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Complexo industrial da saúde e circuitos espaciais produtivos

O complexo industrial da saúde segundo os circuitos espaciais produtivos

4.2 Complexo industrial da saúde e circuitos espaciais produtivos

A análise do complexo industrial da saúde, orientada pelo conceito de circuito espacial

produtivo, permite considerar o território e a formação espacial da qual ele faz parte

no contexto global dos agentes corporativos, assim como dos países implicados nessa especialidade produtiva.

Por serem globais, tais circuitos permitem que se reconheçam centros de comando externos aos territórios nacionais de determinado ramos produtivos. Comandos que têm força tanto pela concentração do capital operado por determinadas empresas globais como por inovações técnico-científicas que são empreendidas num ou noutro país com patentes asseguradas a institutos e universidades, mormente associados às primeiras.

Nesse aspecto, constata-se o papel crucial do Estado. Por mais que grandes empresas invistam em ciência e tecnologia, há sempre determinadas formas pelas quais o poder público fomenta a inovação, além de outros papéis do Estado na construção de um complexo industrial da saúde. Dedicado a parques tecnológicos no Brasil, o “Estudo de projetos de alta complexidade” (Brasil, 2014) mostra como a associação com universidades é crucial para as grandes empresas na obtenção de patentes. Ao nos debruçarmos sobre a importância das indústrias dessa economia, já discutidas anteriormente em estudos sobre o complexo industrial da saúde constituído por circuitos espaciais produtivos (Antas Jr., 2011b, 2013a) e com a análise de casos específicos brevemente explicitados acima, constatamos a forte centralização das indústrias desse campo produtivo, com muitas especializações técnico-científicas e geração de alto valor agregado.

Vale ressaltar que é expressivo o consumo de importados, sejam insumos semimanufaturados ou produtos acabados. Essa indústria é altamente globalizada e, dada sua dependência de inovação e pesquisa científica, o país fica sujeito a produções externas, embora viesse até pouco tempo atrás experimentando crescimento num ou noutro ramo, com as políticas econômicas do Ministério da Saúde e do BNDES voltadas ao complexo industrial da saúde, com financiamentos subsidiados para a economia da saúde.

Esses índices de crescimento recuaram, especialmente nos dois últimos anos, em vista das crises econômica e sobretudo política (ainda que crescendo em números absolutos), já que, no Brasil, esse setor produtivo ligado à saúde depende muito de decisões governamentais e, neste momento histórico, atravessamos um período em

que gastos considerados “sociais” vêm sofrendo cortes de orçamento, o que afeta diretamente a produção industrial relacionada à saúde como direito.

Todo esse entrelaçamento de agentes públicos e privados, tecnologias e sistemas organizacionais na economia política da saúde produzem uma dinâmica espacial que, analisada nessa perspectiva, alarga a compreensão do campo da saúde para além de seus processos abstratamente econômicos, particularmente relativos à produção industrial.

O enfoque a partir dos circuitos espaciais produtivos, em particular, adotando os pressupostos teóricos que conduziram à formulação do conceito, permite explicar a economia da saúde considerando o lugar, a região, a formação socioespacial e a formação de uma estrutura social, isto é, a saúde como campo de conhecimento (Bourdieu, 1976; Montagner, 2008), na medida em que se observam a produção de conhecimento stricto sensu e conhecimento aplicado, um setor de serviços especializado com um considerável grau de autonomia, e a formação de um campo de acumulação capitalista em que se destaca a indústria.

No entanto, a operacionalização do conceito exige que se observe um conjunto de pressupostos teóricos e epistemológicos que orienta a construção analítica, permitindo afirmar que determinada combinação de elementos empíricos constitui o circuito espacial produtivo em questão. E, além disso, oferecer uma explicação que lance luz ao que ainda permanece obscuro sobre a participação da dinâmica espacial. Assim, cabe considerar que o conceito circuito espacial produtivo designa um processo de produção global, não mais estrito a economias regionais. Sua forma não é a cadeia produtiva, mas uma integração de produção-circulação-consumo global, isto é, faz parte de uma economia política específica. Mas como apreender essa dinâmica de expansão do complexo industrial da saúde e a articulação das escalas geográficas em favor da acumulação ampliada de capitais? E como saber se um dado ramo produtivo desse complexo compõe um circuito espacial e não um circuito regional, completamente ancorado em fundamentos e possibilidades oferecidas por um território nacional?

O conceito circuito espacial produtivo indica que a divisão do trabalho pode ser hiperfragmentada em diversas unidades de vários países, e a operação técnica dessa divisão caminha em direção ao uso da simultaneidade dos eventos no espaço para coordenar a produção em âmbito global. Daí que seja impensável trabalhar com esse conceito sem considerar a política das empresas, pois são elas que detêm as técnicas e a produção normativa capazes de conciliar os usos de diferentes territórios nacionais em torno de um mesmo objetivo. Ao articular eventos numa lógica produtiva, vemos como o poder corporativo (Antas Jr., 2005, 2017a) vem operando um novo uso do espaço e do tempo como fator competitivo.

Uma das manifestações empíricas do circuito espacial produtivo que revelam sua dimensão global são os fluxos de exportação e importação entre o complexo industrial da saúde instalado no território brasileiro e os demais, presentes em diferentes países, como se vê nos Mapas 17 e 18, onde se observa o fluxo de produtos do circuito espacial produtivo de vacinas.

Mapa 17 – Importação brasileira de vacinas, soros e seus insumos de produção (total em US$) entre 2013 e 2016

Mapa 18 – Exportação brasileira de vacinas, soros e seus insumos de produção (total em US$) entre 2013 e 2016

Segundo os fluxos representados, aproximadamente um terço das importações relativas à produção de soros e vacinas é de insumos produtivos, isto é, produtos manufaturados que servem a outras produções industriais. Assim, uma vez que ingressam no país, ainda passam por processos produtivos e, como parte desse processamento, podem ter continuidade em um ou mais países. As exportações de insumos pelo Brasil também mantêm essa mesma lógica, mas com proporções um pouco diferentes, da ordem de um quarto do total das exportações. Cada circuito espacial produtivo da saúde apresenta um padrão e precisa ser analisado considerando as especificidades do sub-ramo.

Tal como para as vacinas, se produziram informações a partir de dados brutos de exportação e importação de insumos para analisar os circuitos espaciais produtivos dos reagentes de diagnóstico e o circuito dos equipamentos de diagnóstico por imagem, e então se fizeram essas mesmas formas de representação cartográfica de fluxos para detectar a abrangência de cada circuito em relação ao resto do mundo.

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