o seu papel de fornecedor de subsídios à gestão territorial. Dentre as manifestações mais recentes, destaca- se a obrigatoriedade da execução dos Planos Diretores Municipais, exigida pelo Governo Federal que, ao menos no discurso, vêm imbuídos de preocupações com o meio ambiente. Esses planos diretores, normalmente, são elaborados sem a realização do zoneamento urbano e sem interfaces com o programa ZEE. Pode-se citar com exemplo, o Plano Diretor do município de Macapá (AP), elaborado por uma consultoria que se fundamentou em diagnósticos já existentes, sem realizar levantamento de dados primários e validação dos dados secundários. A participação social baseou-se na apresentação dos resultados.

O PZEE tem desempenhado um papel de caráter mais indicativo do que normativo. Ele tem indicado as possibilidades de ocupação, baseadas em critérios técnicos e sociais, constituindo-se em um importante instrumento de apoio à tomada de decisão. Tem também como objetivo respaldar as Políticas, Planos e Programas (PPP)46. Assim, ele é um instrumento com respostas socioambientais dinâmicas e pode ser visto, segundo Souza (2000), como um plano de desenvolvimento regional e não como uma ação exclusiva do setor ambiental da administração pública.

O programa de ZEE é considerado como um instrumento regulador do território47. Ele é também um instrumento regulador e instrumento de comando e controle. Esses instrumentos são definidos como: “[...] um conjunto de normas, regras, procedimentos e padrões a serem obedecidos pelos agentes econômicos, de modo a adequar-se a certas metas ambientais, acompanhado de um conjunto de penalidades previstas para as recalcitrantes” (MARGULIS, 1996, p. 9). Assim, julga-se que os atores sociais, responsáveis pelas atividades econômicas terão os seus impactos ambientais negativos adequados aos limites dos padrões estabelecidos pela legislação ambiental vigente. Caso contrário, os atores serão penalizados de acordo com essas leis.

46

Art. 3º e Art. 13 º, inciso V e VI do Decreto 4.297/02. 47

Território é entendido como um espaço de fluxos, materializado na hegemonia dos grupos transnacionais, os quais são ordenadores da espacialidade mundial, sendo fruto das relações sociais de poder. (HAESBAERT, 2002, p.10). O território também é “um espaço sobre o qual se exerce domínio político, e como tal, um controle de acesso” (HAESBAERT, 1995:168). Ainda segundo Haesbaert, “tendo como pano de fundo a noção hibrída de espaço geográfico, o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural" (HAESBAERT, 2004, p.116).

Os tipos de instrumentos reguladores mais conhecidos são as licenças48, o zoneamento e os padrões49. O zoneamento, como instrumento ambiental, é um conjunto de regras de uso da terra empregado, principalmente, pelos governos locais para indicar aos agentes econômicos a localização mais adequada das atividades produtivas. Essas regras se baseiam na divisão política de municípios em distritos ou zonas, que permitem os usos da terra pelos agentes econômicos. Caso seja inexistente a determinação de uso da terra, o governo local se fundamentará nos estudos de impacto ambiental (EIA) e os seus conhecimentos técnicos para verificar a relação entre as condições ambientais do local pretendido pelo agente econômico e as atividades propostas de cada ator social, conforme mostrado na Figura 1.

Figura 1: Dinâmicas territoriais. Fonte: Autora, 2008.

As dinâmicas territoriais na Amazônia, representada na Figura 1, normalmente se iniciam com as primeiras ocupações históricas, onde o homem de acordo com as potencialidades e limitações naturais cria estratégias de

48

As licenças são usadas pelos órgãos de controle ambiental para permitir a instalação de projetos e atividades com potencial de danos ambientais.

49

Os padrões representam o instrumento mais utilizado na gestão ambiental no mundo, onde eles estabelecem os limites máximos dos efluentes dos empreendimentos, como por exemplo, a emissão e concentração de poluentes causados por uma indústria.

sobrevivência dividindo o espaço segundo suas necessidades. As atividades produtivas, a cultura e outros fatores de relação social estruturam as comunidades que se relacionam entre si e com outras estruturas sociais existentes. Essas relações se dão em um modelo de produção, onde ocorrem a entrada e saída de produtos, recursos financeiros e naturais, estabelecendo uma ligação onde o mercado se faz presente. As necessidades humanas, como saúde e educação, demandaram nessa situação, a presença do Estado.

Conforme esquema mostrado na Figura 1, a dinâmica territorial é influenciada pelas ações do Estado, com as políticas públicas e legislação, e pelas influências do mercado, por intermédio das ofertas e oportunidades. Desse modo, planejar depende das questões econômicas, sociais, ambientais, culturais, locais e globais. Por isso, o ordenamento territorial no Brasil tem sido usado como estratégia de desenvolvimento sustentável. Na ausência de um plano nacional de ordenamento territorial, existem ações políticas individualizadas, nas quais o PZEE assume essa responsabilidade.

Nesse quadro, o PZEE pode ser visto como instrumento de gestão do território, baseado na disponibilidade e transparência de informações, negociação social das metas de regulação, de apropriação e uso do território, que envolveu vários atores sociais e diversas realidades. As metodologias de execução desse programa foram fundamentadas na abordagem interdisciplinar, considerando, segundo uma hierarquia de escalas espaciais e temporais, a estrutura e a dinâmica do sistema ambiental. Deve seguir também uma visão sistêmica, que analisa as relações de causa/efeito entre os componentes do sistema ambiental, estabelecendo as interações entre os mesmos. Trata-se, assim, de um instrumento técnico e político do planejamento das diferenças, segundo critérios de sustentabilidade política, de absorção de conflitos e de temporalidade. Seu valor reside no fato de descartar o tratamento setorial das políticas públicas, partindo de contextos geográficos concretos, neles implementando políticas já territorialmente integradas (BECKER e EGLER, 1997).

Determinados tipos de ocupação territorial e os usos dos recursos naturais no meio rural causam externalidades negativas que afetaram outros lugares e outras pessoas, como por exemplo, atividade de extração irregular de ouro no Parna da Amazônia que contaminou de mercúrio os peixes da região. A freqüência constante desse fato e a tentativa de minimizá-lo, solucioná-lo e

garantir os direitos sociais comunitários fez com que houvesse uma intervenção do Estado. Nos dias atuais, os governos locais preparam planos e estudos para melhor compreender as implicações de suas decisões em comunidades, adotando regulações que vão limitar o uso do território pelos proprietários de terras. Essas regulações, quando adotadas para beneficiar a todos, limitam as escolhas pessoais, individuais por meio da ação de fiscalização ambiental para atender o mercado, buscando o correto equilíbrio entre os interesses de indivíduos, empresas e firmas e o do conjunto da coletividade.

Um modelo de desenvolvimento sustentável pressupõe que o tratamento da questão territorial deva ter como objetivo, a capacidade de promover a interiorização do desenvolvimento econômico e social (BECKER e EGLER, 1997). Ele possibilita, ao mesmo tempo, a inclusão, na sociedade, de um número cada vez maior de pessoas e contemplando as aspirações das coletividades no processo de desenvolvimento nacional.

De acordo com Duarte (2004), Millikan (1998), Bertone (2006), Moulin (2002), Benatti (2004) e Ministério da Integração NacionaI (2006), entende-se que o ordenamento territorial idealizado por esses autores contemplaria a sustentabilidade social, econômica, ecológica, territorial e cultural e que atenda, simultaneamente, os critérios de relevância social, prudência ecológica e viabilidade econômica, que Sachs (2000), considera como sendo os pilares do desenvolvimento sustentável. As dificuldades estão vinculadas às tradicionalidades brasileiras, ou seja: 1) a ocupação do território caracterizada pela prevalência da racionalidade econômica e pelas demandas do mercado desde a colonização para atender as demandas externas; 2) a desarticulação entre as ações dos diferentes níveis governamentais (nacional, estadual e municipal) e institucionais; 3) a formação social do Brasil; 4) as grandes dimensões territoriais do país.

CAPITULO II: ENTENDENDO O ZONEAMENTO ECOLÓGICO