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ORDEM ITEM PARÂMETRO B ANCORAGEM

7.3 Segunda fase: entrevista com os professores da rede municipal de Fortaleza

7.3.1 Contexto Escolar

De acordo com os estudos do PISA 2009 (OCDE, 2011b), a organização e administração das escolas tendem a influenciar indiretamente a aprendizagem nas salas de aula. Entretanto, alguns aspectos referentes ao ambiente de aprendizagem mantêm estreita relação com o desempenho estudantil, influenciando esse desempenho de forma mais direta:

relações entre professores e alunos, ambiente disciplinar, fatores relacionados aos estudantes e aos professores que modificam o ambiente da escola, estimulação dos estudantes pelos professores, liderança dos diretores e suas percepções sobre a pressão dos pais pela melhoria de padrões e de realizações acadêmicas.(OCDE, 2011b, p.57)

61 Programme for International Student Assessment (Pisa) - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes

- é uma avaliação comparada, aplicada a estudantes na faixa etária dos 15 anos, idade em que se pressupõe o término da escolaridade básica obrigatória na maioria dos países. O programa é desenvolvido e coordenado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Segundo as análises do PISA (op.cit.), nos países membros da OCDE, 3% da variação no desempenho estudantil podem ser atribuídos apenas às diferenças no ambiente de aprendizagem, enquanto 9% podem ser atribuído ao resultado conjunto do backgroud

socioeconômico e desses ambientes, que aparecem como fatores conjuntos estreitamente associados ao desempenho do estudante.

Os resultados evidenciam que os alunos com maior backgroud socioeconômico são mais disciplinados, apresentam uma visão positiva acerca dos valores escolares e suas famílias pressionam mais a escola, uma vez que os pais demonstram maior expectativa quanto à disciplina de sala de aula e ao compromisso dos professores. Já as escolas cujos estudantes advêm de um contexto socioeconômico menos favorecido, a escola não sofre pressão dos pais quanto à disciplina de sala de aula e à qualidade do trabalho e compromisso do professor.

Esse indicador, portanto, de acordo com o relatório passa a assumir expressiva importância para os formuladores de políticas públicas que são alertados sobre a estreita relação entre background socioeconômico e ambiente de aprendizagem.

Vale destacar, porém, que em alguns países e economias como Israel, Japão e Itália (2011b, p.57), mesmo após os ajustes considerando o background socioeconômico, o ambiente de aprendizagem, isoladamente, demonstrou que impacta muito no desempenho dos alunos. As escolas “com melhor ambiente disciplinar, comportamento mais positivo entre os professores e melhores relações entre professores e alunos tendem a obter escores mais altos

em leitura” (idem).

O SPAECE, por meio da aplicação de questionários socioeconômicos aos alunos, professores e gestores, também avalia o impacto do contexto escolar no desempenho do estudante, buscando analisar quais fatores exercem influência sobre os resultados da avaliação. Nesse sentido, as dimensões contextuais, conceitualmente destacadas como relevantes para os resultados da avaliação são categorizadas em: fatores extra-escolares e intra-escolares (CEARÁ, 2014). Dentre os fatores extraescolares relacionados ao estudante, são abordadas, as características sociodemográficas, como por exemplo, sexo, cor ou raça e nível socioeconômico. E, em relação aos fatores intra-escolares são apresentados os recursos pedagógicos empregados, a gestão escolar e o clima escolar.

No que diz respeito aos fatores intra-escolares, o sistema apresenta o índice de clima escolar que, assenta-se no princípio de que uma escola para ser eficaz deve assegurar o processo de aprendizagem, que passa por uma cultura de boas práticas e de respeito e reconhecimento das normas que regem a vida escolar. Para tanto,

É necessário criar condições disciplinares para o ensino sistemático; condições motivacionais para alunos, docentes e gestor se envolverem de modo criativo e interessado em suas atividades; condições para o desenvolvimento de um senso de compromisso e responsabilidade com as finalidades acadêmicas, em seu devido lugar de prioridade na escola; condições de monitoramento para sustentar rotinas, boas práticas e manter níveis de cobrança e exigência acadêmicas em alto patamar, visando sempre ao melhor desempenho. Esses, dentre diversos outros aspectos, são elementos importantes para estabelecer, em uma instituição, um clima escolar favorável. (op.cit. 2014, p.40).

Os dados demonstraram que as escolas com melhores condições de clima escolar, independente do indicadores socioeconômicos, apresentaram os melhores resultados de desempenho acadêmico dos alunos.

Assim, imbuídas dessas impressões advindas dos estudos do PISA e dos resultados dos questionários contextuais do SPAECE, chegamos às escolas com „olhos

despretensiosospara partilhar um pouco desse cotidiano multifacetado.

O adentrar o universo escolar foi, portanto, um momento que nos oportunizou importantes reflexões. Conhecer mais de perto o contexto escolar e o contexto da comunidade sociolinguística onde a escola está inserida nos permitiu ter uma melhor dimensão dos desafios pedagógicos postos aos docentes e aos próprios alunos no que diz respeito ao desenvolvimento das competências sociolinguísticas. As escolas caracterizam-se por relativa homogeneidade em termos de contextos socioeconômicos, bem como em termos de perfis de alunos e de suas famílias. As comunidades onde estão situadas são muito carentes. Não raro, o entorno social é assinalado pela violência física e emocional, segundo relato de diretores e de professores. Alguns destes professores, tomados de emoção, detalharam situações de violência envolvendo seus alunos e externaram como muitas crianças materializam linguisticamente o que vivenciam em casa e no bairro. O léxico que os alunos usam na escola, predominante, segundo eles, é do campo semântico da violência.

Não obstante essas semelhanças na caracterização e considerando que a principal função social da escola é assegurar a qualidade no ensino e na aprendizagem, cada escola tem uma realidade diferente, com um conjunto de desafios peculiares a serem superados. Para algumas escolas, segundo os diretores, o desafio é trabalhar os valores nas crianças, pois estas só conhecem a violência. Para outras, a escola tem que dar conta de todo o suporte emocional que as crianças necessitam, pois elas vêm de casa, com as marcas dos maus-tratos físicos e emocionais. No caso de outras escolas, o desafio é minimizar o abandono escolar e assegurar a permanência e o sucesso escolar das crianças.

Embora o quadro, no geral, tenha se apresentado, em certa medida, como desalentador, foi possível perceber a digital do grupo gestor e dos professores em muitas

questões. Em uma das escolas, que faz parte do grupo A (EGA03), e que se situa numa das comunidades mais pobres de Fortaleza, encontramos um grupo de professores muito envolvido com o trabalho que a escola desenvolve. Como chegamos à escola sem nenhum alarde, acompanhamos a culminância do projeto do mês. Havia uma sinergia no grupo de professores. Um clima escolar de muita cordialidade. Ao indagarmos sobre isso ao professor entrevistado, ele destacou que há uma união muito forte entre os professores e que isso passou a acontecer graças ao trabalho agregador e mobilizador da Coordenadora Pedagógica.

Pudemos observar, nessa escola, que todas as salas de aula tinham o nome de um valor: gratidão, humildade, respeito, paz, amor, fé, solidariedade, amizade. Ao indagarmos sobre o porquê dessa prática ao professor entrevistado, o mesmo relatou que essa era a estratégia que vinha sendo utilizada para educar as crianças quanto aos valores humanos, pois a comunidade era a junção de três bairros muito violentos.

Em outra escola, do grupo A (EGA4), o clima escolar era muito frio. Os professores pareciam não se comunicar entre si e a comunicação com o núcleo gestor também nos pareceu muito fragilizada. A própria professora entrevistada era lacônica ao responder as perguntas. Por mais que tentássemos quebrar o gelo e envolvê-la em nossa interlocução, não conseguimos. Havia em seu rosto um profundo ar de infelicidade. Em certo momento, confessou-nos que o clima entre professores era muito ruim. A comunidade na qual essa escola está situada também é muito pobre e as condições de higiene das crianças demonstraram a ausência de cuidados familiares.

Entretanto, em uma escola do Grupo B (EGB02), também situada em uma comunidade carente, o clima escolar nos impressionou positivamente. As crianças são recepcionadas pela diretora ao chegarem à escola e só vão embora, ainda que seja um adolescente, acompanhada dos pais ou responsáveis. A diretora demonstrava muito envolvimento com a escola e manifestou clareza e compreensão da relevância de se conjugar esforços do núcleo gestor e dos professores para fortalecer as dimensões pedagógicas, clima escolar e gestão escolar, sempre tendo a dimensão pedagógica, cujo foco é assegurar a aprendizagem da criança, como o eixo estruturante do trabalho escolar.

Em outra escola do Grupo B (EGB04), a alta expectativa da diretora e da professora entrevistada quanto ao aprendizado dos alunos nos sensibilizou. Além disso, na escola, há um trabalho sistemático com valores humanos. Nas paredes do pátio interno há pinturas (letras e desenhos) com vários valores: respeito, harmonia, solidariedade, paz, amor.

Assim, nessa visita às escolas, ainda que não houvesse de nossa parte a intensão de coletar outros artefatos para a pesquisa, isso aconteceu, de forma espontânea. Acabou nos

levando a conhecer algumas boas práticas escolares que buscam assegurar a qualidade do ensino e a aprendizagem dos alunos, além de buscar fortalecer vínculos mais saudáveis entre os membros da comunidade escolar, a partir da utilização de estratégias voltadas para um clima acolhedor e para um ambiente de paz. As representações afixadas nas paredes das escolas, por meio de cartazes, poemas, pinturas evocando o respeito, o valor do outro, o poder da amizade e a importância da solidariedade materializam a intenção de se ter um ambiente escolar pacificado.

Concluímos, dessa forma, que nesse locus criado para o ensino e aprendizagem é possível se desenhar, não obstante a conturbação do contexto externo, novas matrizes sociais tendo como base o respeito ao princípio da alteridade. Nesse sentido, o respeito linguístico, necessário à relação com o outro e imprescindível ao desenvolvimento das competências sociolinguísticas, pode ser bem trabalhado junto aos alunos e comunidade escolar com vistas a alterar cenários de hostilidades linguísticas.

Na próxima seção apresentaremos informações básicas coletadas com vistas à elaboração do perfil do professor que atua no 5º ano.