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6. APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

6.2. METODOLOGIA NA PESQUISA: MÉTODOS DESCRITIVOS E TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE

6.2.1. Composição do grupo estudado

Tendo em vista o recorte da pesquisa, é evidente a escolha da classe como principal critério para composição do grupo a ser estudado. A categorização de sujeitos em suas respectivas classes, no entanto, não é tarefa simples e pode ser estabelecida a partir de diferentes vieses. No caso da nova classe trabalhadora, a sua própria definição é fruto de tensionamentos de perspectivas econômicas/governamentais e sociológicas, que podem ser complementares ou antagônicas. Desse modo, optou-se por adotar uma combinação de parâmetros que ajudassem a classificar as mulheres do grupo estudado como membros da nova classe trabalhadora: a ocupação, a renda familiar e os marcadores de estilo de vida das camadas médias brasileiras.

O parâmetro inicial para a categorização da classe das informantes foi a ocupação do membro melhor situado na estratificação individual, que pode ou não ser o chefe de família (QUADROS, 2008). Assim, nos critérios de Waldir Quadros, o grupo estudado é composto por mulheres cuja profissão (dela e do marido) se enquadra entre os trabalhadores assalariados ou autônomos da baixa classe média. Para Quadros e Maia (2010, p. 450), o parâmetro ocupacional é relevante, pois sinaliza fatores importantes nas relações sociais, sendo associadas a expectativas e demandas da vida dos indivíduos, além de interferir em fatores como prestígio, status e relações de poder.

Como segundo aspecto observado, lembramos que a construção do conceito “nova classe média” por parte de instituições governamentais e de mercado para caracterizar a nova classe trabalhadora é parte importante dos tensionamentos que motivaram esta pesquisa. Assim, apesar de entendermos que a renda não é um critério que possa ser usado isoladamente para caracterizar uma classe social (tal como sugerem os dados publicados sobre a “nova classe média”), consideramos relevante que o grupo estudado se enquadrasse na faixa de renda utilizada por Neri (2008). Assim, seria possível estabelecer comparações mais precisas entre a realidade observada no campo e os dados circulantes no discurso hegemônico sobre quem são as mulheres da nova classe trabalhadora.

Por fim, utilizamos os marcadores propostos por Uchôa e Kerstenetzky (2012), que observam dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 (POF-IBGE), para

caracterizar a classe social conforme o estilo de vida. As autoras sintetizam padrões que indicam o estilo de vida da classe média urbana brasileira e, no caso da nova classe trabalhadora, caracteriza-se pela falta de acesso ou o acesso limitado a estes parâmetros. Assim, para localizar as informantes na fração de nova classe trabalhadora, observamo-las a partir dos seguintes critérios: a. casa própria com padrões elevados de habitação50; b. acesso a crédito por parte do chefe do domicílio (considerados a partir do cheque especial e cartões de crédito); c. chefe do domicílio com formação superior; d. demanda privada por bens providos pelo Estado (como educação privada dos filhos e plano de saúde).

No que diz respeito ao número de informantes, tendo em vista o caráter qualitativo da pesquisa, entende-se que a composição do grupo se deve mais à significação e à capacidade que as fontes têm de dar informações relevantes sobre o tema, que, propriamente, à representatividade estatística do grupo em comparação ao seu universo (DUARTE J., 2011, p. 68). Assim, para uma abordagem em profundidade, entende-se que um número restrito de informantes pode ser suficiente, desde que seja possível fazer a coleta dos dados com a densidade necessária.

Assim, temos um grupo formado por sete mulheres entre 30 e 45 anos, trabalhadoras de diferentes áreas, a maior parte casada e com filhos, todas residentes na cidade de Santa Maria há pelo menos 10 anos. Embora as mulheres do grupo estudado estejam dentro da faixa de renda em que o governo brasileiro situa a “nova classe média”, é preciso considerar que há uma variação da realidade vivida entre famílias que recebem em torno de R$1500 mensais, daquelas que tem renda por volta de R$ 6900,0051. Esta variação na renda se reflete nos demais parâmetros que marcam o estilo de vida e, por consequência, diferenciam o acesso aos meios de comunicação e padrões de consumo. Isso ajuda a demonstrar o quanto a categorização em classes sociais é um exercício de alguma complexidade, que exige do

50As condições de moradia são avaliadas conforme algumas variáveis que interferem diretamente no estilo de

vida. Ou seja, não é suficiente que o indivíduo tenha casa própria, as condições da moradia também devem ser observadas. São parâmetros para observar a caracterização da classe média urbana brasileira: o adensamento de moradores por dormitório (até 2 moradores/dormitório), nº de banheiros (mínimo dois), material da construção predominante (alvenaria, madeira, laje, cerâmica), serviços disponíveis na moradia (iluminação pública, saneamento, coleta de lixo, fornecimento de energia, acesso a transporte público e educação, limpeza e manutenção de rua).

51Conforme explicitado na introdução da tese, este valor foi alcançado a partir da atualização do parâmetro

utilizado em 2013 por Uchôa, Kerstenetzky e Silva, que apontava a renda desta camada entre R$ 1.343,00 e R$ 5.971,00. Convertendo em salários mínimos daquele ano (2013), temos a renda familiar da nova classe trabalhadora variando entre 1,98 a 8,8 salários mínimos, o que, em 2015, corresponde à faixa de R$ 1560,24 a R$ 6934,00.

pesquisador uma vigilância constante52. Dito isso, os dados socioeconômicos que caracterizam as participantes podem ser observados no quadro abaixo:

Quadro 9: Dados sociodemográficos do grupo estudado

Maria Débora Clara Lia Miriam Dulce Carolina

Idade 38 39 40 30 41 45 40

Estado civil Divor- ciada

Casada Casada União estável

Casada Casada União estável

Profissão Babá Doméstica Comerci- ante Prof.Ed. Infantil Ag.penitenciá- ria/ depiladora Manicure Revendedora autônoma Profissão marido Motoris- ta (ex) Caminho- neiro Comerci- ante Solda- dor Segurança Árbitro de futebol Comerciante Renda familiar53 2-4 SM 3-5 SM 3-5 SM 4-6 SM 4-6 SM 6-8 SM 6-8 SM Filhos 2 1 1 0 1 2 2 Escolaridade 54 EF EF EM incomp. PG ES incomp. EM EF Educação privada Bolsa (filha)

Não Não Não Não Não Não

Padrão da habitação

Não Não Não Não Não Sim Sim

Acesso a crédito

Não Não Não Não Sim Sim Não

Plano de saúde

Não Não Não Sim Não Parcial Parcial

Fonte: Elaboração própria

O contato com as informantes se deu por acessibilidade: ou eram conhecidas da pesquisadora ou foram indicadas por colegas e amigos próximos. Na formação do grupo, além do atendimento aos critérios acima mencionados e da disponibilidade em participar (tendo em

52Um exemplo significativo da fragilidade do critério da renda e a respectiva vigilância da pesquisa deve ser

pontuado aqui. Durante o processo de coleta de dados, trabalhou-se inicialmente com 8 informantes. Foram aplicados todos os instrumentos e transcritas as entrevistas. Até aquele momento utilizávamos como critérios de categorização a ocupação e a renda. Ao iniciar o processo de análise, percebeu-se que uma das entrevistadas apresentava diferenças significativas especialmente vinculadas ao capital cultural, social e simbólico. A sua trajetória de vida, a formação escolar e as relações sociais lhes proporcionavam perspectivas sociais e construções simbólicas diferenciadas em comparação com as demais entrevistadas. Ao aplicar o critério dos marcadores de estilo de vida (UCHÔA; KERSTENETZKY; SILVA, 2013), a referida informante se enquadrava na classe média e não na classe trabalhadora – o que, em certa medida, explicava a diferença percebida empiricamente. Como a categorização da classe desta informante não ficou suficientemente clara (ora o engendramento de seus capitais sugeria um habitus de classe média, ora de classe popular), optou-se por não a manter entre as informantes o grupo estudado. Tendo em vista que o volume de informações que havia sido coletado nas demais observações já era considerado suficiente, manteve-se o grupo estudado com sete participantes. O relato sobre o fato, neste momento, tem antes de tudo a intenção de colaborar com as reflexões de outros estudos sobre os desafios da pesquisa no que diz respeito à categorização dos sujeitos conforme as classes sociais.

53As faixas de renda foram divididas conforme o salário mínimo vigente no Brasil no ano de 2015 (R$ 788). 2-4

Salários mínimos (R$ 1576 a R$ 3152), 3-5 salários mínimos (R$ 2.364 a R$ 3.940); 4-6 Salários mínimos (R$ 3152 a R$ 4728); 6-8 Salários mínimos (R$ 4728 a R$ 6304).

54Legendas: EF (Ensino Fundamental); EM (Ensino Médio); ES (Ensino Superior) PG (Pós-Graduação –

vista que as técnicas propostas implicariam vários encontros), buscou-se agrupar mulheres com uma faixa etária não muito distinta, inseridas no mercado de trabalho e com experiência semelhante nos cuidados domésticos – considerados pela vivência do matrimônio e/ou da maternidade.