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Capítulo 3 Ciclo financeiro externo e ciclo de crescimento na economia brasileira

3. Crescimento econômico brasileiro entre 1999 e 2018

Uma vez discutidos os elementos teóricos da Macroeconomia Financeira na Periferia, o próximo passo, e um dos objetivos deste trabalho, é verificar a ocorrência de um ciclo reflexo na economia brasileira e apontar seus principais mecanismos de transmissão. Contudo, antes do início efetivo da análise da economia brasileira, convém discutir, ainda que de forma breve, o desempenho macroeconômico brasileiro no período em análise.

Entre 1999 e 2018, o crescimento do PIB brasileiro foi fraco e volátil, podendo ser caracterizado como um padrão de crescimento à la stop & go (vide Tabela 42). Esse período registrou um crescimento anual médio de 2,4%, enquanto períodos de mesma duração, como os intervalos entre 1979 e 1998, e 1959 e 1978 apresentaram, respectivamente, taxas de crescimento anual médio de 2,7% e 7,6%. O crescimento anual médio do período entre 1999 e 2018 é também inferior ao registrado na década 1980, denominada de “a década perdida”. Os anos 1980 apresentaram um crescimento anual médio de 3,0%, já bem inferior aos 8,8% da década de 1970. Na década de 1990, o crescimento foi de apenas 1,8%, contra 3,4% na primeira década do século XXI e 1,4% entre 2010 e 2018.

Tabela 42. Produto Interno Bruto, taxa de variação real no ano, 1999 - 2018

Ano % Ano % 1999 0,5 2009 -0,1 2000 4,4 2010 7,5 2001 1,4 2011 4,0 2002 3,1 2012 1,9 2003 1,1 2013 3,0 2004 5,8 2014 0,5 2005 3,2 2015 -3,6 2006 4,0 2016 -3,3 2007 6,1 2017 1,3 2008 5,1 2018 1,3 Fonte: Elaboração própria a partir de dados do IBGE.

Contudo, a média do período esconde a volatilidade do desempenho da economia brasileira no período em tela. É possível, portanto, identificar cinco subperíodos. Entre 1999 e 2003, o crescimento médio foi baixo, apenas 2,1%. Por outro lado, entre 2004 e 2008, o Brasil experimentou o maior ciclo de crescimento econômico desde a década de 1970, com um crescimento anual médio de 4,8%. Estendendo o ciclo até 2010, e assim incorporando o decrescimento de 2009 em virtude da crise financeira internacional de 2007/2008 e a recuperação no ano seguinte, o crescimento anual é apenas ligeiramente inferior, de 4,5%.

Todavia, se há um período de dinamismo, há também uma das maiores – senão, a maior – crise da economia brasileira. A desaceleração do período entre 2011 e 2014 converteu-se em depressão nos anos seguintes, com resultados negativos nos anos de 2015 e 2016. Nos anos seguintes, o país retornou ao crescimento, porém muito tímido e abaixo da média do período.

Como evidenciado pelos dados, o primeiro subperíodo, entre 1999 e 2003, é de baixo dinamismo. A adoção do novo regime cambial em 1999 ocorreu no contexto de uma crise aguda no balanço de pagamentos, na qual foi inevitável a desvalorização da moeda doméstica em virtude da crise externa e da perda acentuada de reservas internacionais. A restrição monetária, no contexto do Regime de Metas de Inflação, e o ajuste fiscal, em linha com a política de superávit primário, contribuíram para o baixo crescimento.

O crescimento econômico é retomado na economia brasileira no subperíodo seguinte. Inicia-se em 2004 e se estende até 2010, um período de crescimento econômico denominado de a Breve Era de Ouro por Serrano & Summa (2018). Embora haja discordâncias na literatura acerca da importância relativa de cada componente para explicar a trajetória de crescimento, há um relativo consenso quanto à exposição dos fatores. Em primeiro lugar, a importância das condições externas para o crescimento econômico. Segundo Medeiros (2015), “o relaxamento da restrição externa decorrente da demanda de commodities, da mudança nos termos de troca e da liquidez internacional viabilizou no país – como em geral nos países exportadores de commodities – maior crescimento e redução da pobreza e das desigualdades da renda” (p. 168). Logo, não apenas as exportações como fonte de demanda e geração de divisas83, mas a liquidez internacional, impactariam o crescimento de forma

indireta, via atenuação da restrição externa.

A demanda externa, por meio do dinamismo exportador, contribuiu para o crescimento do período, contudo, a demanda interna assumiu o protagonismo ao longo do ciclo de expansão (BIACARELLI, 2014; CARNEIRO, 2017). De acordo com Serrano & Summa (2012 e 2015), ao lado do papel central das melhores condições do cenário externo, uma ligeira mudança na orientação da política econômica contribuiu para a aceleração da taxa de crescimento. A política fiscal adotou uma postura de estímulo à demanda, inclusive com a retomada de investimentos públicos e de empresas estatais. O período de dinamismo registrou

83 Segundo Medeiros e Serrano (2001), as exportações possuem um duplo papel para o crescimento econômico.

Em primeiro lugar, como um componente autônomo da demanda, são fontes de crescimento econômico via impactos diretos na demanda efetiva. Em segundo lugar, significam uma fonte de geração de divisas que permitem o relaxamento da restrição externa.

também a expansão de investimentos em construção e no investimento residencial. O investimento privado em máquinas e equipamentos de caráter predominantemente induzido, por sua vez, respondeu ao aumento da renda, crescendo a taxas superiores ao crescimento da demanda.

Entretanto, o principal componente da demanda interna nesse ciclo de crescimento foi o consumo das famílias ou, nos termos de Bielschowsky (2014), a emergência do consumo de massa. Uma gama de fatores contribuiu para o dinamismo do consumo: melhoras no mercado de trabalho como formalização e redução do desemprego, queda da desigualdade, aumento da renda disponível e do acesso ao crédito. Por um lado, os melhores resultados no mercado de trabalho, as políticas sociais, previdenciárias e de transferência de renda, e a valorização do salário mínimo possibilitam a queda da desigualdade, ao menos aquela auferida pelo índice de Gini, a redução da pobreza e extrema pobreza, e o aumento da renda disponível das famílias. Por outro lado, o acesso facilitado ao crédito, inclusive a introdução do crédito consignado, permitiu o crescimento do consumo financiado por dívida (SERRANO & SUMMA, 2012 e 2015; BIELSCHOWSKY, 2014; BIANCARELLI, 2014; MALDONADO FILHO, FERRARI FILHO & MILAN, 2016; MELLO & ROSSI, 2016). Por fim, mas não menos importante, a valorização cambial contribui para a expansão do consumo via controle da inflação e o aumento do salário real (SERRANO & SUMMA, 2012 e 2015a; CARNEIRO, 2017).

Contudo, o subperíodo seguinte, entre os anos 2011 e 2014, foi de intensa desaceleração econômica. Para Serrano e Summa (2012, 2015a), se por um lado a Breve Era

de Ouro era resultado da melhora do setor externo associado a uma contribuição, de menor

importância, da política econômica, a desaceleração do crescimento nos anos subsequentes seria resultado de políticas econômicas domésticas, e não de mudanças no cenário externo84. Segundo os autores, a fragilidade financeira externa e a dinâmica da liquidez internacional não explicariam o fraco desempenho da economia brasileira. O impacto das condições externas seria restrito à perda de dinamismo das exportações, mas seria insuficiente para explicar toda a desaceleração do crescimento registrado no período.

Ademais, as mudança de política econômica ocorreram mesmo na ausência de constrangimentos advindos do setor externo e seriam as principais responsáveis pela

84 Nas palavras dos autores, “Brazil’s economic slowdown since 2011 can be explained by the lower rate of growth of the domestic components of demand, and that these lower rates of growth of domestic demand are mainly the result of changes in the orientation of macroeconomic policy, more than due to changes in external trade or financial conditions” (SERRANO & SUMMA, 2015, p. 827).

desaceleração da taxa de crescimento. Houve uma decisão do governo de reorientar o padrão de crescimento, que passaria a ser liderado pelas exportações e pelo o investimento privado autônomo, reduzindo a participação dos gastos públicos. Em 2011, o governo adotou uma política contracionista, com aumento da taxa básica de juros, retração dos gastos públicos e medidas macroprudenciais para conter o avanço do crédito. Em um segundo momento, o governo apostou na redução da taxa de juros, desvalorização e maior controle sobre a taxa de câmbio e isenções fiscais como estímulo ao investimento privado, a partir de uma estratégia industrialista. Ainda que capazes de ampliar a rentabilidade das empresas, as medidas, entretanto, não surtiram efeitos em termos de retomar o crescimento econômico (SERRANO & SUMMA, 2015a; BIANCARELLI, 2014).

Mello & Rossi (2016) e Carneiro (2017), contudo, questionam a tese de que a política econômica seja a única responsável pela desaceleração da economia brasileira no período. Mesmo que reconheça os equívocos, bem como os acertos, na gestão macroeconômica do período, Carneiro (2017) ressalta que elementos cíclicos e estruturais são componentes centrais para compreender a dinâmica brasileira no período. Quanto aos aspectos cíclicos, destaca, sobretudo, o esgotamento do crescimento do consumo das famílias no padrão anterior. A queda da velocidade na melhoria da distribuição de renda, a impossibilidade de manter a taxa de câmbio valorizada em virtude da piora do cenário externo e da política de incentivo à indústria, e o limite imposto pelo endividamento das famílias impuseram restrições ao modelo de crescimento do período anterior.

Em termos dos limites estruturais, o autor pondera que, na esfera financeira, o elevado grau de abertura reforça a influência do ciclo de liquidez como determinante do ciclo doméstico, por meio da influência no crédito, nos preços dos ativos, na taxa de câmbio e na taxa de juros. Na esfera produtiva, a desarticulação das cadeias e aumento do coeficiente de importação, inclusive de insumos industriais, promovem o vazamento de demanda e reduzem o papel do acelerador no investimento induzido. Os limites estruturais, manifestações do caráter periférico da economia brasileira, seriam sempre condicionantes das opções de política econômica e do padrão de crescimento (MELLO & ROSSI, 2016; CARNEIRO, 2017).

A desaceleração do crescimento entre 2011 e 2014 converteu uma forte depressão no subperíodo seguinte. Segundo Mello & Rossi (2016), a recessão de 2015 e 2016 não seria explicada nem pelos erros de política econômica do período entre 2011 e 2014, e nem pelos entraves estruturais do subdesenvolvimento. A recessão seria o resultado do conjunto de

políticas econômicas recessivas, como a forte contração fiscal, o aumento da taxa básica de juros, a desvalorização cambial e o aumento dos preços administrados, em uma economia que já estava em trajetória de desaceleração.

A mudança na orientação da política econômica, segundo Serrano & Summa (2018), teve o objetivo de reverter a tendência de crescimento dos salários reais acima da produtividade. O “crescimento socialmente inclusivo”, como denominam os autores, acirrou o conflito distributivo e sua resolução a favor do capital ocorreu por meio da adoção de políticas contracionistas, por pressão da classe capitalista. Por fim, após dois anos de recessão, o crescimento voltou ao campo positivo em 2017 e 2018, mas ainda em patamares muito baixos e inferiores à média do período de 1999 e 2018.

Essa breve descrição do desempenho macroeconômico brasileiro evidencia, em primeiro lugar, o caráter volátil do crescimento brasileiro entre 1999 e 2018, ou, como descrito, o movimento de stop & go. Em cada um dos períodos, fatores externos e a política econômica foram utilizados como variáveis explicativas da dinâmica brasileira. Como destacado desde a introdução, a partir de 2003, o Brasil não enfrentou uma crise externa clássica, nem mesmo com a crise financeira internacional de 2007/2008. A recessão de 2015 e 2016 tão pouco é resultado de crise externa aguda e da necessidade eminente de promover um ajuste externo. Entretanto, como destacado nos capítulos anteriores, o Brasil aprofundou sua inserção externa na dimensão monetária e financeira, assim como as finanças domésticas apresentaram um movimento próximo ao ciclo financeiro externo. A questão que emerge, a partir da análise de Biancarelli, Rosa & Vergnhanini (2017, 2018), é a possibilidade da prevalência de canais diretos pelos quais as finanças internacionais possam condicionar o ciclo econômico brasileiro. As próximas seções analisam essa hipótese.