• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1. Novo padrão de inserção externa monetária e financeira

6. Composição dos estoques externos

Assim como no caso dos fluxos de capitais, aspectos qualitativos da composição dos estoques externos são fundamentais para compreender o padrão de inserção externa em cada período. Logo, não é conveniente utilizar-se apenas de indicadores de integração de financeira externa, que expõem o fenômeno apenas do ponto de vista quantitativo. Como ressaltado, em consonância com as demais economias emergentes, ao longo das últimas duas décadas o país

apresentou mudanças qualitativas importantes na composição dos estoques externos22. O objetivo da presente seção é, justamente, discutir os elementos relacionados à magnitude e à composição dos estoques externos ao longo desse período. Para tal, utilizam-se os dados da Posição de Investimento Internacional divulgados pelo Banco Central do Brasil, disponibilizados a partir do quarto trimestre de 2001.

Em primeiro lugar, os ativos externos, detalhados no Gráfico 8, apresentaram um crescimento significativo nos últimos anos. Os ativos externos somavam US$ 109 bilhões no início de 2002 e atingiram o patamar de US$ 900 bilhões no final de 2018, em linha com a elevação da integração financeira externa. Por trás dessa considerável expansão há dois movimento principais: a política de acúmulo de reservas internacionais entre 2006 e 2012 e um processo gradual, mas contínuo, de internacionalização de grupos brasileiros no exterior. No início de 2002, as reservas internacionais eram de apenas 35,9 bilhões, mas estavam próximas dos US$ 375 bilhões no final de 2018. Quanto aos valores, a trajetória do estoque de reservas internacionais é similar à dos investimentos diretos no exterior, que iniciaram o ano de 2002 no patamar de US$ 49,7 bilhões e terminaram 2018 em mais de US$ 400 bilhões. As categorias representam, respectivamente, 41% e 44% do ativo externo brasileiro, considerando os valores do quarto trimestre de 2018.

22 Akyüz (2014, 2017, 2019) discute as principais mudanças para as economias emergentes. Para o caso

brasileiro ver Biancarelli (2012), Biancarelli, Rosa & Vergnhanini (2017, 2018), Kaltenbrunner & Painceira (2015, 2017, 2018), Prates, Baltar & Sequetto (2013) e Cintra (2015).

Gráfico 8. Ativo externo por categoria, US$ milhões, 2001 – 2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil.

Do lado passivo externo há, além do movimento geral de expansão dos estoques em termos absolutos, mudanças relevantes em sua composição23. No início de 2002, o passivo

externo era ligeiramente inferior a US$ 400 bilhões, com pouca diferença de magnitude entre as três principais categorias: investimentos diretos no país, investimento em carteira e outros investimentos, basicamente compostos de dívida externa. No período pré-crise financeira internacional, o passivo cresceu de forma moderada, mas já com mudanças de composição. A dívida externa foi progressivamente reduzida em termos relativos, e os investimentos em carteira se tornaram crescentemente mais relevantes.

O passivo externo bruto atingiu, logo antes da crise financeira internacional de 2007/2008, o patamar de US$ 1 trilhão. Após a redução provocada pela turbulência internacional, o passivo externo voltou a crescer rapidamente entre 2009 e 2010, alcançando o valor de US$ 1,6 trilhão. Apesar de oscilar entre 2010 e 2018, não há grandes mudanças de patamar, mas de composição. As categorias investimento direto e investimento em carteira aumentaram sua participação relativa na composição do passivo externo, reduzindo, por consequência, a participação da dívida externa tradicional. A nova composição do passivo

23 Ver Prates, Baltar & Sequetto (2014), Cintra (2015), Biancarelli, Rosa & Vergnhanini (2017, 2018) sobre a

evolução da composição do passivo externo. 0 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 600.000 700.000 800.000 900.000 1.000.000 IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Ativo Investimento direto no exterior

Investimentos em carteira Derivativos financeiros (exceto reservas) Outros investimentos Ativos de reservas

externo permitiu também uma mudança na denominação monetária, com o aumento dos compromissos denominados em moeda doméstica (vide Gráfico 9).

Gráfico 9. Passivo externo por categoria, US$ milhões, 1999 – 2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil.

Outro conceito de compromissos externos, a dívida externa tradicional – também denominada de dívida externa nível I, composta basicamente por empréstimos externos, créditos comerciais e títulos de renda fixa emitidos no exterior –, apresentou um crescimento significativo entre 2009 e 2011, passando de US$ 200 bilhões para US$ 320 bilhões no final de 2018. O crescimento é ainda superior caso se considerem as operações intercompanhia (nível II) e os títulos de dívida emitidos no país em posse de investidores não residentes (nível III). Nesse caso, a dívida externa total passou de um pouco mais de US$ 200 bilhões em 2002 para US$ 650 bilhões em 2018 (vide Gráfico 10).

0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.000 1.200.000 1.400.000 1.600.000 1.800.000 IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Passivo Investimento direto no país

Investimentos em carteira Derivativos financeiros (exceto reservas) Outros investimentos

Gráfico 10. Dívida externa, US$ milhões, 2001 – 2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil.

Em termos da dívida externa tradicional, a expansão ocorreu nos segmentos privados do setor bancário e do setor não financeiro. Em termos da composição monetária, a participação relativa dos compromissos denominados em dólar norte-americano, ao longo de todo o período, oscilou entre 72% e 87%. Os compromissos denominados na moeda doméstica apresentaram, ao final de 2018, apenas 5% do total. A dívida externa de empresas não financeiras, que era inferior ao US$ 50 bilhões em 2005, passou a oscilar entre US$ 100 e US$ 120 bilhões a partir de 2012. O movimento mais importante, o crescimento no período no imediato pós-crise, foi liderado pelos empréstimos de longo prazo.

Em termos de composição, a dívida externa no nível I de empresas não financeiras é absolutamente concentrada em compromissos de longo prazo, sendo a maioria empréstimos, mas com uma participação não desprezível de títulos de dívida emitidos no exterior. Os bancos também ampliaram o endividamento externo no período em análise, principalmente a partir de 2010. Enquanto o patamar pré-crise era inferior a US$ 80 bilhões, entre 2010 e 2016 esteve próximo aos US$ 140 bilhões. Contudo, há uma redução dos estoques em 2018 para US$ 100 bilhões. Em termos de composição, há prevalência de empréstimos e títulos de dívida de longo prazo, embora os compromissos de curto prazo não sejam desprezíveis (vide Gráfico 11). 0 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 600.000 700.000 800.000 IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Gráfico 11. Dívida externa tradicional por setor devedor, US$ milhões, 2001- 2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil.

Contudo, trabalhos recentes do BIS têm destacado uma nova modalidade de captação externa de recursos por meio de subsidiárias offshore. A princípio, as captações de recursos por meio de subsidiárias offshore não constam nas estatísticas de dívida externa tradicionais, pois essas seguem o princípio da residência, o que impossibilita a analisar os compromissos externos na dimensão da nacionalidade. O International debt secutiries (IDS), publicado pelo

Bank of International Settlements (BIS), por outro lado, reúne informações sobre a emissão de

títulos de dívida no exterior, ou seja, fora da localidade do emissor, considerando os critérios de nacionalidade, país sede da matriz do emissor, e de residência, local de atuação do emissor. Essa distinção permite captar o endividamento externo de subsidiárias offshore, ainda que de forma aproximada.

Para o caso das empresas não financeiras, nota-se, por meio do critério de residência, uma vertiginosa ascensão no período pós-crise, triplicando de valor entre 2009 e 2012, estabilizando-se no patamar de US$ 35 bilhões. Em termos da composição monetária, a participação da moeda doméstica é marginal, sendo o estoque basicamente composto por compromissos denominados em moedas estrangerias, sobretudo o dólar norte-americano (vide Gráfico 12). 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000 400.000 IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV II IV 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Famílias e instituições sem fins lucrativos Empresas não financeiras

Empresas financeiras não bancárias Bancos Banco Central Governo Setor público Setor privado

Gráfico 12. International debt securities, empresas não financeiras com residência no Brasil, por moeda de denominação, US$ milhões, 1999-2018

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do BIS, Debt securities statistics.

Todavia, é possível analisar também a dinâmica do endividamento externo via emissão de títulos por empresas de nacionalidade brasileira. Nessa categoria, o endividamento externo é consideravelmente superior ao registrado no princípio de residência, atingindo, em 2013, US$ 150 bilhões, sendo a maioria denominada em moeda estrangeira. Destaca-se também que a mudança de patamar do endividamento externo ocorreu no imediato pós-crise financeira internacional (vide Gráfico 13). Obviamente, há uma dupla contagem entre as duas estatísticas, pois há empresas que aparecem em ambas devido ao fato de serem simultaneamente residentes e nacionais. Contudo, a diferença entre elas deriva de empresas de nacionalidade brasileira, mas sem residência no país, como é o caso das subsidiárias offshore.

0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 40.000

I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Gráfico 13. International debt securities, empresas não financeiras com nacionalidade brasileira, por moeda de denominação, US$ milhões, 1999-2018

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do BIS, Debt securities statistics.

No caso do setor bancário, grande parte desse movimento decorre dos bancos privados. No conceito residência, o estoque de títulos de dívida negociados nos mercados internacionais chegou a US$ 40 bilhões, mas reduziu-se para menos de US$ 30 bilhões nos últimos anos. No conceito nacionalidade, o estoque ultrapassou os US$ 80 bilhões no período de auge, mas nos últimos anos esteve no patamar de US$ 60 bilhões. Os valores são relevantes, quando considerado o estoque de dívida externa dos bancos privados (vide Gráficos 14 e 15). 0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000

I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Gráfico 14. International debt securities, bancos com residência no Brasil, controle de capital e moeda de denominação, US$ milhões, 1999 – 2018

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do BIS, Debt securities statistics.

Gráfico 15. International debt securities, bancos com nacionalidade brasileira por controle de capital, US$ milhões, 1999 – 2018

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do BIS, Debt securities statistics.

As captações externas por parte de subsidiárias offshore não estão presentes nas estatísticas oficiais de dívida externa, que operam no conceito de residência. Entretanto, os recursos externos captados por subsidiárias offshore de empresas brasileiras tendem a retornar

0 5.000 10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 40.000 45.000 50.000

I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

Banco públicos - moeda estrangeira Bancos públicos - moeda doméstica Bancos privados - moeda estrangeira Bancos privados - moeda doméstica

0 10.000 20.000 30.000 40.000 50.000 60.000 70.000 80.000 90.000 100.000

I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III I III 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018

ao país via empréstimos intercompanhia, mais precisamente, via investimento reverso, como descreve Rezende (2016). Os dados de fluxos de capitais na categoria de operações intercompanhia permitem a distinção entre operações de matrizes no exterior e filiais no país, e os investimentos reversos, em que uma filial no exterior envia recursos para uma matriz no país (vide Gráfico 16).

Gráfico 16. Conta Financeira, operações intercompanhia por categoria, US$ milhões, 2001-2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados do Banco Central do Brasil.

O estoque estimado de captação externa por meio de subsidiárias é de aproximadamente US$ 120 bilhões, estimado a partir da diferença de estoques entre nacionais e residentes. Por sua vez, o influxo líquido de investimentos reversos entre 2007 e 2018 é da ordem de US$ 145 bilhões, enquanto o influxo bruto é superior a US$ 215 bilhões. Nota-se, ademais, que os fluxos de investimento reverso se intensificam no pós-crise financeira de 2008, no mesmo período em que se intensifica o endividamento externo via subsidiárias no exterior. Os dados reforçam a hipótese do retorno dos recursos ao país via operações intercompanhia, como apontam Biancarelli, Rosa & Vergnhanini (2017). Logo, se a maior parte dos recursos captados por subsidiárias é enviada ao país via operações intercompanhia, a análise da dívida externa no nível II já é suficiente para captar essa dimensão do endividamento. -15.000 -5.000 5.000 15.000 25.000 35.000 45.000 55.000

jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul jan jul

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 Operações entre empresas irmãs Filiais no exterior a matrizes no Brasil Matrizes no exterior a filiais no Brasil