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CAPÍTULO 1- “A Guarda de Honra dos antigos reis”: hegemonia e fragilidades do

1.2. Os “gabinetes financeiros”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador

1.2.1. Competição e fragilidade na província

Em meados de 1858, os desacordos se apresentaram com clareza na Câmara dos Deputados na ocasião em que se discutia o Tratado de Comércio de 4 de setembro de 1857. Celebrado entre o Brasil e a República Oriental do Uruguai, modificava as disposições do

Tratado de 12 de outubro de 1851 e previa revisão de taxas e normativas de navegação do rio

Jaguarão e da Lagoa Mirim, até então, de navegação exclusiva dos brasileiros.117 Nesta

oportunidade, Luiz Alves Leite de Oliveira Belo, deputado conservador do Rio Grande do Sul, tomou a palavra e proferiu duras críticas ao gabinete e ao presidente de sua província, Ângelo Moniz da Silva Ferraz, protagonizando um extenso debate no qual emergiram os pretensos interesses industriais que Belo agenciava. Tal episódio ilustra o quanto, no embate de ideias ocorrido no Parlamento, também se manifestavam os negócios diligenciados por seus membros. Em 18 de junho, o deputado reclamava dos benefícios concedidos pelo presidente do Rio Grande do Sul a um certo “partido da Liga”, que dificultava a ação da ala conservadora coordenada por ele na Assembleia provincial. Silva Ferraz era uma figura experiente na administração pública, já havia sido deputado provincial e geral, além de ter ocupado cargos estratégicos como inspetor da Alfândega e fiscal do Tesouro. Sua nomeação como presidente de província se deu conjuntamente com sua eleição para o Senado. Porém, sua escolha para presidir a província não foi unanimidade entre os locais. “Ao chegar na capital, Porto Alegre, encontrou alguns desafetos, embora também pareça ter estabelecido laços muitos fortes com personalidades importantes”.118 Entre seus principais opositores estava Oliveira Belo, que se

dizia prejudicado pelas ações do recém-chegado Ferraz. Em suas palavras,

a nomeação do Sr. conselheiro Ferraz não foi recebida aqui nem na província do Rio Grande do Sul com más prevenções, mas sim sob os auspícios das mais lisonjeiras esperanças [...].

Mas S. Ex., apenas apareceu esta enunciação da oposição, entendeu que devia logo socorrer-se contra nós as influências de toda a Província, especialmente as de seu interior, e, coisa inaudita! Dirigiu-se confidencialmente a um número

116 IGLÉSIAS, 2004, p.78.

117 BRASIL. Ministério dos Negócios Estrangeiros. Relatório da repartição dos Negócios Estrangeiros apresentado à Assembleia Geral Legislativa. Rio de Janeiro: Typ. Universal de Laemmert, 1859. p.22.

118 SILVA, Matheus Luís da. Trajetória e atuação política de Antônio de Souza Netto (1835-1866). 2015. 108 f.

Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Centro de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2015. p.76.

considerável de pessoas que lhes eram conhecidas, e até a alguns estrangeiros, pedindo-lhes o seu apoio contra a oposição desleal, que sem motivo algum e sem tino se tinha levantado contra sua administração, só porque S. Ex. estava desenvolvendo e executando a política que lhe tinha sido recomendada por Sua Majestade.119

A chegada de Silva Ferraz coincidiu com discussões acerca de uma das atividades econômicas de maior rentabilidade do Rio Grande do Sul, a indústria de charque. A imposição do novo Tratado com o Uruguai produziu uma onda de reclamações entre os estancieiros e charqueadores, que viram no novo ajuste perdas de natureza fiscal e comercial, tema também polemizado nesta sessão da Câmara.120 Representante deste grupo, Oliveira Belo encarou a

nomeação de um novo presidente como circunstância ideal para propor uma aliança política. Todavia, ao invés de se aproximar de seu grupo, Ferraz, em um primeiro momento aliou-se ao “partido da Liga” e em seguida a um “terceiro partido”, o Liberal Progressista, daí a indignação do deputado. Neste imbróglio, apoiado pelos também defensores da indústria de charque, João Jacinto de Mendonça e João Pereira da Silva Borges Fortes, Oliveira Belo passou a fazer oposição ao gabinete Olinda-Souza Franco e a Ferraz, a quem atribuía o desmonte do Partido Conservador na Província, em benefício do “partido da Liga”.

Porque o Sr. Ferraz olhou-nos sempre com desconfiança.

Tendo rompido logo de princípio conosco, já está indisposto também com o partido que favoreceu, e procura proteger e fortificar um terceiro partido. Nestas circunstâncias não pode S. Ex. deixar de ter necessariamente despertado antigos ódios, que estavam quase amortecidos, e espalhado a discórdia, a desarmonia e a confusão na província do Rio Grande do Sul.121

O “partido da Liga” causava tanto incômodo a Oliveira Belo por ter-se originado de uma fração dissidente do Partido Conservador agenciada por um de seus desafetos, Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, barão de Quaraim. Organizado para as eleições gerais de 1852, o grupo aproximou conservadores e liberais formando uma liga que propôs a candidatura de seis nomes, três “luzias” e três “saquaremas”.122 Participaram da agremiação nomes importantes

da política regional como Israel Rodrigues Barcelos e Francisco Carlos de Araújo Brusque. Contudo, apesar da presença de liberais, o elemento conservador predominava na coligação,

119 Annaes do Parlamento Brazileiro. Camara dos Srs. Deputados. (doravante ACD). Segundo anno da decima

legislatura. (t.2). Sessão de 18 de junho de 1858. p.217.

120 PICCOLO, Helga Iracema Landgraf. Da descolonização à consolidação da República: a questão do separatismo

versus federação no Rio Grande do Sul no Século XIX. Indicadores Econômicos FEE, Porto Alegre, v. 21, n.3, 1993. p.155-156.

121 ACD. Sessão de 18 de junho de 1858. p.222, grifo nosso.

122 FRANCO, Sérgio da Costa. A Assembléia Legislativa Provincial do Rio Grande do Sul (1835-1889): crônica

como se verifica em carta atribuída a Felipe Bethbezé de Oliveira Nery publicada no Jornal do

Commercio:

A Liga é o partido pessoal do Sr. Pedro Chaves, hoje barão de Quaraim e senador do Império. Criado sobre as ruínas das antigas opiniões políticas, ninguém lhe sabe ou conhece outra doutrina que não seja o predomínio de seu chefe.123

A justificativa para a preponderância conservadora era a de “acabar com os impasses políticos locais, tendo como objetivo trazer benefícios ao Rio Grande do Sul”.124 Em

oposição, neste mesmo ano, organiza-se uma Contra-Liga, também congregando liberais e conservadores, porém, com o predomínio do elemento liberal. Participaram Manoel Marques de Souza – barão de Porto Alegre –, Manuel Luís Osório, Felipe Nery, David Canabarro e Oliveira Belo125.

Na disputa entre os grupos políticos, a Liga foi mais exitosa, conquistando o domínio eleitoral da província até 1856, quando perdeu o poder porque sua adversária, a Contra- Liga, venceu o pleito. “Porém, em 1857, o barão de Porto Alegre [contra-ligueiro liberal] optou por aliar-se ao recém-nomeado presidente da província Ângelo Muniz da Silva Ferraz, que era conservador, criando uma nova facção na província chamada baronista, denominando aqueles que seguiram o barão de Porto Alegre”126 e o barão de Uruguaiana. Deste modo, os

conservadores no Rio Grande do Sul se dividiram em três grupos que passaram a rivalizar. Como destaca Jonas Vargas, “fazia tempo que o barão de Porto Alegre disputava influência política dentro da Contra-Liga e este apoio ao presidente Ferraz foi uma das suas estratégias para conseguir vencer Belo”.127 Nesta mesma linha, Francisco Doratioto argumenta

que o distanciamento de Porto Alegre dos contra-ligueiros e a criação de um terceiro grupo, o Partido Liberal Progressista, deu-se, sobretudo, por sua rivalidade política com Oliveira Belo. Marques de Sousa,

123 Fundação Biblioteca Nacional (doravante FBN). Jornal do Commercio. 10 de fevereiro de 1857.

124 RODRIGUES, Cíntia Régia. A política indigenista entre o Império e os primórdios da República: os nativos no

Rio Grande do Sul. Revista Territórios e Fronteiras, v.1., n.2, jul./dez., 2008. p.157.

125 Conforme explica Jonas M. Vargas, Oliveira Belo era primo do então barão de Caxias. “Esta ligação familiar

fez com que Lima e Silva apoiasse a facção de seu primo provocando uma dissidência com a ala liderada por Pedro Chaves. Em 1855, ano em que esta posição se consolidou, Belo foi nomeado chefe de polícia da província, acumulando, entre 1855 e 1856, o cargo de presidente da Província”. Cf. VARGAS, Jonas Moreira. Entre a

paróquia e a Corte: uma análise da elite política do Rio Grande do Sul (1868-1889). 2007. 279 f. Dissertação

(Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007. p.49.

126 BOTH, Amanda Chiamenti. A trama que sustentava o Império: mediação entre as elites locais e o Estado

imperial brasileiro (Jaguarão, segunda metade do século XIX). 2016. 119 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016. p.65.

defendia a política de conciliação e buscou captar a adesão da alta oficialidade do Exército na província, invocando a necessidade de união em torno do presidente, devido à tensão nas relações entre o Império e o Paraguai. Porto Alegre lançou um manifesto, assinado por vários generais e coronéis, defendendo Ferraz.128

Com a divisão da Contra-Liga e distante dos conservadores do “partido da Liga”, Oliveira Belo ficou isolado e sofreu com as duras medidas impostas por Silva Ferraz. Sua insatisfação agora não era apenas com os ligueiros, mas também com o “terceiro partido”, o Liberal Progressista, que o presidente da província queria “proteger”.129

Como se observa, a chegada de Silva Ferraz foi bastante conturbada e agravou a fragmentação e tensão política instaurada na região desde o início da década de 1850 em virtude da disputa por cargos e acesso aos negócios do charque, o que resultou na (re)organização das alianças e pactos dos grupos da província. O conflito no Rio Grande do Sul, deste modo, demonstra como a unidade conservadora era frágil e suscetível quando os privilégios de uma parcela de seus membros, ou daqueles que representavam, era prejudicada. Apesar da disputa entre a Liga e a Contra-Liga se tratar de um conflito singular130, sua ressonância na Câmara dos

Deputados, com deputado conservador atacando duramente o governo de seu partido, é elucidativa por evidenciar como os interesses regionais impactavam o posicionamento das lideranças políticas.131