• Nenhum resultado encontrado

Comportamentos estimulados pela vergonha e pela antecipação da vergonha Não há consenso na literatura sobre os comportamentos estimulados pela vergonha.

Alguns autores defendem que a vergonha motiva comportamento de aproximação (De Hooge et al., 2008; Tangney et al., 1996). Outros defendem que ela estimula comportamentos de evitação (Scherer & Wallbott, 1994; Schmader & Lickel, 2006; Sheikh & Janoff-Bulman, 2010). Para De Hooge et al. (2010) e De Hooge et al. (2011) a vergonha pode estimular comportamentos tanto de aproximação quanto de evitação, dependendo da motivação do indivíduo.

Aproximação (approach) e evitação (avoidance) são duas orientações que governam o comportamento (Schmader & Lickel, 2006). Motivação de aproximação é associada a

30 comportamentos que procuram atingir um objetivo positivo (Schmader & Lickel, 2006). Motivação é entendida aqui como aquilo que energiza e direciona o comportamento. A energização e direcionamento do comportamento quando a motivação é de aproximação se relacionam a estímulos positivos, como objetivos, eventos ou possibilidades positivas (Elliot et al., 2006). Segundo o modelo hierárquico de motivação social de Elliot et al. (2006), motivos sociais de aproximação geram esperança de afiliação, que estimulam objetivos sociais de aproximação. Já a motivação de evitação é associada a comportamentos que buscam evitar perdas (Schmader & Lickel, 2006). A energização e o direcionamento do comportamento se relacionam a estímulos negativos. Os motivos sociais de evitação estimulam o medo da rejeição, que incita a adoção de objetivos sociais de afastamento (Elliot et al., 2006), como evitar falar alguma coisa que possa prejudicar o próprio indivíduo ou que possa ofender alguém.

A teoria sobre aproximação e evitação aplicada ao marketing permite a compreensão das motivações e comportamentos que a vergonha provoca no consumidor e em suas decisões de consumo. Por estar vinculada a uma atribuição global do self, a vergonha é uma experiência que pode ser dolorosa e potencialmente destrutiva. O sentimento de fracasso ou incapacidade vinculada a essa emoção gera uma percepção de que nenhuma desculpa ou reparação será capaz de remediar as inadequações do self (Sheikh & Janoff-Bulman, 2010).

Um dos motivos fundamentais do ser humano é o desejo de ter um autoconceito positivo, em especial um self social positivo, entendido aqui como o valor social ou status próprio (Kemeny, Gruenewald & Dickerson, 2004). Pessoas se comparam com outras, fazem atribuições ao seu self e reagem de forma defensiva ou assertiva para atingir e manter uma imagem positiva (De Hooge et al., 2010). A visão positiva do self tem o papel de agir contra os medos que surgem da consciência e pode funcionar como um instrumento que reflete o quanto a pessoa faz parte de um determinado grupo social. A vergonha coloca em risco a visão positiva que a pessoa tem do seu self, ou seja, seu autoconceito positivo. Portanto, emoções negativas como a vergonha sinalizam uma ameaça ou preocupação e motivam comportamentos para lidar com o problema. No caso específico da vergonha, o foco é em como lidar com a ameaça à visão positiva do self (De Hooge et al., 2011).

31 Os comportamentos incitados pela vergonha são primeira e principalmente de aproximação (De Hooge et al., 2010; De Hooge et al., 2011). A explicação para isso está na necessidade do ser humano de ter uma visão de self positiva, portanto quando a vergonha é experimentada, a motivação imediata será de restaurar o autoconceito. Essa motivação de restauração se relaciona a comportamentos de aproximação, como aceitar novos desafios, se engajar em situações orientadas a performance e ações de restauração, como justificar seu comportamento, mostrar os benefícios e as vantagens de suas decisões ou mesmo agir ou se comportar da mesma forma com o intuito de mostrar que estava certo. Por exemplo, quando um indivíduo fica envergonhado por comprar um produto falsificado, ele pode tentar se convencer e convencer os outros de que fez um bom negócio. Porém, quando parece impossível ou muito arriscado restaurar o self por comportamentos de aproximação, a vergonha motivará a proteção do self por comportamentos de evitação, como tentar esconder seu comportamento ou mudar de comportamento. Por exemplo, deixar de comprar um produto falsificado quando isso o deixa envergonhado. Essa distinção explica por que a vergonha pode motivar comportamentos tanto de aproximação quanto de evitação e esclarece a aparente contradição entre estudos anteriores (De Hooge et al., 2010; De Hooge et al., 2011).

Esse estudo foca em comportamentos de evitação, ou seja, comportamentos motivados pela restauração do self, como no caso de evitar consumir um produto falsificado. Para entender se a vergonha tem essa influência no comportamento do consumidor, duas variáveis previsoras do comportamento real foram avaliadas: intenção de compra de falsificados e atitude em relação a falsificados.

Atitude em relação a falsificados

A atitude é uma predisposição do indivíduo a agir de forma favorável ou desfavorável a alguma situação ou algum objeto (Matos et al., 2007). Teorias funcionais sugerem diversas funções psicológicas e sociais para a atitude. Entre as funções psicológicas estão a função de conhecimento, ou seja, ajudar o indivíduo a organizar e estruturar o ambiente; a função utilitária, em que o indivíduo é orientado a agir em busca de recompensas positivas, evitando punições; e a função de manter a autoestima do indivíduo. Entre as funções sociais estão a ajuda para que o indivíduo se expresse e a função de ajuste social,

32 que ajuda o indivíduo a manter relações. Se a atitude de um indivíduo é favorável a um determinado objeto, é bem provável que decida comprá-lo. Portanto, a atitude é uma importante previsora de comportamento (Wee et al., 1995). Nesse sentido, quando um indivíduo tem uma atitude positiva em relação a algum objeto com o propósito de ajuste social, ele se engaja em consumi-lo para ganhar aprovação social (Wilcox et al., 2009). Da mesma forma, quando o consumo de um determinado produto é socialmente desaprovado, pressupõe-se que a atitude em relação a ele será desfavorável, o que faz surgir H3.

H3: A antecipação da vergonha estimula uma atitude desfavorável em relação a falsificados.

Intenção de compra de produtos falsificados

A intenção de compra é entendida aqui como a disposição explícita do consumidor de comprar (Stravinskiene et al., 2013). Não diz respeito ao comportamento em si, mas à intenção de se comportar (Tangney et al., 2007). Ela captura fatores motivacionais que influenciam o comportamento e indica o quanto um indivíduo gostaria de se engajar em um determinado comportamento (Azjen, 1991). Assim como a atitude, a intenção de compra é um importante previsor do comportamento real (Matos et al., 2007), e supõe-se que quanto maior a intenção de se engajar em um comportamento, mais provável que ele se concretize (Azjen, 1991). Portanto, a intenção de compra de produtos falsificados pode ser entendida como um indicador da disposição do consumidor de comprar um bem falsificado.

Motivado pelo desejo de evitar danos ao self, o consumidor que antecipa a vergonha em um contexto de consumo de produtos falsificados será estimulado a recuar. Por exemplo, um consumidor que deseja comprar um relógio falsificado pode imaginar o que pessoas próximas a ele pensariam se soubessem que o relógio é falsificado e antecipar a vergonha que sentiria se decidisse comprar. Percebendo o dano que a decisão de comprar o produto falsificado pode ter na sua imagem positiva do self, ele se engajará em comportamentos que evitem esses danos, como reduzir a intenção de comprar o relógio falsificado. A

33 evitação pode, portanto, indicar uma mudança na disposição de comprar um produto falsificado. Com isso, tem-se a quarta hipótese:

H4: A antecipação da vergonha reduz a intenção de compra de produtos falsificados.