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A indústria farmacêutica e o circuito espacial produtivo de biomedicamentos na França: a construção de cooperação capitalista por meio de empresas CDMO

O circuito espacial produtivo de biomedicamentos no território francês

Mapa 25 – Rede de polos de competitividade na área da saúde

6.3 A indústria farmacêutica e o circuito espacial produtivo de biomedicamentos na França: a construção de cooperação capitalista por meio de empresas CDMO

Associados a ações corporativas e demais agentes econômicos e institucionais para incentivar a produção de biomedicamentos, os apoios relevantes iniciados há mais de dez anos pelo Estado francês acabaram favorecendo uma nova forma de relação econômica empresarial no setor farmacêutico com o CDMO, conhecido na França como production pour tiers, que vem ganhando muita força no mercado farmacêutico e não é exclusivo da produção de biomedicamentos.

Trata-se de uma modalidade de empresa no mercado farmacêutico mundial que se tem mostrado bastante atrativa para esse tipo específico de produção, que envolve muito conhecimento aplicado. As empresas especializadas em contratos CDMO logram promover a associação com as Big Pharma e também com laboratórios de grande e médio porte.

Os 40 anos em que a tecnologia farmacêutica serviu à indústria bio/farmacêutica foram anos de crescimento significativo e mudança na forma como as drogas são descobertas, desenvolvidas, fabricadas e vendidas. Organizações de desenvolvimento e manufatura por contratos (CDMO) têm desempenhado um papel importante no

crescimento da indústria, mas foi só nos últimos 20 anos que elas se tornaram um elemento crítico nas operações de empresas de bio/farmacêutica35 (Miller, 2017, p. 77, tradução nossa).

Trata-se de um novo agente da cooperação capitalista que se tem revelado fundamental para consubstanciar a ação global das grandes corporações do setor e que já estava mais desenvolvida em outros países como os EUA, a Alemanha e a Suíça, entre outros.

Essa forma contratual não é o que se denomina terceirização como precarização das condições de trabalho, e tampouco o que acontece, por exemplo, na indústria automobilística; trata-se de um processo mais recente, e os grandes laboratórios não podiam e/ou relutavam em incorporá-lo em função das especificidades do setor farmacêutico, de determinantes legais e sobretudo por razões de credibilidade junto a seu mercado consumidor, pois temiam comprometer a credibilidade da marca em determinados nichos de mercado e, assim, diretamente as vendas. Ainda no relatório de 2016, a Sanofi justifica com ressalvas a adoção dessa prática e sua necessidade.36 As CDMO são empresas que atendem também a outros ramos da indústria farmacêutica para fornecer serviços que vão desde o desenvolvimento até a fabricação de medicamentos. Isso permite que as principais empresas terceirizem determinados aspectos de seu interesse para ajudar a produção em escala ou permitir-lhe concentrar-se na descoberta e no marketing de medicamentos (Ernst & Young, 2017, p. 3).

Os serviços oferecidos pelas CDMO incluem pré-formulação, desenvolvimento de formulação, estudos de estabilidade, desenvolvimento de métodos, material para testes clínicos pré-clínicos e de Fase I, ensaios clínicos em estágio final, aumento de escala, registro de lotes e produção comercial e acreditação nas agências de vigilância

35 “The 40 years during which Pharmaceutical Technology has served the bio/pharmaceutical

industry have been years of momentous growth and change in the way drugs are discovered, developed, manufactured, and sold. Contract development and manufacturing organizations (CDMOs) have long played a part in the industry’s growth, but it is only in the past 20 years that they have become a critical element in bio/pharmaceutical company operations” (Miller, 2017, p. 77).

36 No Relatório de Atividades de 2016, encontramos inicialmente que a “Sanofi optou por integrar

internamente a fabricação de seus produtos para controlar melhor sua qualidade” e, em seguida, “Alguns elementos da produção são terceirizados […]. Os principais subcontratados farmacêuticos da Sanofi são a Famar, a MSD, a Unither, a Delpharm e a Saneca” (Sanofi, 2016, p. 117).

sanitária em diferentes países. As CDMO são fabricantes contratadas, mas também existe a prática de criação de empresas startups que assumem investimentos em projetos de inovação, poupando aos laboratórios determinados riscos inerentes ao desenvolvimento de novos medicamentos, que preferem comprar ou dividir a patente após o processo experimental.

Considerando a grande importância dessa nova forma contratual entre empresas no mercado farmacêutico, o sindicato patronal dos grandes laboratórios presentes no territórios francês, Les Entreprises du Médicament (LEEM), produziu em 2017 o relatório “Enjeux et perspectives des producteurs pour tiers de principes actifs et de médicaments”, para analisar exclusivamente a emergência e o rápido crescimento da produção para terceiros na participação de uma ou várias fases da fabricação de produtos fármacos, geralmente contratados por corporações, mas não apenas.

Esse “novo agente” da divisão do trabalho vem transformando profundamente o mercado farmacêutico em todo o mundo, particularmente na produção de medicamentos à base de biotecnologia, devido à novidade e ao risco que envolvem as encomendas para a produção de princípios ativos e de pesquisa aplicada no desenvolvimento de novos produtos, antes exclusivos das grandes marcas de laboratórios, as chamadas Big Pharma.

A participação da produção para terceiros no mercado farmacêutico é muito expressiva. Em 2012, o valor de medicamentos fabricados mundialmente por essa classe de empresas foi de US$ 35,4 bilhões, e em 2015 já ultrapassava os US$ 49,8 bilhões. A maior concentração está na América do Norte, com o valor da produção estimado em US$ 22,1 bilhões, seguida pela Europa Ocidental, com US$ 13,3 bilhões. Tomados em conjunto, os países do BRICS vêm em terceiro lugar, com cerca de US$ 10,1 bilhões37 (LEEM, 2017b, p. 58).

Assim, não seria exagero afirmar que uma das características mais marcantes da produção farmacêutica dos últimos 20 anos, e mais acentuadamente na última década, é a produção por contratos CDMO.

37 O relatório não dá os valores específicos do Brasil, mas a América do Sul apresenta um volume de

Considerando a lógica dos circuitos espaciais produtivos, trata-se de uma forma de expandir a cooperação capitalista que promove agentes especializados na fabricação de medicamentos permitindo homogeneizar o processo técnico-científico da produção industrial, isto é, fabricantes que nasceram para colaborar na produção em grande escala de medicamentos e com unidades produtivas em vários territórios, cujas marcas que fabricam pertencem a grandes laboratórios.

Não é incomum que uma empresa CDMO adquira uma planta industrial de uma Big Pharma para lhe fornecer a produção, garantindo exclusividade por um período determinado. Mas, se tiver capacidade produtiva ociosa, ela poderá fechar contrato com outros agentes do mercado.

Uma característica importante dessa classe de empresas é sua presença em vários países, atuando como base de fornecimento de produtos nos rigorosos padrões exigidos pelos grandes laboratórios e por sua produção tecnológica. Uma grande empresa dessa modalidade, a Fareva, está presente em 10 países, com 17 filiais. A empresa Unither comprou na França três fábricas da Sanofi, entre outras empresas, e também em outros países, como nos EUA e no Brasil. Outra empresa com presença no território francês é a Delpharm, que comprou 12 plantas industriais de grandes laboratórios farmacêuticos, a maior parte na França:

Quadro 6 – Aquisição de plantas industriais pela Delpharm

Empresa Cidade Ano

Roche Milano 2017

Takeda Novara 2016

Sanofi Dijon 2015

Pfizer Lyon 2013

Laboratoires Besins Drongenbos 2012

Bayer Gaillard 2012

Novartis Huningue 2011

Boehringer Ingelheim Reims 2008

Schering [Bayer] Lille 2006

Pharmacia [Pfizer] Evreux 2002

Syntex [Roche] Brétigny 1994

Delmas perfusion Tours 1988

A emergência dessa classe de empresas vem cumprir um importante papel na realização de uma cooperação capitalista global, facilitando a ação dos grandes laboratórios no concerto de ações produtivas globais. Assim, atualmente, há três grupos de empresas na produção farmacêutica no território francês, inclusive para biomedicamentos (Mapa 26): produção para terceiros, produção própria e produção mista, sendo que esta última considera empresas que tanto produzem medicamentos de sua própria marca como trabalham na produção de medicamentos e princípios ativos por encomenda ou como CDMO.

Mapa 26 – Distribuição das empresas produtoras de biomedicamentos no território francês

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