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As múltiplas faces da polêmica liberal : o embate entre Zacarias de Góes, conservadores e progressistas na questão da navegação comercial no Império (1857-1866)

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UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS

AS MÚLTIPLAS FACES DA POLÊMICA LIBERAL: O EMBATE ENTRE

ZACARIAS DE GÓES, CONSERVADORES E PROGRESSISTAS NA

QUESTÃO DA NAVEGAÇÃO COMERCIAL NO IMPÉRIO (1857-1866)

CAMPINAS

2019

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EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS

AS MÚLTIPLAS FACES DA POLÊMICA LIBERAL: O EMBATE ENTRE

ZACARIAS DE GÓES, CONSERVADORES E PROGRESSISTAS NA

QUESTÃO DA NAVEGAÇÃO COMERCIAL NO IMPÉRIO (1857-1866)

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em História, na Área de Política, Memória e Cidade.

Orientadora: PROFA. DRA. IZABEL ANDRADE MARSON ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO EDUARDO JOSÉ NEVES SANTOS, E ORIENTADA PELA PROFA DRA IZABEL ANDRADE MARSON

CAMPINAS

2019

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UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 19 de agosto de 2019, considerou o candidato Eduardo José Neves Santos aprovado.

Profa. Dra. Izabel Andrade Marson – Presidente

Profa. Dra. Cecília Helena Lorenzini de Salles Oliveira – Membro Externo Prof. Dr. Rodrigo Camargo de Godoi – Membro Interno

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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Dedico aos meus pais, José e Rose.

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AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho, principiado ainda durante a graduação (2012-2016), na Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista “Júlio

de Mesquita Filho” (FCL-UNESP), foi fundamental o incentivo do professor José Carlos

Barreiro, que me orientou em duas iniciações científicas que despertaram minha atenção para o “velho” Zacarias de Góes. Vale ressaltar neste primeiro momento as leituras sobre o século XIX compartilhadas com os colegas do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre

Política Cultura e Sociabilidades e dos debates com meus amigos Arthur Rebelo, Eduardo

Silva, Helen Oliveira, João Roveri e Lucas Mota.

Após o término da graduação, não por acaso, os ventos me levaram do “oeste distante” à “cidade das andorinhas” onde fui acolhido generosamente pela professora Izabel Andrade Marson que, além das atividades de estudo me auxiliou na adaptação a um novo ritmo e estilo de pesquisa. Orientadora dedicada e arguta, me proporcionou novas leituras, abordagens e caminhos a serem desbravados nas instituições de pesquisa do Rio de Janeiro e me aproximou das discussões realizadas no Núcleo História e Linguagens Políticas: Razão, Sentimentos e

Sensibilidades.

No Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de

Campinas (IFCH-UNICAMP), me beneficiei dos debates com as professoras Josianne Francia

Cerasoli e Maria Stella Martins Bresciani, durante as atividades da Linha de Pesquisa Política, Cultura e Memória. Ocasião, também de construção de novas amizades, em especial com Franciely Luz e Vitor Menini, que me receberam em Campinas e, com quem compartilhei leituras e apontamentos que trouxeram muitas contribuições à essa dissertação.

Saliento, outrossim, a atenção dedicada pelas professoras Eide Sandra Azevêdo Abrêu, da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Silvana Mota Barbosa, da Universidade

Federal de Juiz de Fora (UFJF), indicando fontes e livros a um jovem pesquisador.

Se na fase inicial tudo parecia novo e o desafios grandes, com o tempo o trabalho foi se desenvolvendo de maneira satisfatória. Agradeço aos professores, Cecília Helena L. de Salles Oliveira do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) e Rodrigo Camargo de Godói (IFCH-UNICAMP) – que prontamente atenderam o convite para a banca do Exame de Qualificação – pela leitura atenta de meus escritos e pelas precisas sugestões.

Agradeço também aos colegas da E.E. Dom Antônio José dos Santos (Rancharia- SP), da E.E. João Vieira de Mello (Queiroz-SP), da E.M.E.F. Coronel Antônio Nogueira

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(Paraguaçu Paulista- SP), da E.M.E.F. Osório Lemaire de Morais (Paraguaçu Paulista- SP) e da E.M.E.F. Cléia Caçapava Silva (Paraguaçu Paulista- SP), que acompanharam grande parte da trajetória acadêmica de um pós-graduando e professor ansioso e me auxiliaram dentro de suas possibilidades.

O mesmo vale aos meus familiares, em especial meu pai, José, e minha mãe, Rose, que acreditaram em meu potencial e me auxiliaram nos deslocamentos, na aquisição de livros e nos momentos de frustração.

Com a mesma importância, manifesto minhas saudações e respeito ao trabalho dos funcionários do Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, em especial os responsáveis pela

Biblioteca Octávio Ianni (IFCH), pela Coleção Especial Maurício Tragtenberg da Biblioteca Professor Joel Martins da Faculdade de Educação (FE), da Coleção Especial Sérgio Buarque

de Holanda da Biblioteca Central César Lattes (BCCL) e do Arquivo Edgard Leuenroth (AEL). Também deixo meus agradecimentos aos funcionários do Arquivo Histórico do

Museu Imperial de Petrópolis- RJ (AHMI), do Arquivo Nacional- RJ (AN), do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro- RJ (AGCRJ), da Biblioteca Nacional- RJ (BN), da Biblioteca Acadêmica Lúcio de Mendonça da Academia Brasileira de Letras- RJ (ABL) e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro- RJ (IHGB), que me acolheram generosamente e facilitaram

minhas pesquisas nas instituições de guarda do Estado do Rio de Janeiro, em especial,Maria Aparecida Ribeiro (AGCRJ), Maria de Fátima Moraes Argon (AHMI) e Pedro Tortima (IHGB).

Por fim, agradeço a bolsa de estudos concedida pelo Governo Federal, determinante para a conclusão desta dissertação. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil (CAPES)- Código de Financiamento 001.

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O passado é uma onda toldada que entra em repouso. O lodo deposita-se no fundo; a água límpida vem à flor.

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RESUMO

Esta dissertação aborda o percurso político de Zacarias de Góes e Vasconcellos (1815-1877) entre 1857 e 1866, período em que presidiu 3 gabinetes. Analisamos especialmente o desempenho deste político na derrubada do ministério Caxias-Paranhos (2 de março de 1861), episódio, dentre outros, que concorreu para a fragmentação do Partido Conservador e a formação da Liga Progressista, agrupamento partidário formado por conservadores dissidentes (como o próprio Zacarias) e alguns liberais moderados. Identificamos os diversos posicionamentos e confrontos liberais que se manifestaram na Câmara, dentro e fora do grupo “ligueiro”, especialmente quando, na vigência do gabinete de 15 de janeiro de 1864, se discutia, dentro do tema navegação comercial no Império, a quem caberia a concessão da linha de navegação entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque. Demonstramos como a competição entre projetos que ambicionavam aquela concessão – dentre eles o do deputado liberal, o barão de Mauá – dividiu os membros da Liga, e resultou na demissão do ministério, o segundo presidido por Zacarias. O objetivo mais amplo deste trabalho é evidenciar como a política e os negócios privados se coadunavam, a exemplo das concessões obtidas pelos empreendimentos do barão de Mauá. Também, demonstrar como o confronto entre frações que integravam a Liga - tanto entre conservadores dissidentes, quanto entre eles e os liberais - a inviabilizaram, até porque o conflito se assentava em expectativas políticas e financeiras divergentes e inconciliáveis no que se refere à administração dos recursos públicos e a soberania nacional.

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ABSTRACT

This dissertation deals with the political career of Zacarias de Góes e Vasconcellos (1815-1877) between 1857 and 1866, when he presided over three cabinets. We analyze especially the performance of this politician in the overthrow of the ministry Caxias-Paranhos (March 2, 1861), an episode, among others, that contributed to the fragmentation of the Conservative Party and the formation of the Progressive League, a party group formed by dissident conservatives (like Zacarias himself) and some moderate liberals. We identified the different positions and liberal confrontations that manifested themselves in the Chamber, inside and outside the “ligueiro” group, especially when, in the validity of the cabinet of January 15, 1864, there was discussion, within the theme of commercial navigation in the Empire, who would be responsible for the concession of the navigation line between Rio de Janeiro and New York. We showed how the competition between projects that aspired to that concession - among them that of the liberal deputy, the baron of Mauá - divided the members of the League, and resulted in the dismissal of the ministry, the second presided over by Zacarias. The broader objective of this work is to analizy how politic and private business converged, following the example of the concessions obtained by the ventures of the baron of Mauá. Also, to demonstrate how the confrontation between the fractions that were part of the League - both between dissident conservatives and between them and the liberals - made it unviable, not least because the conflict was based on divergent and irreconcilable political and financial expectations regarding the administration of public resources and national sovereignty.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Zacarias de Góes e Vasconcellos ... 17 Figura 2. Região banhada pelo Rio Amazonas ... 186

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1. Sessões da Câmara dos Deputados (1864) ... 128 Gráfico 2. Debates sobre infraestrutura, transporte e comunicações realizados na Câmara (1864) ... 151 Gráfico 3. Discussões do Orçamento dos Ministérios na Câmara dos Deputados (1864) .... 162

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Dissoluções da Câmara dos Deputados no reinado de d. Pedro II ... 96

Quadro 2. Mesa diretora interina da Câmara dos Deputados (12ª legislatura) ... 103

Quadro 3. Mesa diretora da Câmara dos Deputados (12ª legislatura) ... 107

Quadro 4. Ministros e Secretários da Agricultura (1861-1868) ... 154

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEL- Arquivo Edgard Leuenroth ACD- Anais da Câmara dos Deputados

AGCRJ- Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro AHMI- Arquivo Histórico do Museu Imperial AN- Arquivo Nacional

ASI- Anais do Senado do Império FBN- Fundação Biblioteca Nacional

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO 1- “A Guarda de Honra dos antigos reis”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador ... 27

1.1. A Liga Progressista em perspectiva historiográfica ... 27

1.2. Os “gabinetes financeiros”: hegemonia e fragilidades do Partido Conservador ... 40

1.2.1. Competição e fragilidade na província ... 47

1.2.2. Fragilidades na Câmara dos Deputados ... 50

1.2.3. Fragilidades no governo: os gabinetes Ferraz e Caxias-Paranhos ... 57

1.3. Entre liberais e “moderados”: Zacarias e a Liga Progressista ... 62

1.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a desestabilização do gabinete Caxias-Paranhos 70 1.3.2. Os “Progressistas” no poder: O gabinete dos “Anjinhos” ... 78

CAPÍTULO 2- “O poder pelo amor do poder”: o desempenho de Zacarias de Góes na desestabilização dos gabinetes conservadores ... 86

2.1. O gabinete dos “Velhos” e a consolidação da Liga ... 86

2.1.1. A dissolução da Câmara e as eleições de 1863 ... 94

2.2. A pressão liberal e o naufrágio do “palhabote ministerial” de Olinda ... 104

2.3. Zacarias e o “castelo de cartas”: contestação liberal ao programa do gabinete 15 de janeiro ... 114

2.3.1. A Resposta à Fala do Trono e a discussão sobre as “liberdades” ... 127

2.4. Diferentes modos de “ser” liberal ... 133

CAPÍTULO 3- “O temporal nos altos poderes”: embates e estilhaçamentos na Liga Progressista ... 145

3.1. “Charrua de marcha lenta”: O gabinete 15 de janeiro e a navegação comercial ... 145

3.1.1. As propostas de navegação entre o Brasil e os Estados Unidos ... 152

3.2. O Império dos “negócios”: conceder, pactuar e governar ... 170

3.2.2. Mauá e a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas ... 179

3.3. Os incompossíveis? Mediações entre o “político” e o “capitalista” ... 190

3.3.2. A abertura do Amazonas à navegação internacional ... 195

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 202

REFERÊNCIAS ... 206

APÊNDICES ... 224

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INTRODUÇÃO

Desde o início do século XIX, diferentes concepções e interesses políticos delinearam projetos de teor liberal para o Estado monárquico, particularmente durante o Segundo Reinado quando estadistas com expressiva formação jurídica atuaram na administração, tendo sido considerados por muitos estudiosos como construtores do Estado nacional no Brasil.1 Dentre eles, projeta-se Zacarias de Góes e Vasconcellos, político baiano

lembrado por sua postura crítica e remodeladora de fundamentos da Monarquia – como o Poder Moderador – em especial quando esteve à frente da presidência do Conselho de Ministros em 1862, 1864 e 1866-1868.

Nascido em 1815 em Valença (Bahia), e criado pelo irmão – o magistrado João Antônio Vasconcellos – Zacarias formou-se em direito no final da década de 1830 pela Academia de Olinda, onde lecionou por um curto período.2 Essa atividade o aproximou da política e em 1843 se filiou ao Partido Conservador, onde permaneceu até os anos 1860 atuando como deputado provincial e deputado geral, além de ministro e presidente das províncias do Piauí (1845-1847), Sergipe (1847-1849) e fundador do Paraná (1853).3

Na década de 1860, sua carreira ganhou novos contornos pela adesão ao grupo de conservadores que apoiaram reformas progressistas. Projetou-se com a obra Da Natureza e

Limites do Poder Moderador4, na qual evidenciou compromisso com proposições liberais que sinalizavam limitações ao quarto Poder e defendiam a liberação dos negócios do controle do Estado, contrapondo-se assim às orientações dos conservadores “puros”, como Paulino Soares de Souza, futuro visconde de Uruguai.5

1 DOLHNIKOFF, Miriam. O Pacto Imperial: origens do federalismo no Brasil. São Paulo: Globo, 2005. p.23.

DANTAS, Monica D. Partidos, liberalismo e poder pessoal: a política no Império do Brasil. Um comentário ao artigo de Jeffrey Needell, Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857.

Almanack Braziliense. São Paulo, n. 10, p.40-47, 2009. MATTOS, Ilmar Rohloff de. O Tempo Saquarema. São

Paulo, Brasília: HUCITEC, INL, 1987. p.181-184. MOTA, Carlos Guilherme. Introdução geral para uma perspectiva histórica. In: MOTA, Carlos Guilherme; FERREIRA, Gabriela Nunes. Os juristas na formação do

Estado-Nação brasileiro (de 1850 a 1930). São Paulo: Saraiva, 2010. p.45.

2 Pedro Calmon inscreve-o entre os bacharéis do norte, “a grande geração que já não vinha da Universidade de

Coimbra, [...] mas se preparava para a escalada nas deficiências, na simplicidade, na aspereza do meio nacional”. Cf. CALMON, Pedro. O Conselheiro Zacarias e seu livro. In: VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da

Natureza e Limites do Poder Moderador. Brasília: Senado Federal, 1978. p.11.

3 VARGAS, Túlio. O Conselheiro Zacarias (1815-1877). Curitiba: Juruá, 2008 [1977]. p.15-40. MARTINS,

Wilson. A Invenção do Paraná: estudo sobre a presidência Zacarias de Góes e Vasconcelos. Curitiba: Imprensa Oficial, 1999, passim.

4 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: N. Lobo

Vianna, 1860. Da natureza e limites do poder moderador. Rio de Janeiro: Typographia Universal de Laemmert, 1862.

5 MATTOS, Ilmar R. O Lavrador e o Construtor: o Visconde de Uruguai e a construção do Estado Imperial. In:

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Figura 1. Zacarias de Góes e Vasconcellos

Fonte: Arquivo Histórico do Museu Imperial de Petrópolis (AHMI). III-8-1-Nº 196. Foto de Alberto Henschel. In:

Brazileiros. Rio de Janeiro, 1886.(Museu Imperial/Ibram/MinC/nº 09/2017).

Em decorrência de sua atitude combativa, importância na atuação partidária e dos inúmeros conflitos em que se envolveu, Zacarias tornou-se objeto de interesse de memorialistas, biógrafos e historiadores que exploraram especialmente a maneira polêmica com que se pronunciava frente às demandas parlamentares.6 Entre os memorialistas destacam-se obras

produzidas ainda durante o Império e começo da República que demonstram restrições dos contemporâneos ao personagem, mas também suas qualidades como orador, divulgando a

Janeiro: Acess, 1999. p.191-218. BARBOSA, Silvana M. A Sphinge Monárquica: o poder moderador e a política imperial. 2001. 414 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2001. p.269 et seq.

6 Destacamos que não é objetivo deste trabalho estabelecer o diálogo entre as interpretações sobre Zacarias de

Góes e as demandas políticas do período em que foram escritas. O intuito é acompanhar o percurso da argumentação e imagens sobre o personagem; repetições, arranjos, (re)elaborações.

(18)

maneira como se relacionava no Parlamento, suas reações às proposições dos adversários e sua contribuição para a causa liberal.

Nas décadas de 1880-90, ganha evidência o texto do deputado Pedro Eunápio da Silva Deiró, (publicado com o pseudônimo, Timon) que abordou os considerados “semideuses” do Parlamento. Tratando do comportamento de Zacarias na prática legislativa, Deiró é bastante crítico ao comentar a queda do gabinete dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862) e caracterizar seu presidente como “o homem talentoso, mas de orgulho intolerante”, que “macaqueava” Guizot. Para ele, Zacarias se sobressaíra devido aos dons oratórios e ao papel de denunciante, que “revelava tudo e atacava a todos; fez-se temido; foi o terror dos ministros”.7

O Velho Senado, de Machado de Assis, rememoração das discussões assistidas

naquela Casa nos anos 1860, assinala a palavra cortante de Zacarias e o debate exaltado protagonizado nas tribunas, onde nenhum aparte ficava sem o contradito habitual, o que lhe rendeu um restrito círculo de amigos. O escritor aborda, ainda, as formas rituais e severas de seu cotidiano, descrevendo-o como um dos mais assíduos parlamentares que se deslocava ao trabalho em carruagem própria, trazendo a barba bem-feita, demonstrando preocupação com sua imagem e hábitos.8

Joaquim Nabuco, em Um Estadista do Império, além de acentuar a seriedade de Zacarias, menciona “sua natureza metódica de burocrata” e os problemas gerados pela concepção individualista da política. Discorrendo sobre limitações às amizades e vínculos partidários, considerou que a família de Zacarias era seu partido, uma vez que não possuía, em seus dois primeiros ministérios, a impessoalidade característica de um estadista. Para Nabuco, a maturidade política do personagem só se apresentou no terceiro gabinete, quando o espírito de estadista teria aflorado.9

Corroborando imagens do século XIX, em Reminiscências, o visconde de Taunay descreve Zacarias, como “um temível oposicionista [...] sempre de férula em punho, e amigo de dizer ásperas verdades, nuas e cruas a adversários e correligionários”.10 Assim como

Machado, empenha-se na descrição do político ponderando que, em certa medida, se assemelhava ao francês Guizot, com “modos secos, altaneiros, autoritários”, sempre muito

7 DEIRÓ, Pedro Eunápio da Silva. Estadistas e parlamentares. por Timon [pseud.]. Rio de Janeiro: Molarinho &

Mont'Alverne, 1883. p.35.

8 ASSIS, Machado de. O velho senado. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2004 [1898].

9 NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo: sua vida, suas opiniões, sua época, por seu

filho Joaquim Nabuco. t.2. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1897. p.116-118.

10 TAUNAY, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de. Reminiscências. São Paulo: Melhoramentos, 1923

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severo nas vestimentas e nos hábitos. De igual maneira, anota sua capacidade oratória, discurso fluente e habilidade de convencimento por tratar com profundidade todas as questões.

Na década de 1930, em conjunto de ensaios críticos do Segundo Reinado, destaca-se Antônio Batista Pereira. No capítulo, Queda de Zacarias, define o personagem como estadista por sua ação no gabinete de 1868, quando demonstrara “energia, inflexibilidade, ciência de mando, espírito de previsão e de ordem”.11

Nos anos 1970, momento de celebração do centenário da morte de Zacarias, sobressai outro grupo de textos, no geral compondo-se de discursos e obras prefaciadas, reeditadas por instituições governamentais. Diferentemente do tom nuançado das memórias, neles Zacarias emerge não só como um dos mais destacados oradores e políticos do Império, mas como exemplo para os aspirantes da política.

A obra de Túlio Vargas vislumbra no conselheiro Zacarias uma importante figura para o Império e o Paraná, assinalando em sua trajetória política o empenho na instalação daquela província. Valoriza sua inteligência e atos audaciosos, pois para Vargas, “os publicistas do seu tempo, na maioria republicanos e anticlericais, distorceram a imagem e tentaram ensombrar-lhe o brilho existencial”.12 Nessa mesma tendência, o trabalho de Pedro Calmon - então presidente do IHGB -, exalta o “chefe magistral” e “maior autoridade pessoal” do partido, colocando-o no rol de grandes estadistas como Bernardo Pereira de Vasconcelos, Eusébio de Queirós, Saraiva e Cotegipe. Ao tratar da postura polêmica, Calmon minimiza as excentricidades, enfatiza qualidades (a bagagem de humanidades que lhe facilitava a argumentação) e feitos ao país, como suas intervenções na política de Conciliação.13 Já o historiador e jurista Alberto Venâncio Filho14 faz uma minuciosa descrição da atuação de Zacarias nos círculos da administração imperial quando participou dos gabinetes, privilegiando os episódios relacionados à “Questão Caxias”15. O livro de Wilson Martins deu especial atenção

ao período da presidência de Zacarias na província do Paraná (1853-1855) para demonstrar as

11 BATISTA, Antônio P. Figuras do Império e outros ensaios. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1934

[1931]. p.19.

12 VARGAS, 2008, p. 11. 13 CALMON, 1978, p. 9-15.

14 VENÂNCIO FILHO, Alberto. Introdução. In: VASCONCELOS, Zacarias de Góes e. Zacarias de Góis e Vasconcelos, discursos parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1979. p.13-36.

15 A Questão Caxias se relaciona à queda do gabinete 3 de agosto de 1866, ocorrida em julho de 1868. Caxias,

político e militar conservador, chefiou por um ano e quatro meses as operações da Guerra do Paraguai, mas pediu exoneração quando os insucessos de várias manobras geraram críticas de membros do Gabinete. Com a saída do comandante, Zacarias solicita ao imperador a demissão do ministério, que a submete ao Conselho de Estado, e este decide aceita-la. Foi rapidamente substituído por um gabinete conservador, presidido pelo visconde de Itaboraí, fato que encerra o período político “progressista”. Cf. FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012 [1958]. p.506-507.

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questões regionais e a importância de sua administração para a “invenção” do Paraná. Assim como Túlio Vargas, Martins particulariza o plano de governo pensado para a província, a constituição da capital, a questão dos cemitérios e a imprensa.16

Além das publicações biográficas, Zacarias é mencionado pela historiografia dos anos 1950-1970 dedicada ao Brasil Imperial. Neste escopo de autores que abordam longos períodos está Raymundo Faoro que, ao analisar a formação do patronato político brasileiro, associa Zacarias ao desenvolvimento do sistema partidário imperial em razão da sua intervenção na Liga Progressista. Privilegiando a queda do terceiro gabinete por ele presidido, em 1868, comenta que causou indignação “não pela intervenção da Coroa – com o Poder Moderador, já degradado, pelos seus críticos [...], mas pela brusca interrupção do liberalismo crescente e triunfante”.17 José Murilo de Carvalho, do mesmo modo, cita Zacarias na formação dos programas partidários e em seu terceiro ministério, ressaltando que “a queda de Zacarias em 1868 deu o golpe final na coalização progressista”.18 Francisco Iglésias e Sérgio Buarque

de Holanda, apesar de mencionarem Zacarias em variados momentos e se dedicarem à participação progressista e liberal em diversas esferas de poder, por não ser objetivo de seus trabalhos, não detalharam as querelas ocorridas nos gabinetes presididos por ele, nem as discussões sobre a abertura do Amazonas a empresários estrangeiros.19

A publicação mais recente sobre o personagem é a de Cecília Helena de Salles Oliveira, com a qual partilhamos problemáticas e metodologias. Trata-se de estudo que projeta as tramas políticas da vida de Zacarias analisando seu desempenho como um todo (discursos e atuação parlamentar) em vários momentos. Além de suscitar questões pouco exploradas – como as discordâncias com a gestão Paraná – faz exaustivo levantamento biobibliográfico e uma análise instigante de Da Natureza e Limites do Poder Moderador para demonstrar como as obras e a trajetória de Zacarias, argutamente, reverberaram na construção de sua memória.20 Para Oliveira, “enquanto a maior parte da carreira de Zacarias permaneceu nas sombras, somente um curto período de sua trajetória tem sido destacado”21. No geral, as abordagens

16 MARTINS, 1999, passim. 17 FAORO, 2012, p.50.

18 CARVALHO, José M. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de sombras: a política imperial.

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013 [1980; 1988]. p.207.

19 IGLÉSIAS, Francisco. Vida Política, 1848-1866. In: IGLÉSIAS, Francisco et al. O Brasil monárquico: reações

e transações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. (História Geral da Civilização Brasileira; t.2; v.5). p.17-139. HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil monárquico: do Império à República. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. (História Geral da Civilização Brasileira; t.2; v.7). HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de história

do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

20 OLIVEIRA, Cecília Helena S. Da Natureza e Limites do Poder Moderador e a memória do Conselheiro Zacarias

de Góis e Vasconcelos. In: VASCONCELOS, Z.G. Zacarias de Góis e Vasconcelos. São Paulo: Ed. 34, 2002.

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recortam seu personalismo e talentos enquanto orador, enquadrando-o sempre como um dos líderes da reorganização do Partido Liberal nos anos 1860, focando particularmente a queda de seu primeiro gabinete em 1862 e a “Questão Caxias” em 1868.

***

Pressupondo-se que “o passado é, por definição, um dado que nada mais modificará, mas o conhecimento do passado é uma coisa em progresso, que incessantemente se transforma e aperfeiçoa”22, esta dissertação destaca os sentidos polêmicos dos procedimentos

de Zacarias de Góes entre o final da década de 1850, quando alinhado as diretrizes do núcleo do Partido Conservador, e início dos anos 1860, momento em que exerceu papel de liderança em grupo partidário de diversa origem designado na época como Liga Progressista: conservadores dissidentes (como o próprio Zacarias) e alguns liberais moderados.

Assim, analisamos seu desempenho em diversos episódios “polêmicos”, ou seja, que tiveram sensível e controversa repercussão política. Inicialmente demonstramos como sua interpelação ao governo na Câmara dos Deputados concorreu para a fragmentação do Partido Conservador e para a desestabilização e derrubada do gabinete Caxias-Paranhos (2 de março de 1861); assim como estimulou a formação da Liga Progressista. Em seguida, focalizamos em detalhe o percurso do ministério de 15 de janeiro de 1864, o segundo presidido por Zacarias, quando foi possível perceber significativa fragmentação política na Câmara em virtude de diferentes posicionamentos de cunho liberal dentro e fora do grupo progressista. Isso ocorreu mais exatamente quando se discutiam normas e expectativas para a navegação comercial no Império e a quem caberia a concessão da linha de navegação entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque.

Demonstramos, expondo a competição entre os que ambicionavam esta concessão, dentre eles o deputado liberal barão de Mauá23, como a política e os negócios se coadunavam

22 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001 [1949].

p.75.

23 Irineu Evangelista de Souza (1813-89), barão e depois visconde de Mauá, foi um importante negociante,

industrial e banqueiro do Império. Membro do Partido Liberal de sua província, o Rio Grande do Sul, foi eleito deputado geral na 10ª, 11ª, 12ª e 15ª legislaturas. Apesar de sua trajetória como parlamentar ter se dado sob a tutela liberal, desde o final da década de 1840 Mauá possuía estreitos laços com lideranças do Partido Conservador, a exemplo de Eusébio de Queiroz, visconde de Itaboraí, visconde de Rio Branco e o marquês de Paraná, figura com a qual matinha especial amizade. Como explica Ferreira Neto, com o gabinete de Conciliação, “inaugurava-se uma nova era para os negócios no Império [...] [onde] o Estado brasileiro apresentou plena disposição para favorecer seus ‘protegidos’” (p.188). Mauá, nesta circunstância, foi um dos que mais se valeu das “amizades”, a julgar pela oferta – feita ainda em 1852, pelo ministro Monte Alegre – de subvenção e privilégio exclusivo para constituir uma companhia de navegação no Amazonas. O monopólio foi substituído por “outros benefícios que vieram a ser efetivados posteriormente, no gabinete Olinda e Souza Franco”. Deste modo, ainda que eleito deputado pelo Partido Liberal, as relações de Mauá com importantes políticos conservadores foram essenciais para o

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no Império e dividiam os ligueiros em 1864, resultando na demissão do ministério. Nossa hipótese principal é que o confronto entre as frações intrapartidárias provinha de expectativas políticas e financeiras divergentes e inconciliáveis no que se refere à administração dos recursos públicos e a soberania nacional, tanto entre conservadores dissidentes, quanto entre eles e os liberais. Acerca da queda do segundo gabinete Zacarias, destacam-se duas leituras, a de Francisco Iglésias e a de Eide Sandra Azevêdo Abrêu.

Iglésias circunscreve o episódio à tentativa de substituição do ministro dos Negócios do Império, o liberal histórico e deputado por Minas Gerais, José Bonifácio de Andrada, o “moço”, por outro liberal – Francisco José Furtado.24 Abrêu, indo além, em estudo

sobre o percurso de Tavares Bastos na Liga Progressista, mapeou os diferentes grupos conservadores no Parlamento e algumas de suas querelas.25 Para ela, mais próximo de

investidores ingleses, Zacarias não via com bons olhos nem a concessão de outro generoso privilégio a Mauá, nem sua transferência para investidores americanos, esta última uma opção, defendida pelos também progressistas Nabuco de Araújo e Tavares Bastos.

Se é inegável a importância dessa competição intrapartidária e da fragmentação dos interesses, também é inegável o desempenho de Zacarias ao longo dos anos 1860, tanto na aglutinação de liberais e conservadores dissidentes, quanto na provocação de rompimentos inesperados. Analisar sua trajetória constitui, portanto, um bom caminho para se entender a complexidade da política vivenciada no período. Nesse estudo, nos referenciamos em Pierre Rosanvallon, para quem o papel do historiador é

reconstruir o modo por que os indivíduos e os grupos elaboram a compreensão de suas situações; de enfrentar os rechaços e as adesões e a partir dos quais eles formulam seus objetivos; de traçar de algum modo a maneira pela qual suas visões de mundo limitaram e organizaram o campo de suas ações.26

Neste escopo, partindo da análise de Eide Abrêu e procurando ampliá-la, destacamos o “polêmico” desempenho pessoal e as contendas de Zacarias ocorridas em 1864, resultantes tanto do enfrentamento com políticos liberais “moderados” e “radicais” quanto de desacordos dentro do grupo conservador dissidente por ele liderado. Pois pressupomos “o

desenvolvimento de seus empreendimentos, em grande medida, subsidiados pelo Estado. Cf. FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Memória, política e negócios: a trajetória de Theophilo Benedicto Ottoni. 2002. 302 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. p.193. FERREIRA NETO, Maria Cristina Nunes. Autobiografia, “conciliação” e concessões: a Companhia do Mucuri e o projeto de colonização de Theophilo Ottoni. In: MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.

24 IGLÉSIAS, 2004, p.118.

25 ÂBREU, Eide Sandra Azêvedo. O evangelho do comércio universal: Tavares Bastos e as tramas da Liga

Progressista e do Partido Liberal (1861-1872). São Paulo: Annablume: FAPESP, 2011. p.196.

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reconhecimento da liberdade de escolha do homem; o confronto entre a sociedade e o indivíduo na fixação dos valores”.27 Como nota Sabina Loriga, “vidas que se afastam da média levam

talvez a refletir melhor sobre o equilíbrio entre a especificidade do destino pessoal e o conjunto do sistema social”.28 Mas também, levando em conta que a atuação de Zacarias e a de seus pares

se orientou por “um princípio ou conjunto de princípios geradores das relações que os homens mantem entre si e com o mundo”29, no caso, identificados com o liberalismo em suas várias

possibilidades.30

Nestes termos, este trabalho empenha-se no delineamento de um movimento de luta política e construção da infraestrutura e instâncias de poder e governo. Não trata apenas do estudo da dimensão da luta política diária, mas da constante reformulação do Estado Monárquico por parte de seus agentes políticos. Como destaca Claude Lefort, em sua análise de Maquiavel, trata-se então do desaprisionamento de uma “representação sumária tanto dos fatos econômicos quanto dos fatos políticos”31 em direção ao reconhecimento de uma “análise

política [que] implica uma visão econômica”.32 Na perspectiva deste autor, uma análise de

identificação social onde irão se condensar o ter e o ser.33 Isto é, a política, como expressão do poder e acumulação de capital.

Sendo assim, para Georges Balandier, a linguagem do poder, “necessita de uma comunicação calculada; procura efeitos precisos; não desvenda senão uma parte da realidade, pois o poder também deve sua existência à apropriação da informação, dos ‘conhecimentos’

27 LEVILLAIN, Philippe. Os protagonistas: da biografia. In: RÉMOND, René (Org.). Por uma História Política.

Rio de Janeiro: FGV, 2003 [1996]. p.167.

28 LORIGA, Sabina. A biografia como problema. In: REVEL, Jacques. (Org.). Jogos de escalas: a experiência da

microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998. p.248-249.

29 LEFORT, Claude. Pensando o político: ensaios sobre democracia, revolução e liberdade. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1991 [1986]. p.10.

30 Acompanhamos autores que reconhecem a adequação das orientações liberais à experiência monárquica vivida

no Brasil. Cf. MARSON, Izabel Andrade; OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. Monarquia, Liberalismo e

Negócios no Brasil: 1780-1860. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013. FRANCO, Maria Silvia

de Carvalho. Homens Livres na Ordem escravocrata. São Paulo: Ed. UNESP, 1997 [1969]. FRANCO, Maria Silvia de Carvalho. “All world was América”: John Locke, liberalismo e propriedade como conceito antropológico. Revista USP, n.17 p. 30-53, 1993. OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles. A Astúcia Liberal: relações de mercado e projetos políticos no Rio de Janeiro, 1820-1824. Bragança Paulista: EDUSF, 1999. BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. São Paulo: Ed. UNESP, 2005. ROCHA, Antônio Penalves. A recolonização do Brasil pelas Cortes: histórias de uma invenção historiográfica. São Paulo: Ed. UNESP, 2009. ROCHA, Antônio Penalves. A economia política na

sociedade escravista: um estudo dos textos econômicos de Cairu. São Paulo: Hucitec, 1996; DANTAS, Monica

Duarte. Partidos, liberalismo e poder pessoal: a política no Império do Brasil. Um comentário ao artigo de Jeffrey Needell, Formação dos partidos políticos no Brasil da Regência à Conciliação, 1831-1857. Almanack Braziliense, n. 10, p. 40-47, nov. 2009.

31 LEFORT, Claude. Maquiavel: a dimensão econômica do político. As formas da história: ensaios de antropologia

política. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.144

32 Id. Ibid. 33 Ibid., p.146.

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exigidos para governar, administrar, e para exercer seu domínio.34 Neste sentido, privilegiamos

as falas de Zacarias, dos grupos reunidos na Liga Progressista e de seus adversários veiculadas nas fontes parlamentares e na imprensa para verificar como foi tratada por todos eles a questão da navegação comercial no gabinete 15 de janeiro de 1864. Procuramos esclarecer a complexidade das situações e, também, a “a formação e evolução das racionalidades políticas, ou seja, dos sistemas de representações que comandam a maneira pela qual uma época, um país ou grupos sociais conduzem sua ação e encaram seu futuro”.35 Questão evidenciada com ação

enérgica, combativa e “progressista” de Zacarias de Góes ao deixar ao Partido Conservador e organizar a Liga. Depois amainada e “moderada”, quando escolhido para uma vaga no Senado vitalício.

Quentin Skinner e John Pocock, nos auxiliaram na análise do debate sobre a navegação comercial no Império. Dessa forma, concebemos os discursos favoráveis e contrários aos projetos discutidos no Parlamento e na imprensa, como atos políticos. Segundo Pocock, o texto “preserva as enunciações do autor em uma forma rígida e literal e as transmite para contextos subsequentes, onde elas estimulam naqueles que respondem interpretações que, embora radicais, deturpadoras e anacrônicas, não teriam sido efetuadas se o texto não tivesse atuado sobre ele”.36 Nesta acepção é possível “mapear o campo do discurso e estudar a ação e

a transformação se efetuando nele”37, posto que no âmbito da história do discurso político

devemos encarar os atores históricos como pensadores árduos, na medida em que:

Muitos deles pertenciam a intelligentsias especialmente treinadas para pensar de maneiras diversificadas. Mas para poder dar a eles ou ao seu pensamento uma história, precisamos apresentar uma atividade ou uma continuidade de ação, constituindo por coisas sendo feitas e coisas acontecendo, por ações e

performances, bem como as condições sob as quais essas ações e performances foram representadas e realizadas.38

Demos atenção aos modos ou estilos retóricos, buscando “sublinhar que estamos olhando um discurso articulado por locutores atuando no interior de uma atividade em andamento, atividade de debate e discussão, de retórica e teoria, efetuando atos cujo contexto é o do próprio discurso”.39

34 BALANDIER, Georges. O Poder em Cena. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982 [1980]. p.13. 35 ROSANVALLON, Pierre. Por uma história conceitual do político (nota de trabalho). Revista Brasileira de História, São Paulo: ANPUH, v. 15, n. 30, 1995. p.160.

36 POCOCK, John G. A. Linguagens do ideário político. São Paulo, EDUSP, 2013 [2003]. p.30. 37 Ibid., p.80.

38 Ibid., p.64, grifo do autor. 39 Ibid., p.70.

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Além do aporte bibliográfico40, nosso estudo se fundamenta em vasta pesquisa documental de fontes manuscritas e impressas. Sobre o primeiro grupo valemo-nos de conferências ministeriais e missivas trocadas por políticos progressistas, especialmente Zacarias de Góes, obtidas nas instituições de guarda do Rio de Janeiro: o Arquivo Histórico do Museu Imperial – que abriga o Arquivo Zacarias de Góes e Vasconcelos41 -, o Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, o Arquivo Nacional e o Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Em nossa transcrição atualizamos a grafia de acordo com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, mas resguardamos o sentido original dos escritos.

Sobre o segundo grupo, optamos mormente pelos Relatórios Ministeriais, Anais da Câmara dos Deputados e do Senado do Império, que nos forneceram relevantes aspectos dos projetos, ações da administração pública, das tratativas e embates políticos travados nas Casas legislativas. Do mesmo modo, reconhecendo a imprensa como “força ativa na história”, “um ingrediente do acontecimento”42, elegemos três periódicos disponíveis na Fundação Biblioteca

Nacional: o Jornal do Commercio, o Diário do Rio de Janeiro e Correio Mercantil, sem negligenciar a existência e importância de outras folhas. A escolha se deu, em particular, pela periodicidade (publicação diária) e dedicação destes jornais na cobertura da Liga Progressista, o que permitiu o cotejo com as outras fontes que integram nosso corpo documental.

Isto posto, no capítulo 1, abordamos a produção historiográfica produzida acerca da Liga Progressista para demonstrar que, mesmo com diversas nuances interpretativas, a interpretação de Joaquim Nabuco sobre essa agremiação partidária vem sendo (re)elaborada de diferentes maneiras na leitura de uma importante parcela dos historiadores da política imperial. De igual maneira, evidenciamos como as fragilidades internas ao Partido Conservador se acentuaram nos denominados “gabinetes financeiros” e proporcionaram as condições ideais para o surgimento da Liga Progressista. Por fim, analisamos como o desempenho de Zacarias de Góes, enquanto líder dos conservadores dissidentes na Câmara dos Deputados, interferiu na derrubada do gabinete conservador Caxias-Paranhos (2 de março de 1861) quando se votou uma “questão de confiança”; e como atuou na formação do primeiro ministério progressista por ele presidido, batizado de ministério dos “Anjinhos” (24 de maio de 1862) em virtude de sua curta duração.

40 As citações em língua estrangeira que aparecem no corpo do texto foram por mim traduzidas nas notas de rodapé. 41 Museu Imperial/Ibram/MinC/nº 09/2017 SGI - 331/2017 e Req. 27/2017 - SGI - 1098/2017-91

42 DARTON, Robert. Introdução. In: DARTON, Robert; ROCHE, Daniel (Orgs.). Revolução Impressa: A

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No capítulo 2, analisamos a atuação do gabinete comandado por Olinda (30 de maio de 1862) na consolidação da Liga Progressista, procurando demonstrar como a dissolução da Câmara dos Deputados em 1863 e a realização de novas eleições contribuíram com a vitória do grupo de conservadores “moderados” e liberais frente os conservadores “puros”. Abordamos, também, o retorno de Zacarias de Góes à presidência do Conselho de Ministros (gabinete 15 de janeiro de 1864), circunstância na qual se expressou vivamente a não homogeneidade dos “ligueiros” pois, apesar de exitosos no pleito, os membros liberais da Liga divergiram, dentre outras questões, sobre a escolha de um conservador “moderado” para o exercício daquela Presidência.

No capítulo 3, tratamos dos projetos e questões enfrentados pelo gabinete de 15 de janeiro de 1864 no que se refere a infraestrutura, transporte e comunicações, certamente os temas mais importantes encaminhados em sua gestão. Demonstramos a competição interna aos membros da Liga na discussão da abertura do Amazonas e, sobretudo, na discussão da melhor proposta para a implantação da linha entre o Rio de Janeiro e Nova Iorque, motivos imediatos do estilhaçamento do grupo progressista e naufrágio do gabinete. Na ocasião, políticos liberais representantes de interesses de diferentes empresários se opuseram, juntamente com conservadores, à forma como o gabinete encaminhou aquelas questões, o que ocasionou a demissão do segundo ministério Zacarias em agosto de 1864. Do mesmo modo, explicamos como se formulavam as tratativas de empresários para angariar subsídios estatais antes e durante a administração daquele gabinete. Abordamos particularmente o caso de um dos competidores, o deputado liberal Irineu Evangelista de Souza, barão de Mauá, em sua determinação de ampliar concessões de sua Companhia de Navegação do Amazonas, fundada nos anos 1850 com apoio do marquês de Paraná.

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CAPÍTULO 1- “A Guarda de Honra dos antigos reis”: hegemonia e

fragilidades do Partido Conservador

A liga é como uma guarda de honra dos antigos reis; um regimento de mosqueteiros, um batalhão sem soldados, composto só de oficiais. Quem foi recruta em seu anterior partido, senta praça ali de presidente ou ministro.

José de Alencar. Os Partidos. Rio de Janeiro: Typ. de Querino & Irmão, 1866. p.10. Este capítulo evidencia, primeiramente, a complexidade da Liga Progressista, apontando como a interpretação de Joaquim Nabuco, com algumas nuances, vem sendo (re)elaborada de diferentes maneiras na leitura de uma importante parcela de historiadores da política imperial. Do mesmo modo, destacamos situações políticas nas províncias, anteriores à experiência dos anos 1862-1866, em que a aproximação entre conservadores e liberais ocorreu. Essa abordagem é importante para pontuar fraturas e fragilidades do Partido Conservador no que dizia respeito à coesão partidária, anteriormente aos anos 1860, em especial durante a gestão nos “gabinetes financeiros” (1857-1861). Nesse sentido, percebemos que ensaios de uma aglutinação entre presidentes conservadores e políticos liberais ocorreram na província do Rio Grande do Sul, quando presidida por Silva Ferraz (1857-1859); e no Paraná, quando Zacarias Góes organizou essa nova província. Reconhecemos as fragilidades dos conservadores também na Corte, flagrando o descontentamento de diversos parlamentares com a administração dos ministérios 4 de maio de 1857 e 12 de dezembro de 1858. Por fim, detalhamos a atuação arrasadora de Zacarias na queda dos gabinetes conservadores Ferraz e Caxias-Paranhos, assim como, delineamos o revide de seus adversários, os conservadores “puros”, no impedimento do primeiro ministério presidido por Zacarias, prenúncio da modelação da Liga, denominado “gabinete dos Anjinhos” (24 de maio de 1862), por ter durado apenas 3 dias.

1.1. A Liga Progressista em perspectiva historiográfica

A Liga Progressista tem sido objeto de atenção de muitos historiadores que abordaram a história dos partidos e ideias políticas no Brasil da década de 1860. Recuperando-se em Recuperando-sequência os principais estudos que de alguma forma a interpretaram desde o final do século XIX, observa-se como explicações sistematizadas por Joaquim Nabuco preponderaram nas leituras do tema e, também, da política imperial, apesar de (re)elaboradas em abordagens teórico-metodológicas diversas e diferentes avaliações sobre os grupos políticos e personagens “ligueiros”. Uma retomada desses estudos, além de apontar importantes referências

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documentais sobre a Liga, é relevante para o entendimento das múltiplas significações conferidas a um mesmo fato histórico, pois como aconselha Michel de Certeau, “fazer história é uma ‘prática’”43 entremeada pelo dado e o criado, já que cada sociedade se pensa

historicamente a partir de referenciais próprios e por meio das demandas que permeiam seu presente.

Neste escopo, as primeiras publicações que mencionam a Liga Progressista se vinculam à tradição monarquista dominante entre 1889 e 1920. Seus autores – a exemplo de Benjamin Mossé, Joaquim Nabuco e Manuel de Oliveira Lima – nasceram no Segundo Reinado e foram criados sob a égide da Monarquia, a quem permaneceram fiéis exaltando o Imperador e as tradições do antigo regime.44 Suas publicações destacam a política da década de 1860 como

desdobramento da Conciliação e resultado da “influência” do elemento liberal nas modificações partidárias.

Benjamin Mossé45 explicita que, entre 1853 e 1858, os partidos políticos se

confundiram em benefício da Conciliação. Com a ascensão de Caxias após a morte de Honório Hermeto Carneiro Leão, o marquês de Paraná, as legendas voltaram a se separar e passaram a rivalizar nos jornais e no Parlamento. Embora o autor não mencione o surgimento da Liga, caracteriza os gabinetes constituídos por ela como de matizes liberais.46

Na esteira deste texto parece-nos ter se formulado a clássica interpretação de Joaquim Nabuco sobre o episódio em Um Estadista do Império, obra publicada em três volumes, entre 1896 e 1899. Procurando entretecer a biografia de Thomaz Nabuco de Araújo – seu pai – e a história do Império brasileiro até 1878, o autor empreende arguto trabalho de reconstrução da trajetória política do biografado a partir de rica gama de fontes jornalísticas, documentos legislativos e missivas. Como discorre Izabel Andrade Marson, “homenagear a memória do Imperador, dos estadistas, especialmente de seu pai – destacando seu perfil de ‘autêntico reformador liberal’ –, e expor a superioridade das orientações monarquistas sobre as republicanas parecem ter sido as razões mais evidentes do livro”.47

43 CERTEAU, Michel de. “A operação histórica”. In: LE GOFF, Jacques & NORA, Pierre (org.). História: novos

problemas. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976. p.28.

44 STEIN, Stanley J. A historiografia do Brasil, 1808-1889. Revista de História, São Paulo, v. 29, n. 59, set. 1964.

p.101.

45 D. Pedro II, Empereur du Brésil, foi escrita por José Maria da Silva Paranhos, barão de Rio Branco, mas assinada

pelo “escritor e editor francês Benjamin Mossé, grande rabino de Avinhão, em 1889”. Cf. LIMA, Sérgio Eduardo Moreira. Apresentação. In. MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo barão do Rio Branco. Brasília: Funag, 2015.

46 MOSSÉ, Benjamin. Dom Pedro II, Imperador do Brasil: o Imperador visto pelo barão do Rio Branco. Brasília:

Funag, 2015 [1889]. p.85.

47 MARSON, Izabel Andrade. Política, história e método em Joaquim Nabuco: tessituras da revolução e da

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Para Joaquim Nabuco, a Liga será então aquela aglutinação de políticos conservadores “moderados” e alguns liberais, numa espécie de renovação da Conciliação, estreitamente relacionada ao desempenho de seu pai. Resultara, dentre outras questões, da discordância respeitosa e bem fundamentada de Nabuco de Araújo em relação à hegemonia dos conservadores “puros” ou “emperrados” que haviam se assenhoreado dos postos de mando dentro do Partido. Então, ele anunciaria e lideraria uma nova forma de política liberal “progressista” devidamente distanciada dos liberais radicais e revolucionários remanescentes dos inícios do Segundo Reinado, a exemplo de Teófilo Ottoni. Assim, projeta o biografado como expoente pensador no apogeu da Monarquia profundamente engajado na sua preservação.48

As discordâncias entre conservadores podem ser observadas com clareza quando o autor se dedica aos “gabinetes financeiros”49, ministérios efetivados após a Conciliação

(1853-1856), momento em que divisões permanentes no seio do Partido se estabeleceram, em especial durante as presidências de Ângelo Moniz da Silva Ferraz (10 de agosto de 1859) e Luís Alves de Lima e Silva, marquês de Caxias (2 de março de 1861). Nessas circunstâncias, Joaquim Nabuco considerou a situação que se formatava nas fileiras conservadoras do Parlamento – a oposição entre os “puros” e os autointitulados “moderados” – primeiramente como um renascimento da Conciliação conduzida na década anterior pelo falecido marquês de Paraná e por seu ministro da justiça Nabuco de Araújo, ou seja, como um novo episódio de “ressureição do antigo liberalismo”.

Esta interpretação, retomada no final do século para explicar o “espírito” da Liga, emerge na narrativa de Um Estadista numa das raras manifestações de dúvida do biografado: quando demorou a posicionar-se a favor de uma das vertentes do seu Partido. “Ele sentia que uma nova ordem de coisas, na qual se havia de encarnar o espírito da Conciliação, estava em elaboração no país, mais forte do que o antigo Partido Conservador, aquele que imprevista e espontaneamente surgira em 1837 das convulsões da Regência”.50 Joaquim Nabuco justifica a

reticência de seu pai em aderir à Liga pelo provável receio da preeminência dos liberais “históricos” já organizados para a campanha eleitoral próxima, fato que sugeria um retorno massivo de antigos nomes “luzias” à Câmara dos Deputados. Do mesmo modo, indica seu

48 Sobre as divisões da obra de Joaquim Nabuco ver: MARSON, 2008, p. 51-52.

49 Classificação de Joaquim Nabuco aos gabinetes de matriz conservadora constituídos entre 1856 e 1861,

marcados pelo massivo encaminhamento de projetos de cunho econômico. Cf. NABUCO, 1897. (t.2).

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anseio pela prevalência dos conservadores, mesmo que a realidade parlamentar instituída não fosse bem a de seu desejo.

A aspiração de Nabuco [de Araújo] era que esse contingente conservador da futura Liga, já que a Conciliação não correspondia mais a divisão dos partidos, tivesse predomínio nela sobre o elemento liberal histórico, cujo espírito ele receava. Na incerteza da constituição dessa Liga, que tudo anunciava ser inevitável, ignorando, para melhor dizer, a porcentagem dos elementos de um e outro lado que a haviam de formar, ele preferia ainda isolar-se, guardar sua liberdade de ação.51

Se Nabuco demonstrava a hesitação de seu pai frente à “nova Conciliação” e a importância da atuação conservadora nas circunstâncias, Tito Franco de Almeida, com quem o historiador estabelece fortuito diálogo52, parece ter construído os termos da interpretação sobre o cenário político que moldou a Liga. O liberal Tito Franco descreveu a “liga oposicionista” como uma “liga dos liberais”, que granjeando dissidentes conservadores “moderados” demonstrava como o “imperialismo”53 tentava dissolver a maioria parlamentar para inutilizar a

ação do Partido Conservador”.54 É importante salientar, que em estudo posterior, Franco de

Almeida alteraria um pouco essa percepção discorrendo que, entre 1858 e 1864, a tutela da administração financeira do Império permaneceu conservadora e apenas entre 1864 e 1865, com um novo Parlamento sob o predomínio dos liberais, o liberalismo pôde se caracterizar com clareza, porém limitado pelo advento da “administração de guerra” com o Paraguai, deflagrada em 1866.55

Ainda que Nabuco descrevesse o movimento “progressista” como fruto da política conciliatória, a projeção de seu pai como um dos articuladores da Liga - a partir da sessão de 1862 - fez com que o historiador se ativesse à análise dos gabinetes constituídos nos “anos de poder progressista” (1862-1868). Dando a Nabuco de Araújo o título de líder, Um Estadista inauguraria interpretação sobre os motivos da desarticulação da Liga Progressista. Segundo ela, as diferenças entre liberais e conservadores teriam levado à fragilidade dos ministérios

51 Ibid., p. 73.

52 Nos capítulos dedicados a Liga/Partido Progressista em Um Estadista é notória, em notas explicativas, a

retomada empreendida por Nabuco das obras de Tito Franco de Almeida.

53 O “imperialismo” é entendido por Franco de Almeida como influência “perversa, desastrosa e maléfica”. Neste

contexto, referia-se ao “poder pessoal do monarca, que usava de seu poder privativo, o Moderador, para a perpetuação de um círculo vicioso e pernicioso para o país”. Cf. BARBOSA, Silvana Mota. “Panfletos vendidos como canela”: anotações em torno do debate político nos anos 1860. In: CARVALHO, J.M. (Org.). Nação e

cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.173.

54 ALMEIDA, Tito Franco de. O conselheiro Francisco Furtado: biographia e estudo de História política

contemporânea pelo conselheiro Tito Franco de Almeida. Rio de Janeiro: Eduardo e Henrique Laemmert, 1867. p.132.

55 ALMEIDA, Tito Franco de. A grande política. Balanço do Império no Reinado actual: liberais e conservadores.

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“ligueiros”, enfraquecidos pelas cisões entre suas duas frações. Isto se demonstra na análise da demissão do terceiro gabinete Zacarias, quando “substituir o ministério era aprofundar a cisão entre os dois lados que formavam a situação, os históricos, antigos Liberais e os Progressistas, antigos Conservadores; o melhor seria chamar o Partido Conservador, desde que não havia outro meio de consolidar a Liga”.56

Assim como Mossé e Nabuco, Manuel de Oliveira Lima opta pelo entendimento da Liga como continuidade da Conciliação que, em seu argumento, teria perdurado até 1860. Para Lima, o fator determinante na formação do Partido Progressista foi o pânico que afligiu os conservadores com a vitória de nomes liberais importantes, como Teófilo Ottoni, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho, nas eleições de 1860. Esclarece ainda como ao longo da administração progressista operou-se uma nova fusão dos partidos “quando o liberalismo se libertou completamente da pressão oficial e apareceu com um partido quase anti-dinástico”.57

Se entre monarquistas, como Joaquim Nabuco e Oliveira Lima, a Liga encontrou espaço significativo, o mesmo aconteceu com os republicanos nos anos 1920 e 1930, em destaque Pedro Calmon, João Pandiá Calógeras, Nelson Werneck Sodré e Vicente Licínio Cardoso. Recorrendo as interpretações anteriores, estes pesquisadores retomam o argumento de prolongamento da Conciliação para explicar o surgimento da Liga, apresentando poucas nuances interpretativas.

Para Pedro Calmon, a “conciliação, a Liga ou o Partido Progressista, foram, no Segundo Reinado, fases de uma mesma ideia, qual a destruição do espírito faccioso em proveito de uma política de ‘valores’ e realizações”.58 Contudo, para o autor, a Liga se diferenciou da

“fracassada” Conciliação “porque exigia dos partidos um entendimento, não uma fusão – devia-se esboroar-devia-se na represália de outra coligação – a dos ‘históricos’”.59

Diferentemente de Nabuco, Pandiá Calógeras não se aprofunda nos “gabinetes financeiros” dos anos 1850 e concebe a Liga como bloco que governou o país com o nome de Partido Progressista, formado por conservadores “moderados” e liberais, e resultado da divisão ocorrida na Câmara em 1861. No entanto, repete a conhecida explicação para a fragilidade do grupo, segundo a qual “tal justaposição de elementos de orientações divergentes, continha em si o fermento da dissolução, e revelavam-se sintomas de que se separariam na primeira ocasião

56 NABUCO, 1897, t.2, p.414.

57 OLIVEIRA LIMA, Manuel de. O Imperio Brazileiro: 1822-1889. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 1927.

p.48.

58 CALMON, Pedro. História da Civilização Brasileira. Brasília: Senado Federal, 2002 [1932]. p.239. 59 Ibid., p. 240.

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os conservadores dos liberais”.60 Segundo este autor, o ponto de desalinhave entre as frações

“ligueiras” era a tendência liberal esboçada na construção dos gabinetes, na qual a figura de Zacarias de Góes, um “severo liberal”, se avultou. Seria então, a prevalência do elemento liberal sobre o conservador que teria acarretado a desagregação da unidade dos progressistas. Nelson Werneck Sodré reforça este argumento escrevendo que o Partido Progressista “era uma mistura heterogênea de procedência as mais diversas e de tendências as mais díspares”61, que passou a

propor medidas descentralizadoras, como a autonomia das províncias.

Vicente Licínio Cardoso também recorre a Nabuco, Mossé e Oliveira Lima para tecer sua interpretação sobre a Liga, denominada de “Conciliação às avessas”. Segundo Stanley Stein, este autor acredita na fragilidade das análises de seus antecessores, “que não lograram entrever com bom êxito o que encobria a fachada parlamentar dos dois partidos monárquicos”.62

Para Cardoso, assistiu-se, então, a “ilusão dos partidos”, o Liberal estava imobilizado e o Conservador se viu fragilizado com a extinção do tráfico, o que levou à tentativa de fusão entre os partidos entre 1853 e 1857, apesar da liderança conservadora até 1862. Em resumo, a situação podia ser assim definida:

escravagistas e traficantes, mantendo vivos os dois partidos diferenciados até 1853; fusão, conciliação, confusão política; luta desenfreada de posições de mando depois de 1860, quando os partidos, sem programas definidos, perdem a significação de agremiações políticas, reduzidas tão somente a partidos de

governo e da oposição.63

Se nas primeiras décadas do século XX a Liga era temática com significado quase consensual entre monarquistas e republicanos, na década de 1950 as leituras feitas sobre ela foram críticas e apresentaram mudanças sobre estas interpretações. Assim, com abordagens bastante distintas, Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro remodelaram as análises propondo perspectivas ainda pouco exploradas por seus predecessores, como a evolução do sistema capitalista no Brasil e o desempenho do Estado e seus agentes.

Com abordagem de matiz marxista, Caio Prado Júnior apresenta alternativa ao estudo de Nabuco, a quem atribui análise comprometida com questões pessoais.64 Explica que

60 CALÓGERAS, João Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1935

[1930]. p.298.

61 SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.

p.196.

62 STEIN, 1964, p.104.

63 CARDOSO, Vicente Licínio. À margem da história do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938

[1933]. p.184-185, grifo do autor.

64 As críticas de Caio Prado Júnior à Joaquim Nabuco versam, sobretudo, sobre sua análise a respeito da Revolução

Praieira, que em seus termos “se ressente de [...] falhas imperdoáveis que o levaram a lamentáveis conclusões”. PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Brasiliense: 1969 [1933]. p.10.

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a formação política da Liga era resultado da luta entre dois grupos burgueses, os “progressistas” e os “conservadores-retrógrados”. O primeiro era constituído pelos que detinham o capital móvel, alinhados ao comércio e as finanças; enquanto o segundo, se compunha dos proprietários rurais cuja riqueza alicerçava-se no trabalho escravo, abalado pela proibição do tráfico. Inicialmente, os conservadores se avolumaram, porém paulatinamente cederam espaço para o desenvolvimento do progressismo. Segundo o autor, “desenvolve-se uma parte ‘progressista’ da burguesia nacional ávida de reformas e cujos interesses estreitamente se vinculavam à transformação econômica do país”.65 Seu argumento é que “a evolução política

progressista do Império corresponde assim, no terreno econômico, à integração sucessiva do país numa forma produtiva superior: a forma capitalista”.66 Tratava-se de uma luta contra o conservadorismo-retrógrado firmado nas instituições políticas como o Conselho de Estado e o Senado vitalício. Contudo, discordando de Nabuco e de outros intérpretes, o historiador salienta que foi justamente a prevalência do elemento conservador em suas fileiras que levaram ao seu fim prematuro.

A Liga, híbrida composição de forças adversas, não é ainda senão um compromisso com o espírito conservador, que nela domina. Por isso entra logo em crise. Suas figuras verdadeiramente ‘progressistas’, como José Bonifácio e Ottoni, dela se apartam. Nos últimos anos do decênio, o compromisso retrógrado-progressista, representado pela Liga, já não se pode manter.67

Também se distanciando do argumento primacial de Nabuco, Raymundo Faoro procura uma explicação vinculada ao Estado e seus agentes, propondo uma abordagem weberiana.68 Para o autor, a Liga é o contragolpe do Partido Conservador intimidado por um

retorno intenso de liberais históricos que ameaçavam o poder da oligarquia no Parlamento. De seu interior, emergiu então a “guarda” que converteu reivindicações radicais a um programa de reformas monárquicas. Seu principal fundamento era que os partidos estavam extintos e era necessária a construção de uma nova situação parlamentar. Divergindo da ideia de que apesar de unidos cada fração da Liga mantinha seu alicerce originário, Faoro propõe que nomes como Zacarias e Nabuco de Araújo, verdadeiramente se converteram ao ideal liberal em uma manobra bem articulada e colaboraram para a divisão da Câmara em sua ala conservadora “puritana” sob chefia de Paulino de Souza e Itaboraí, a liberal “histórica” e a progressista. Estas últimas, somente se fundiram em 1868, dando origem ao novo Partido Liberal.

65 Ibid., p.83. 66 Ibid., p.88.

67 Ibid., p.89, grifo do autor.

68 COMPARATO, Fábio Konder. Raymundo Faoro historiador. Estudos Avançados, São Paulo, v. 17, n. 48,

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