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O complexo industrial da saúde no Brasil

O complexo industrial da economia política da saúde

3.3 O complexo industrial da saúde no Brasil

Podemos então falar num complexo industrial da saúde no território brasileiro sem no entanto tomá-lo como uma realidade autônoma, posto tratar-se de diferentes indústrias, organizadas em circuitos de diversas etapas e com produtos muito variados: matérias-primas de diferentes fontes em todo o planeta, insumos de alto conteúdo tecnológico cuja produção especializada concentra-se em poucos complexos industriais de determinadas formações socioespaciais que fornecem às demais, produtos semiacabados que são finalizados conforme determinada legislação ambiental ou sanitária nacional e mesmo bens de capital, além de produtos acabados.

Por estar alicerçado em novos paradigmas científico-tecnológicos e ter forte dinamismo territorial e informacional, esse complexo industrial só logrou se consolidar no Brasil a partir do fim da década de 1980 e ao longo dos anos 1990 – e, pelo menos uma década antes, nos países onde essa indústria era mais madura. Portanto, foi no período de globalização e com a conformação do meio técnico- científico-informacional (Santos, Milton, 2008) que se aprofundou de fato uma divisão tecnicamente internacionalizada do trabalho. Essa consolidação do CIS no território:

[...] obedece às leis conjugadas da divisão internacional do trabalho e da divisão interna do trabalho. É assim que se estabelece uma divisão territorial do trabalho que é tanto internacional como interna a cada país (Santos, Milton, 1994b, p. 46-47).

Os lugares têm um papel primordial nessa divisão territorial do trabalho, pois a lógica corporativa se instala sobre divisões do trabalho anteriores, num processo em que “as condições históricas presentes facilitaram o mecanismo de expansão do capital no espaço pelo uso das formas” (Santos, Milton, 1979a, p. 188). Os lugares são condição e condicionante da produção, e esses complexos voltados à “medicina curativa” são indutores da urbanização e da transformação das cidades que os acolhem.

Nesse processo, as redes ganham relevância, pois, mesmo a empresa estando em determinado território, elas conectam diferentes agentes econômicos da saúde, dispersos em vários e distantes pontos no espaço geográfico, reorganizando as diferentes fases do processo produtivo.

Assim, o complexo de empresas da saúde é formado por “organizações multilocacionais” com diversas unidades funcionalmente diferentes e espacialmente separadas, mas que operam de maneira integrada (Pred, 1979, p. 12). Pontos e manchas com alta densidade técnica e informacional no território se tornam, então, o suporte das redes que transportam as regras e normas utilitárias das empresas, independentemente do lugar onde estejam instaladas, manifestando a crescente capacidade de exercício empírico da simultaneidade como prática de hegemonia corporativa sobre empresas de atuação nacional.

No território brasileiro, a partir dos anos 2000, já está mais consolidada a integração de um complexo industrial, concorrendo para a formação de fluxos permanentes de medicamentos, reagentes, aparelhos de diagnóstico por imagem etc., assim como de insumos produtivos – primários ou manufaturados, sendo estes de suma importância nesta investigação – que fomentam as indústrias do setor presentes em vários países. Foi uma fase de mudança paradigmática do aparato produtivo da saúde em todo o mundo embora não concomitante.

Um outro marco desse processo data de 2008, quando o Estado brasileiro criou o Grupo Executivo do Complexo Industrial da Saúde (GECIS), inaugurando uma série de incentivos ao fortalecimento da base produtiva voltada à saúde tais como linhas de crédito específicas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), integração entre os ministérios da Saúde (MS), do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), como também a criação de leis específicas fomentando ações para o setor.

Para entender o papel do Estado no fomento da economia política da saúde, cabe destacar o papel central da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) ao implementar linhas de investimento para inovação, fomentando a criação

e expansão de empresas do setor, e, em especial, as ações do Departamento de Ciência e Tecnologia (DECIT) para o desenvolvimento de tecnologias na área da saúde e o estabelecimento de nexos de cooperação entre diferentes agentes produtivos.

Trata-se, portanto, de uma intervenção do poder público no fomento de um setor produtivo, bastante complexa em sua estrutura organizacional, com fins claramente estratégicos de soberania, para conduzir um “sistema nacional de inovação em saúde” cuja importância já foi apontada por Gadelha, Quental e Fialho (2003): consolidar um CIS no território brasileiro. Essas ações visam coordenar os processos de inovação integrando diferentes agentes da produção industrial, dos serviços de alta complexidade e também da produção científica.

Homma et al. (2011) apontam esse papel estratégico quando tratam especificamente de vacinas e imunobiológicos, e ele pode ser estendido à produção de reagentes para diagnóstico (Gadelha; Quental; Fialho, 2003). A criação da Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde (ANPPS), que orienta temas e linhas de pesquisa necessários às diferentes fases de que se constitui o CIS, é outra mostra desse papel coordenador da SCTIE.

Ressalte-se, entretanto, que a configuração espacial da rede de serviços públicos de saúde – que é concentrada em determinados estados brasileiros, assim como em algumas regiões no interior destes – condiciona o CIS a se expandir economicamente, mas apenas nas manchas urbanas mais dinâmicas do território brasileiro, sobretudo na metrópole paulistana, que é o centro de comando da “formação socioespacial” (Santos, Milton, 1977; Santos, Milton; Silveira , 2001).

A centralização dos serviços de saúde e do complexo industrial, bem como a concentração de capital que algumas empresas do setor vêm estabelecendo até o presente, participa da configuração de um processo de urbanização marcado pelo uso corporativo do território, em que “cada empresa utiliza o território em função de seus fins próprios e exclusivamente em função desses fins” (Santos, 1994b, p. 85),

procurando pontos ou áreas específicas que tenham uma densa base técnica para promover a produção, a circulação e o consumo de seus produtos.

Assim, as localizações não podem ser “espontâneas”, isto é, os fatores contemplados são aqueles do território como norma (Santos, Milton, 1996) de um modo amplo, em que fatores básicos de produção como energia abundante e barata e mão de obra treinada e facilmente acessível, mais as vantagens fiscais que hoje se observam em toda parte onde os Estados se liberalizaram excessivamente e sem controle, são referências importantes para as empresas escolherem a localização de suas instalações.

Via de regra, muitas empresas que compõem a economia da saúde precisam estar perto de seus maiores consumidores, grandes hospitais gerais públicos e hospitais universitários, cuja demanda por equipamentos e insumos é extraordinariamente alta, e grandes hospitais privados com intensa especialização técnico-científica, que atendem preferencialmente ao público de renda alta e são capazes de atrair “clientes” de uma grande abrangência territorial, o que, no caso brasileiro, estende-se a toda a América Latina.

Além disso, grande parte dessas indústrias precisam estar perto dos grandes centros de pesquisa e de formação médica, por razões das mais variadas, como vimos no Capítulo 2. Mas vale destacar o papel do médico e de sua formação para o maior ou menor êxito dos produtos corporativos num mercado nacional, como já discutiram exaustivamente Illich (1975, p. 87-88, passim) e Dupuy e Karsenty (1980).

Tomadas em conjunto, observa-se que grande parte das indústrias relativas à economia da saúde, agrupadas segundo a definição de CIS, como definiu a Fundação SEADE (Anexo II), em 2017, havia 7.089 indústrias no território brasileiro, onde mantinham vínculo empregatício formal 217.453 trabalhadores. O Mapa 12 mostra a distribuição dessas indústrias:

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