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A FORMA NÃO SEGUE A FUNÇÃO: O PÓS-MODERNO

2.2 Complexidade da forma

Robert Venturi, em seu livro “Complexidade e Contradição em Arquitetura”, lançado em 1966, concentra o olhar crítico no objeto arquitetônico propriamente dito, o edifício, na tentativa de rastrear o método compositivo original – ou melhor, o método compositivo real - dos grandes edifícios históricos, deixado de lado pela simplicidade e objetividade extremas do método Moderno de projeto. Focada no edifício, sua análise vai além do contexto histórico de

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Em última instância, o surgimento do ‘estilo internacional’ e do ‘estilo bauhaus’ representa o fim de um dos mais puros ideais modernos, qual seja, sua universalização (enquanto conceito aplicado e não enquanto estilo) baseada no socialismo.

cada exemplo, pois, como ele próprio explica, “(...) confio menos na idéia de estilo do que nas características inerentes de edifícios específicos” (1995, p.xxv). Venturi busca encontrar o significado da arquitetura nela mesma:

Não faço nenhuma tentativa especial para relacionar a arquitetura com outras coisas. (...) Tento falar sobre arquitetura e não em torno dela. Sir John Summerson referiu-se à obsessão dos arquitetos “pela importância, não da arquitetura, mas da relação da arquitetura com outras coisas”. Ele sublinhou que, no século atual, os arquitetos trocaram a imitação eclética do século XIX pela “perniciosa analogia” e têm estado mais interessados em reivindicar um papel para a arquitetura do que em produzir arquitetura. O resultado tem sido o planejamento diagramático. O poder cada vez menor do arquiteto e sua ineficácia crescente para modelar o meio ambiente como um todo poderão, talvez, ser revertidos, ironicamente, se ele restringir suas preocupações e se concentrar em seu próprio trabalho. Talvez então as relações e o poder se harmonizem por si mesmos. Aceito o que para mim são limitações inerentes à arquitetura e tento concentrar-me mais nas dificuldades que lhe são intrínsecas do que nas abstrações mais fáceis a seu respeito; “uma vez que as artes pertencem (como disseram os antigos) à inteligência prática e não à especulativa, não existe nada mais eficaz do que estar atuante na profissão” (1995, p.xxvi).15

O ponto focal de sua crítica está na simplicidade excludente gerada pela metodologia moderna, resumida na máxima “menos é chato”. Parodiando Mies van der Rohe, esta frase acabou se tornando emblema da crítica pós-moderna. Para Venturi, os edifícios de Mies são perfeitos simplesmente porque se propõem a resolver uma ou duas das múltiplas atribuições da arquitetura (1995, p.4). Longe de serem defeitos ou problemas, a complexidade e a contradição

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Na base da teoria de Venturi encontramos o desejo de aproximação da realidade através das contingências da própria da arquitetura, prática essencial ao enfrentamento da condição contemporânea, que será analisada no capítulo 4 desta pesquisa.

– expressas no edifício através da justaposição de ordens, mistura de elementos arquitetônicos, ausência de hierarquia compositiva, adaptações de volumes, etc, são para Venturi o testemunho de sua riqueza espacial, programática e simbólica, enchendo o edifício de significado, aí sim, próprio da arquitetura. Ao defender a complexidade, por outro lado, Venturi

não rejeita o “desejo de simplicidade,”16 mas sim a pobreza de significado, como fica claro em

sua análise de duas casas de Philip Johnson: a famosa Casa de Vidro e a Casa Wiley. Ao comentar a inadequação do uso da tipologia de pavilhão para abrigar o programa doméstico, suas necessidades espaciais, tecnológicas e visuais, ele diz:

A simplicidade forçada resulta em uma supersimplificação que distorce ou ignora elementos essenciais. Na Casa Wiley, por exemplo, em contraste com sua Casa de Vidro, Philip Johnson tentou ir além das simplicidades do pavilhão elegante. Ele separou explicitamente e articulou as “funções privadas” fechadas da residência num pedestal que constitui o andar térreo, segregando-as assim das “funções sociais” abertas no pavilhão modular situado acima. Contudo, mesmo neste caso, o edifício torna-se um diagrama de um programa

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Conceito de Louis Khan citado por Venturi em VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.6.

fig. 12. VENTURI, R. Capa do livro Complexity and Contradiction in Architecture, 1966.

supersimplificado de moradia – uma teoria abstrata de ou-ou. Onde a simplicidade não pode funcionar, resulta o simplismo. A simplificação espalhafatosa significa arquitetura insípida (1995, p.6).

A possibilidade de um elemento arquitetônico ser, por exemplo, forma e estrutura, textura e material, ao invés da relação ou-ou, acrescenta tensão ao edifício, que por sua vez gera ambiguidade. O resultado, segundo Venturi, produz uma confusão de experiências que promove a riqueza de significado em detrimento da clareza de significado (1995 p.14,15). Essa pluralidade de significados conseguidos através da experiência se aproxima mais da realidade.

O argumento central de Venturi é que a complexidade e a contradição em arquitetura são geradas a partir da instrumentalidade dos elementos arquitetônicos e sua capacidade de incorporar diferentes aspectos simultâneos (relações ‘e – e’ e relações ‘tanto – como’) decorrentes do programa, ao refletirem a realidade da própria existência. Complexidade gera ambiguidade, contradição gera quebra de regras, ordens e padrões. Ambos geram experiência: acrescentam interesse ao edifício, potencializando sua ligação com a realidade da cidade. Em suas palavras:

Mies refere-se a uma necessidade de “criar ordem a partir da desesperada confusão de nosso tempo”. Mas Kahn disse que “por ordem não entendo algo metódica e sistematicamente ordenado”. Não devemos resistir a deplorar a confusão? Não devemos procurar um significado nas complexidades e contradições do nosso tempo e reconhecer as limitações de sistemas? São essas, penso eu, as duas justificativas para transgredir a ordem: o reconhecimento da variedade e confusão dentro e fora, no programa e no ambiente, e na verdade em todos os níveis de experiência; e a limitação irrevogável de todas as ordens compostas pelo homem. Quando as circunstâncias desafiam a ordem, a ordem deve ceder ou quebrar: anomalias e incertezas dão validade à arquitetura (1995, p.44).

Enquanto Rossi busca a complexidade do tecido urbano através de sua historicidade, Venturi busca a complexidade do objeto arquitetônico através de sua ambiguidade e contradição. Ambos buscam maior aproximação com a realidade ao afastarem-se de ideais formais e funções estáticas, pré-concebidas.