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3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: UM OUTRO LADO DO FENÔMENO

4 A VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: DA TEORIA À AVALIAÇÃO.

4.4 A variação linguística e as avaliações de larga escala: desvelando práticas e saberes

Todo o trabalho docente de ensino e de aprendizagem deve incluir a dimensão avaliativa, como forma de apreciar a qualidade do desempenho dos alunos frente ao que foi ensinado e, por conseguinte, contribuir para o aprimoramento pedagógico. Em se tratando de ensino e de aprendizagem da língua, a avaliação da proficiência do aluno, é ato pedagógico de suma relevância para perceber avanços e/ou identificar vulnerabilidades que requerem intervenções pedagógicas mais específicas.

De acordo com Luckesi (2011), no processo avaliativo, o ato de “ investigar para

conhecer e conhecer para agir são dois algoritmos básicos para a produção de resultados

satisfatórios”. Para ele, “sem investigação, não se tem conhecimentos, não se tem eficiência e

qualidade” (2011, p.149). Assim, o professor deve ser, antes de tudo, um pesquisador capaz de “investigar a qualidade do seu objeto de estudo e, se necessário, intervir no processo de aprendizagem, de modo a assegurar os resultados desejados ( Idem, p. 150).

Para que o professor possa, no entanto, ter clareza do papel da avaliação da aprendizagem, deve atentar para os limites e possibilidades que a mesma oferece, percebendo, nessa perspectiva, conforme assinalam Faleiros e Pimenta (2014), que há ainda um longo caminho a ser percorrido rumo ao aprimoramento da avaliação como elemento integrante das práticas pedagógicas. Isso, entretanto, não minimiza a importância que a avaliação assume no contexto dessas práticas, como, inclusive é enfatizado pelos PCNs e destacado pelas autoras citadas.

Segundo as autoras, os PCNs abordam a dimensão diagnóstica que a avaliação deve ter, demonstrando que a mesma, nesses documentos, é tida como um elemento de reflexão contínua para o professor sobre sua prática educativa, possibilitando também aos alunos tomar consciência de seus avanços, dificuldades e possibilidades durante todo o processo de ensino e de aprendizagem.

A busca pela construção de bons resultados, nos moldes do que ocorre na vivência de sala de aula, hoje é algo que vem se tornando imprescindível para os sistemas de ensino cujo desafio é assegurar a qualidade da (s) rede(s) sob sua responsabilidade. Para isso,

necessário se faz utilizar-se de uma avaliação externa, geralmente, em larga escala, que possui objetivos e procedimentos diferenciados das avaliações realizadas em sala de aula, para identificar o desempenho dos alunos.

Como hoje, no país, está bastante disseminado que o objetivo da educação básica é garantir ao aluno o aprendizado das capacidades necessárias para sua inserção crítica e produtiva na sociedade, torna-se necessária a criação de mecanismos de mensurar se tal objetivo está sendo alcançado ou não. Isso requer informações confiáveis sobre o desempenho dos alunos e, consequentemente, sobre a qualidade do ensino que se vem oferecendo. O monitoramento da aprendizagem e do desempenho dos alunos na escola passa a ser algo de muita importância para os sistemas de ensino.

Para dar conta dessa questão tanto a União quanto os Estados vêm utilizando as avaliações externas24 em larga escala para mensurar o aprendizado dos estudantes. Apesar do largo alcance de uma avaliação dessa natureza dentro dos sistemas de ensino, a mesma não consegue contemplar a complexidade de competências e habilidades presentes na matriz curricular. Diante dessa impossibilidade, esse tipo de avaliação utiliza uma Matriz de Referência25, que representa um pequeno recorte da matriz curricular, e na qual são elencadas habilidades que devem ser, necessariamente, consolidadas ao final de uma etapa de ensino.

A Matriz de Referência, como recorte da matriz curricular, é formada de tópicos e cada um deles é composto por um conjunto de descritores26 que mostram as habilidades a serem avaliadas em diferentes etapas de escolarização e que são passíveis de serem aferidas em testes padronizados de desempenho.

Essas avaliações são, em geral, organizadas a partir de um sistema de avaliação cognitiva dos alunos e aplicadas, de forma padronizada, a um grande número de pessoas. Os resultados aferidos pela aplicação de testes padronizados têm como objetivo subsidiar medidas que visem ao progresso do sistema de ensino e atendam a dois propósitos principais: prestar contas à sociedade sobre a eficácia dos serviços educacionais oferecidos à população e implementar ações que promovam a equidade e a qualidade da educação (CEARÁ, 2012a).

No Brasil, desde a década de 1990, tais avaliações vem sendo utilizadas para identificar a qualidade dos sistemas de ensino. Uma dessas avaliações é realizada no âmbito do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), aplicada bianualmente pelo Instituto

24

A União, desde 1992, instituiu o Sistema de Avaliação da Educação Básica-SAEB e, alinhado a esse sistema, vários Estados criaram seus sistemas próprios de Avaliação.

25 Matriz de referência é o documento norteador da avaliação. Traz o conjunto de habilidades que serão

avaliadas. É construída a partir da matriz curricular e procura contemplar as principais habilidades a serem consolidadas pelo aluno em cada ano de escolarização.

26 Termo técnico que representa “uma associação entre conteúdos curriculares e operações mentais desenvolvidas pelo aluno que traduzem certas competências e habilidades”. (BRASIL, 2008).

nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira- INEP em todas as escolas públicas do país que tenham turmas de 5º, 9º do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio. A avaliação consiste na aplicação de testes padronizados de LP e MT, além de questionários socioeconômicos aos alunos, diretores e professores. (SILVA e SILVA, 2014).

O INEP, segundo as autoras, utiliza desde 1995 uma nova metodologia de construção de testes e passou a utilizar a Teoria de Resposta ao Item (TRI) para análise dos resultados. Essa teoria é, em termos gerais, uma forma de analisar e avaliar os resultados obtidos pelos alunos nos testes, levando em conta as habilidades demonstradas e os graus de dificuldade dos itens, permitindo a comparação entre testes realizados em diferentes anos. Os alunos obtêm um determinado nível de desempenho nas habilidades testadas denominado PROFICIÊNCIA, conforme destacado no Boletim Pedagógico do SPAECE 2012 (CEARÁ, 2012, a).

A TRI, segundo Andrade, Tavares & Vale (2000, p. 10), é um conjunto de

modelos matemáticos que “procuram representar a probabilidade de um indivíduo dar uma

certa resposta a um item como função dos parâmetros do item e da habilidade (ou habilidades)

do respondente”. É um modelo, portanto, que permite calcular a proficiência alcançada

pelo aluno, sendo capaz de determinar um valor diferenciado para cada item que o mesmo respondeu em um teste padronizado de múltipla escolha, com base em três parâmetros, como explicado didaticamente no Boletim Pedagógico do SPAECE 2012 (idem, 2012):

 Parâmetro "A" _ A capacidade de um item de discriminar, entre os alunos avaliados, aqueles que desenvolveram as habilidades avaliadas daqueles que não as desenvolveram.

 Parâmetro "B" - O grau de dificuldade dos itens: fáceis, médios ou difíceis. Os itens estão distribuídos de forma equânime entre os diferentes cadernos de testes, possibilitando a criação de diversos cadernos com o mesmo grau de dificuldade.

 Parâmetro "C" - A análise das respostas do aluno para verificar aleatoriedade nas respostas: se for constatado que ele errou muitos itens de baixo grau de dificuldade e acertou outros de grau elevado – o que é estatisticamente improvável – o modelo deduz que ele respondeu aleatoriamente às questões.

A partir dos resultados dos testes, é criada uma ESCALA DE PROFICIÊNCIA com o intuito de traduzir medidas em diagnósticos qualitativos do desempenho escolar. Os valores obtidos são ordenados e categorizados em intervalos ou faixas que indicam o grau de desenvolvimento das habilidades dos alunos que alcançaram certo nível de desempenho.

Os resultados obtidos nessas avaliações são colocados numa mesma escala de Proficiência, tida como ferramenta relevante para a interpretação pedagógica desses resultados, pois permite que os mesmos sejam ordenados e comparados ao longo de uma série histórica. A escala mais utilizada no país é a do SAEB que vai de 0 a 500 pontos.

Tomando como análise a variação linguística enquanto conteúdo abordado nos PCNs, a mesma aparece refletida nas matrizes de referência de 5º, 9º anos e nas três séries do Ensino Médio das principais avaliações em larga escala do país. No caso do 5º ano, a Matriz do SAEB apresenta um tópico específico para

variação linguística representado pelo descritor (D10) “Identificar as marcas

linguísticas que evidenciam o locutor e o interlocutor de um texto” (Brasil, 2008, p. 23).

Como a matriz de referência contempla, minimamente, elementos da matriz curricular, percebe-se que a presença de descritor de variação linguística já nos anos iniciais do Ensino Fundamental, suscita a necessária reflexão sobre a importância de se colocar no horizonte do estudante, desde cedo, o desenvolvimento de competências sociolinguísticas, que dizem respeito à dimensão social do uso da língua. Os resultados obtidos pelos alunos podem ser um importante sinalizador para a escola quanto aos desafios pedagógicos dos docentes para que os alunos consolidem essas competências.

4.5 Considerações finais do capítulo

Neste capítulo, traçamos algumas considerações sobre as contribuições da Sociolinguística variacionista para o ensino de LP como língua materna. Em seguida, apresentamos, brevemente, como os documentos oficiais norteadores do ensino têm absorvido essa discussão e como a mesma passa a ter assento nas avaliações em larga escala dos sistemas de ensino.

No próximo capítulo, apresentamos o contexto do ensino de LP no Ceará, destacando o Programa Alfabetização na Idade Certa como uma política de governo e de

Estado, que vem se colocando como uma experiência exitosa em termos de resultados do desempenho acadêmico dos alunos, observados por meio da avaliação do SPAECE. Os resultados obtidos pelos alunos do 5º ano no Descritor de variação linguística, presente na matriz de referência desse sistema de avaliação, suscitam reflexões sobre o espaço curricular dedicado à variação e, por conseguinte, à atenção da escola ao desenvolvimento de competências sociolinguísticas.

5 O CONTEXTO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ESTADO DO