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6. APORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

6.2. METODOLOGIA NA PESQUISA: MÉTODOS DESCRITIVOS E TÉCNICAS DE COLETA E ANÁLISE

6.2.4. Fase interpretativa: sistematização e análise dos dados

Na fase interpretativa dos dados, é possível subdividir o trabalho em dois momentos. O primeiro refere-se à sistematização dos dados em suporte digital específico e a posterior construção de esquemas de percepção e análise conforme os eixos teóricos. A segunda refere- se especificamente à interpretação dos dados coletados na assistência compartilhada dos comerciais, a partir do modelo Encoding/Decoding, de Stuart Hall.

Os dados coletados nas entrevistas foram transcritos e, posteriormente, incorporados em um software de análise qualitativa de dados, o NVivo 10. Apesar do uso recente deste recurso nas pesquisas em Comunicação no Brasil65, e guardada a necessidade de uma permanente vigilância ao uso do software como uma ferramenta tecnológica que, como tal, implica desdobramentos66 que precisam ser considerados pelo pesquisador, é possível afirmar que sua contribuição facilita, sistematiza e qualifica a análise dos dados coletados.

Em nossa pesquisa, tendo em vista o volume de texto transcrito, a partir do recurso do NVivo10, tornou-se possível organizar os dados das entrevistas conforme dois parâmetros: a fonte e a informação. Isto permitiu traçar cruzamentos que auxiliassem a localizar, por exemplo, o que uma informante declarou sobre determinado assunto em várias entrevistas ou

65 Segundo Grijó (2014, p. 467),os relatos de utilização do NVivo são mais presentes nos cursos de

Administração, Saúde e Ciências Sociais. “Nas pesquisas em Comunicação, a utilização desse programa ainda ocorre de forma limitada e sem grandes reflexões sobre as contribuições metodológicas para a construção da pesquisa”

66 No que diz respeito ao uso dos CAQDAS (Computer-aidedqualitative data analysis software), Grijó (2014)

pontua aspectos negativos e vantagens observadas por ele e citadas por outros pesquisadores. Entre os aspectos negativos, estão o excesso de codificação, o distanciamento do contexto original da análise, a redução do material de campo e consequente perda do contato com fontes e o comprometimento da análise em profundidade. Entretanto, o autor defende ser possível trabalhar uma postura de vigilância durante o percurso da pesquisa, a fim de se evitar os percalços citados e otimizar o trabalho a partir das vantagens elencadas através do uso dos CAQDAS: maior controle do processo de pesquisa; cruzamento de dados oriundos de diferentes técnicas em diferentes suportes (texto, áudio, imagem e vídeo); documentação de forma mais segura da análise dos dados; otimização do tempo para tarefas críticas e analíticas e criação de mapas conceituais a partir dos cruzamentos de dados.

aproximar as opiniões de diferentes mulheres sobre um tema em específico para um agrupamento ou comparação.

Cada pergunta dos instrumentos de entrevista foi indexada no software conforme sua aproximação com os eixos de estruturação e análise do objeto: capital social, econômico, cultural, simbólico, trabalho feminino e recepção e consumo da publicidade. Estes eixos, por sua vez, foram subdivididos em novos codificadores (denominados “nós”67) conforme se

agrupavam os temas abordados nas perguntas. Esta sistematização permitiu uma observação dos dados empíricos à luz da teoria proposta, bem como possibilitou agrupar, cruzar e comparar os depoimentos segundo as temáticas.

A organização dos dados de acordo com os eixos e seus desdobramentos possibilitou a visualização de oito esquemas que favoreceram a percepção da abrangência alcançada empiricamente e sua respectiva relação com a teoria. A partir destes esquemas, tornou-se possível sistematizar e selecionar os dados mais relevantes para a escrita e perceber as conexões entre as diferentes teorias na interpretação do objeto.

É importante perceber que a abrangência da coleta, observada pela dimensão das matrizes, não pressupõe necessariamente a abordagem de todos os itens na escrita interpretativa. Os dados, no entanto, estão lá, disponíveis para relacionar-se com a teoria no momento da escrita. Nesse sentido, é importante pensar que a escrita é, em si, um processo interpretativo, pois é durante a “redação de um texto que nosso pensamento caminha, encontrando soluções que dificilmente aparecerão antes da textualização dos dados provenientes da observação sistemática” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 32). Assim, tendo em vista que é no próprio exercício da escrita (e nunca antes) que as reflexões e conclusões sobre a observação acontecem (ibidem), consideramos pertinente contar com a densidade e abrangência dos dados coletados de forma sistematizada para que fosse possível selecionar e analisar o caminho mais pertinente para a interpretação.

Em uma reflexão semelhante, ao pesquisar sobre as práticas sociais, Bourdieu (2005, p. 204) fala da importância da abrangência dos dados. Para o autor, no exercício do campo, é necessário falar com os sujeitos mais de estratégias do que de regras, isto é, “construir o objeto de outro modo, logo, interrogar os informantes de outros modos e analisar de outro modo suas práticas”. Ou seja, é preciso perceber a complexidade do todo para enxergar o

67Na lógica do programa, a codificação é feita a partir dos “nós” – estrutura para armazenamento de informações

indexadas pelo usuário conforme temáticas/categorias criadas pelo autor, de acordo com os objetivos da pesquisa (GRIJÓ, 2014). Os nós podem ser organizados hierarquicamente, conforme necessidade do usuário e, uma vez articuladas as fontes, permitem cruzamentos, sínteses, buscas e gráficos que auxiliam no processo de interpretação dos dados.

objeto. Portanto, para que nos apropriemos teoricamente e metodologicamente da proposta de Boudieu, é importante que o leque de informações seja o mais amplo possível, de modo que a articulação do habitus, suas estratégias sejam percebidas, como apontamos no início, naquilo “que é invariante, na estrutura, na variante observada”.

Apresentamos, portanto, os esquemas de construção e interpretação dos dados na seguinte ordem: capital econômico, capital cultural, capital social, capital simbólico, representações do trabalho e recepção e consumo da publicidade.

A segunda etapa da fase interpretativa diz respeito à análise dos dados coletados na assistência compartilhada dos comerciais. Ao analisar a perspectiva das mediações de Jesús Martín-Barbero, Veneza Ronsini (2010, p. 13) defende a apreensão da totalidade do fenômeno da recepção – o que pressupõe “considerar textos, suas leituras e modos de vê-los para compreender, concretamente, a reprodução e a contestação do poder político e hegemônico [...] a partir das relações sociais e culturais nas quais os receptores estão inseridos”. Adaptando a proposta de Ronsini (2010, p. 11) para refletir as mediações comunicativas na recepção, analisamos os anúncios, campanhas e seus usos, de acordo com seleção feita pelas informantes, sendo considerado, portanto, a circulação desta comunicação no tempo e espaço das receptoras. Desse modo, seguimos a proposta de Ronsini (2011) de utilizar o modelo Encoding/Decoding de Stuart Hall. Ao articular produção (codificação) e recepção (decodificação) da mensagem, o autor identifica os sentidos preferenciais do texto - que estão diretamente vinculados ao discurso hegemônico, uma vez que têm embutidos toda a ordem social enquanto conjunto de significados, crenças e práticas (HALL, 2009, p. 374).

Hall (ibidem, 377-379) faz uma ressalva ao afirmar que estes sentidos são dominantes, mas não determinantes - o que implica considerar diferentes possibilidades de decodificação de uma mesma mensagem: a hegemônica/dominante, a negociada e a opositiva. Na posição dominante, a decodificação dá-se nos termos do código referencial no qual ela foi codificada. A decodificação negociada contém elementos de adaptação e de oposição ao discurso hegemônico. Já na oposição, o receptor destotaliza a mensagem do código preferencial para retotalizá-la em outro referencial, decodificando a mensagem de maneira globalmente contrária.

Ao propor a utilização do modelo teórico-metodológico de Hall, Ronsini (2011) considera a relevância de compreender o processo da recepção tanto a partir do contexto e das decodificações dos receptores quanto através da observação da operação hegemônica na codificação dos discursos midiáticos. Isso demonstra a importância de resgatar para os estudos de recepção a preocupação com o exercício do poder na própria codificação (o que diz respeito diretamente ao trabalho de análise dos modos pelos quais estes sujeitos irão se relacionar com os textos). Para Ronsini, contudo, o modelo de Hall precisa ser revisto, em alguns aspectos, em sua aplicação nos estudos de recepção:

[...] o modelo necessita ser reconfigurado com vistas a analisar a textualização das formas culturais de um modo distinto do previsto por Stuart Hall, assumindo que a codificação delas abrange um modo preferencial, negociado e/ou opositivo. Além disso, é preciso distinguir as categorias dominante e hegemônico, utilizadas como sinônimas, pois o hegemônico abrange também codificações negociadas que

contribuem para o consenso e não somente codificações dominantes (RONSINI, 2011, p. 2).

Em nossa pesquisa, a adoção do modelo significa considerar, no estudo de recepção, a estruturação das campanhas conforme códigos preferenciais, negociados e de oposição69.

Assim, o modelo do Encoding/Decoding permite a observação da lógica da produção, uma vez que representa a posição dos anunciantes no campo econômico e cultural. Esses anunciantes, por sua vez, constroem seus discursos considerando a relação (e, portanto, os significados pretendidos) com os receptores dos anúncios. Assim, é perceptível a ideia de senso de homologia (BOURDIEU, 2008, p. 217) para esclarecer a relação entre produção e consumo para a conformação do gosto enquanto construção social.

Desse modo, ao articularmos as diferentes representações presentes no discurso publicitário com as respectivas interpretações construídas pelas mulheres, temos em mente perceber como essas relações falam de sentidos que ajudam a compreender o modo como as próprias receptoras e consumidoras percebem-se como mulheres da nova classe trabalhadora.

69 Neste aspecto, é importante ter em mente que não se trata de focar a análise nas duas partes do circuito (produção

e recepção), mas sim considerar as posições evidenciadas nesta relação para que seja perceptível o modo como as representações presentes na publicidade colaboram com a conformação da identidade de classe e de gênero das receptoras.