• Nenhum resultado encontrado

3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: UM OUTRO LADO DO FENÔMENO

3.3 Competências sociolinguísticas: a construção de um direito de cidadania

O Quadro comum europeu de referência para as línguas: aprendizagem, ensino e avaliação13 (QECRL), adota uma abordagem de ensino da língua orientada para a ação,

13 Documento que oferece uma base comum, seja para a elaboração de programas de línguas, seja para as

na medida em que considera antes de tudo o utilizador e o aprendente de uma língua como atores sociais, que têm que cumprir tarefas (que não estão apenas relacionadas com a língua) em circunstâncias e ambientes determinados, num domínio de atuação específico. Se os atos de fala se realizam nas atividades linguísticas, estas, por seu lado, inscrevem-se no interior de ações em contexto social, as quais lhes atribuem uma significação plena (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p29).

Essa abordagem orientada para a ação, na perspectiva do documento, leva em conta outros recursos de ordem cognitiva, afetiva, volitiva e o conjunto de capacidades que o indivíduo possui e que põe em prática como ator social. Nesse sentido, qualquer forma de aprendizagem e de uso da língua deve incluir o desenvolvimento de um conjunto de competências tanto gerais quanto comunicativas que possibilitem às pessoas delas fazer uso

em “vários contextos, em diferentes condições, sujeitas a diversas limitações, com o fim de

realizarem atividades linguísticas que implicam processos linguísticos para produzirem e/ou receberem textos relacionados com temas pertencentes a domínios específicos” (idem, p.29). E para isso, ativam as estratégias que lhes parecem mais apropriadas para o desempenho de tais tarefas.

Muitas vezes para a realização dessas tarefas, de acordo com o QECRL, o indivíduo precisa acionar especificamente os meios linguísticos. Quando se trata de situações que dizem respeito às condições socioculturais do uso da língua, o falante deverá acionar as suas competências sociolinguísticas. Para tanto, nesse momento, faz-se necessário mobilizar conhecimentos, capacidades e características da situação comunicativa para a efetivação exitosa dessa ação.

Alguns estudos relacionados à equidade educacional demonstram que a escola assume um papel relevante no desempenho acadêmico dos alunos. Para Soares,14 ao dividir a variância da proficiência dos alunos, em dois componentes, um relacionado às escolas e o outro aos próprios alunos, com vistas a controlar a influência das variáveis socioeconômicas no desempenho estudantil, os resultados demonstraram que a influência das variáveis relacionadas à escola equivalem a 12,3% da variância total dos dados. Para o autor esse valor mostra que, mesmo após o controle das diferenças socioeconômicas dos alunos das diversas escolas avaliadas, a maior parte da variação de proficiência deve ainda ser atribuída a variações intrínsecas aos alunos. Entretanto, ressalta que o valor remanescente, compatível com vários trabalhos internacionais na área, mostra que existe diferença entre as escolas, de

modo que “a escola frequentada faz diferença na vida do aluno” (p.101), sendo possível,

portanto, melhorar o desempenho do aluno através da ação da escola.

14 Estudo feito a partir dos resultados obtidos pelos alunos da 8ª série no SAEB 2001, em Matemática. Cf.

Nesse sentido, embora o nível socioeconômico exerça forte impacto no desempenho do aluno, a escola pode ser o grande diferencial na vida de um estudante. Considerando que na educação pública, a grande maioria é oriunda das camadas de mais baixo poder socioeconômico, cabe à escola melhor instrumentalizar essa clientela para que rompa com o ciclo intergeracional da pobreza e da desvantagem social e possa vislumbrar melhores condições de vida. Isso passa, necessariamente, pelo desenvolvimento das competências comunicativas, e nesse grupo, as competências sociolinguísticas, indispensáveis à mobilidade social.

O papel da escola no desenvolvimento dessas competências é de real importância. Em estudos sobre o efeito escola, conforme afirmam Alves e Soares (2008), os resultados apontam que é possível, por meio de práticas escolares exitosas, minimizar o efeito dos recursos associados à origem social do aluno. Asseveram ainda os autores que

o desafio não é apenas garantir o aprendizado, mas um aprendizado com qualidade e com equidade entre os grupos sociais na escola. Alcançar os níveis básicos de ensino precisa se tornar a meta de todas as escolas, sem o que os filtros da seleção escolar continuarão bem atuantes (2008, p. 541).

O desenvolvimento das competências sociolinguísticas nos alunos é fator que corrobora para a eliminação desses filtros de seleção escolar, tantas vezes expressos de forma velada, no tratamento dado aos alunos usuários da variedade linguística que não goza de prestigio social.

Levar o aluno a fazer uso também da variedade de prestígio, sendo capaz de considerar, conscientemente, fatores tais como „„os marcadores linguísticos de relações sociais; as regras de delicadeza; as expressões de sabedoria popular; as diferenças de registro; os dialetos e os sotaques‟‟, conforme destacados no QECRL, é dar-lhe um passaport para uma eficaz mobilidade social. É assegurar-lhe o direito de ter elementos para modelar a construção de uma cidadania ativa.

3.4 Considerações finais do capítulo

Neste capítulo, enfatizamos as contribuições da Sociolinguística para aprofundar a reflexão sobre o respeito linguístico e sobre o papel da escola no combate às práticas linguisticamente preconceituosas. Os fundamentos sociolinguísticos, para além da compreensão do fenômeno da variação, lançam luzes para uma reflexão mais ampla que se volta tanto para o respeito linguístico, enquanto dimensão dos direitos humanos, quanto para a

necessidade de se assegurar o desenvolvimento das competências sociolinguísticas nos alunos, como um direito de cidadania. A escola deve constituir-se como um dos locus sociais de aprendizado e de vivencia desse respeito e do exercício de tais competências.

No próximo capítulo, abordaremos as contribuições da Sociolinguística para a educação, dando ênfase à variação linguística, como conceito que deve ser bem compreendido pelos professores com fins de desenvolverem os conteúdos que envolvem variação que aparecem nos livros didáticos e que fazem parte das orientações dos documentos oficiais para o ensino de LP no país. Ademais, destacaremos a variação, observando como esta se materializa por meio de descritores nas matrizes de referência das avaliações de larga escala, de responsabilidade dos sistemas de ensino.

4 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DA