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5.1 Sobre os estudos de caso

Seguindo a linha de pesquisa exploratória adotada para essa pesquisa, foram selecionados quatro estudos de caso que assumem caráter instrumental ao promoverem maior familiaridade com o argumento e ao tornarem mais explícita a hipótese.

5.1.1 Sobre os casos brasileiros

É proposta uma aproximação com o cenário brasileiro, considerando que suas especificidades, assim como as de qualquer outro país, acrescentam contrastes e características que o diferenciam, mas que de nenhuma maneira impossibilitam sua participação nas grandes discussões em torno do papel da arquitetura na sociedade capitalista globalizada. Como dizia Lina Bo Bardi, “é necessário compreender-se a arquitetura em função do próprio país sem perder de vista a arquitetura dos outros para assim recompor o panorama espacial desta arte tão variada e multiforme. É preciso ver, na arquitetura dos outros, o desenvolvimento da

Arquitetura em geral.”86 Busca-se, assim, estabelecer um patamar de igualdade, em termos

conceituais e teóricos, entre os exemplos analisados nos estudos de caso.

A característica comum entre os arquitetos autores das obras analisadas a seguir é pertencerem à geração que iniciou sua vida acadêmica na década de 1980, na FAU USP. Segundo Nobre (2006, p.14),

é a geração que encontra a universidade nos primórdios da chamada “abertura política”, período que retoma a importância do projeto de arquitetura e

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Texto de sua apresentação ao concurso para a cadeira de teoria da Arquitetura da FAU USP em 1957, como citado em ZEIN, 2005, p. 61.

desembaraça, aos poucos, o desenho da conotação precedente. O objeto arquitetônico volta ao centro da escola, envolvido por uma dimensão social e urbana. Essa geração inicia o exercício profissional via práxis, pelo domínio dos conhecimentos diretamente vinculados à prática do projeto.

Enquanto Ruth Verde Zein identifica nesse grupo de jovens arquitetos um clima de redescoberta e reafirmação de uma qualidade ‘paulista’ de raiz brutalista, ao dividirem certas características como “ênfase na elegância nas soluções estruturais, apreço pelo concreto aparente (embora não mais como material exclusivo), a preferência pelo detalhamento

empregando uma paleta criteriosamente mínima”87, Nobre, Milheiro e Wisnik (2006, p.13)

acreditam que esse mesmo grupo “não possui uma matriz plástica mas, talvez, uma afinidade ética.” Essa preocupação com a ética no exercício profissional do arquiteto soma-se à busca pela reconquista da dimensão política da profissão através de práticas que valorizam o processo e a estratégia em detrimento do objeto, como discutido no capítulo 4 desta tese. Nesta linha, como destaca Nobre (NOBRE et al. 2006, p.20,21), se aceita a sugestão de Koolhaas de que os projetos sejam menos objetos que definidores espaciais. Como consequência, valorizam o processo da arquitetura como um todo, da concepção à execução, eclipsando a imagem do arquiteto enquanto ‘artista’, em detrimento do trabalho em grupo, os chamados coletivos.

Na discussão contemporânea em torno da prática da arquitetura, o que os arquitetos paulistas buscam, segundo Nobre (NOBRE et al. 2006, p.21), não é

nem a aguda crítica aos mecanismos de dominação política, nem uma capitulação conformista ao mercado. Seu desafio passa por tirar a arquitetura desse suposto beco sem saída, sem resvalar em idealismos em que afinal de contas se sentem pouco confortáveis. O que significa que se consideram meios

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ZEIN, Ruth Verde. Breve panorama de uma nova geração. Disponível em:

para resistir à mercantilização e degeneração cultural da arquitetura sim, mas sem abrir mão do projeto. Mesmo que para isso seja preciso desafiar os viciados vínculos entre projeto e desenho implícitos numa tradição arquitetônica que ainda pretendemos conservar.

Tal postura demonstra enfrentamento com a imbricada relação entre o sistema econômico/cultural e a arquitetura, e inclusive apresenta propostas de ação frente ao problema, a exemplo dos casos europeus discutidos anteriormente.

5.1.2 Parâmetros de análise

As obras selecionadas para os estudos de caso foram: 1. Casa Flick I e II, Zurich e Berlim, 2001, Rem Koolhaas.

2. Ampliação para o Whitney Museum, Nova York, 2001, Rem Koolhaas. 3. Residência M.M., São Roque – SP, 2001, Andrade Morettin Arquitetos. 4. Nova Sede do SEBRAE, Brasília – DF, 2010, Grupo SP.

A residência Flick I e II de Koolhaas, casa e galeria de arte em um mesmo edifício, é exemplo direto do modo de vida metropolitano contemporâneo, desafiando a tipologia residencial ao seu limite.

A Casa M.M. de Andrade Morettin apresenta a versão brasileira de uma villa contemporânea: afastada do centro urbano, com extensa área de lazer e amplos jardins, rediscute pontos importantes como a relação entre arquitetura e natureza, por meio de sua implantação, e a relação entre tecnologia e estética, por meio de sua solução formal, estabelecendo parâmetros para a produção contemporânea brasileira.

As grandes instituições, por outro lado, precisam apresentar propostas, quase sempre objeto de concursos internacionais, que combinem responsabilidade ambiental e orçamentos enxutos, assim ampliando a relação entre práticas sustentáveis e o estado da arte da tecnologia da construção.

É o caso da proposta de ampliação do Museu Whitney, do OMA/Koolhaas, cuja forma final reflete soluções altamente complexas, resultado do trabalho de costura entre o entorno histórico e a ampliação, com ousadas propostas espaciais para os espaços expositivos.

Já o projeto para a nova sede do SEBRAE nacional, do Grupo SP, elege o caráter público do solo de Brasília como tema para sua proposta de atualização da difícil tarefa de projetar na capital moderna. Na proposta destaca-se a busca por uma forma resultante da máxima performance espacial esperada para cada ambiente: desempenho dos materiais e técnicas construtivas objetivando conforto térmico e acústico, flexibilidade de uso, rapidez na construção, e fluidez espacial pela continuidade da rua e da paisagem através do edifício.

O critério de seleção das obras obedeceu à associação de alguns fatores, priorizados da seguinte maneira:

1. Contemporaneidade: obras ou projetos realizados a partir do ano 2000. 2. Representatividade conceitual e/ou representatividade cultural.

Projetos como a Casa Flick I e II representam exercício significativo de discussão teórica por meio da prática, envolvendo de maneira complexa questões culturais próprias do momento contemporâneo. Da mesma maneira, a nova sede do SEBRAE, uma vez escolhida como a melhor obra brasileira de arquitetura do ano em 2010 em premiação recente, não poderia deixar de ser incluída e discutida como representante do momento atual da arquitetura brasileira, em sua posição cultural, social e seu lugar no discurso arquitetônico contemporâneo.