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A FORMA NÃO SEGUE A FUNÇÃO: O PÓS-MODERNO

2.4 Paradigmas Formais

Em “Depois da Arquitetura Moderna”, de 1980, Paolo Portoghesi faz uma análise do panorama arquitetônico dos anos 1960 e 1970, baseada na idéia de “reemergência dos arquétipos”, deixados de lado em função do período Moderno. Este fato acarretou, segundo ele, o racha da arquitetura em arte figurativa de um lado e produção tecnológica sem qualidade de outro, perdendo sua função de matriz da qualidade urbana (2002, p.212).

Em seu comentário do livro “Form follows Fiasco” de Peter Blake (1977), Portoghesi analisa as ‘fantasias’ apresentadas pelo autor, correspondendo aos mitos do movimento Moderno. Aparentemente, a crítica de Blake manteve o mesmo tom dogmático, radical e extremamente racional do objeto analisado - as idéias apresentadas pelos arquitetos Modernos. Propor que não se construam mais arranha-céus ou estradas são idéias que no mínimo compartilham o mesmo ideal utópico das propostas urbanistas modernas. Baseado em exemplos de edifícios da época, ainda não Modernos, que apresentavam bom funcionamento e aceitação do público apesar de não terem sido projetados para aquela função específica, Blake argumenta que a flexibilidade absoluta na distribuição espacial do edifício Moderno, como solução para a contínua variação das exigências funcionais de um edifício complexo, é um mito, além de correr o risco de o edifício tornar-se uma caixa amorfa (PORTOGHESI, 2002, p.49). Como conclusão, Blake pede aos arquitetos que desistam de ‘dar lições’ através de seus produtos Modernos e passem ‘simplesmente’ a ‘servir’ aos homens, o que deixa claro, em seu ponto de vista, a falha da arquitetura moderna em considerar e propor alternativas para a realidade do homem de seu tempo.

Ainda no cenário americano, Portoghesi destaca o trabalho de Robert Stern por sua atitude projetual pragmática e livre de ideologias como uma grande contribuição ao processo crítico de releitura do Moderno. Na proposta de Stern, que parte da plataforma do New Shingle Style, é a forma que deve ser a responsável por encabeçar o processo de liberação do

formalismo Moderno, ao incorporar a memória e as raízes americanas através de uma arquitetura narrativa, sem nenhuma menção a uma função culturalmente representativa, bem aos moldes de Aldo Rossi:

Acreditamos que a projetação arquitetônica seja, em parte, um processo de assimilação cultural, mas também uma tentativa de sugerir que os problemas reais não consistem em colocar em discussão os paradigmas funcionais e tecnológicos estabelecidos pela maioria das situações, mas sim os paradigmas formais que continuam a perseguir-nos depois do fim do Movimento Moderno. E isso não pode ser decorrência apenas do talento individual de um arquiteto: a história, o estado da arte arquitetônica num dado momento, as aspirações dos clientes, tudo deve desempenhar um papel no processo de projetação arquitetônica. É preciso reiterar que cada edifício, não importa o quanto diste de outras formas de arquitetura, é parte de um contexto cultural e físico e nós, como arquitetos, somos forçados a reconhecer estas conexões na nossa teoria e na combinação de formas que estabelecemos naquilo que casualmente chamamos de design. Nossa atitude em relação à forma, que se baseia no amor pela história e seu conhecimento, não implica uma reprodução acurada. Ela é eclética e serve-se da colagem e da justaposição como meios técnicos para dar às formas conhecidas um novo significado e propor um novo caminho. Confiamos no poder da memória (história) combinada com a ação das pessoas (uso) para instilar riqueza e significado na projetação arquitetônica. Para que a arquitetura tenha êxito em seu esforço de participar criativamente do presente, é preciso que supere a iconoclastia do movimento Moderno nos últimos cinquenta anos, ou o formalismo limitado de tantas obras recentes, e que reconquiste uma base cultural e uma leitura, tão completa quanto possível, do seu próprio passado. 18

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É importante destacar a clareza e a simplicidade da idéia de uma arquitetura narrativa defendida por Stern, que foi amplamente difundida e aprofundada entre os arquitetos pós- Modernos, nem sempre de forma tão clara e, inclusive, problematizada por Eisenman em sua fase deconstrutivista, a ser discutida futuramente:

A arquitetura é uma “narrativa”, aliás, uma arte comunicativa. Nossas fachadas não são véus transparentes nem a afirmação de segredos estruturais profundos. Elas funcionam como mediadores entre o edifício enquanto construção “real” e as ilusões e percepções necessárias para relacioná-lo aos lugares onde é construído, às convicções e aos sonhos dos arquitetos que o conceberam, aos clientes que arcaram com seus custos e à cultura que permitiu que fosse construído.19

O uso da fachada como mediação entre o objeto arquitetônico e a cidade, seja de forma mais concreta como em Aldo Rossi e Venturi ou de forma mais conceitual como em Kahn e Michael Graves, denota o início da separação entre a forma e a função. Vista de maneira independente, a forma lentamente passa a assumir um caráter de invólucro, container, envelope. Além da necessidade de conexão com o lugar tanto fisicamente (paisagem/cidade) quanto conceitualmente (história/simbologias), à forma pós-moderna cabe o desafio de propor conexões e possibilidades de existência com a realidade urbana dos anos 1960: a cidade que cresce de forma desordenada, esgarçada, informe, embrião da cidade genérica descrita por Rem Koolhaas nos anos 1990, discutida adiante.

Os projetos comentados a seguir desenvolvem criticamente conceitos pontuais do movimento Moderno, preocupados em dar respostas imediatas à expansão populacional e ao crescente caos urbano das grandes cidades européias do pós-guerra em meio à reconstrução. De caráter utópico, esses exemplos acabam por transformar a própria idéia da produção da

19 Idem, p.123.

arquitetura como até então era conhecida, aproximando-a das vanguardas artísticas como a Internacional Situacionista e o movimento Cobra.