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Neste encontro, iniciamos questionando quem realizou a leitura dos capítulos “Pastel Bochechuda” e “Tatuagem Transparente” em casa. Apenas 15 discentes realizaram a leitura. Precisamos interferir e chamar a atenção para a realização das atividades propostas, pois são necessárias para a contribuição das discussões em sala de aula, como também, para que eles e elas possam conhecer melhor a história de Isabel. Esse é um fator importante para relacionarmos ao questionário sondagem respondido pela turma, em que a maioria afirmou ter hábitos de leitura em casa, no entanto, na prática, não o fazem.

Fomos surpreendidas com a realização da tarefa por dois alunos: A e B, pois estes mesmos alunos se mostravam indispostos para realizarem atividades de leitura durante o ano letivo.

No início da aula, objetivando o reconto dos capítulos lidos em sala de aula e em casa, entregamos para cada estudante um balão contendo uma das seguintes palavras: “Arrumação”; “Ovo”; “Caixa”; “Retrato”; “Bonde”; “Oval”; “Bonequinha”; “Empresto”; “Bolso”; “Roupas gostosas de brincar”; “Short”; “Adriana”; “Bisavó”; “Existir para mim”; “Sérgio”; “Caipira”; “Bochechuda”; “Furiosa”; “Vento”; “Tentei com jeitinho”; “Cutucadas”; “Quieta”; “Sossegada”; “Sorvete”; “Dei falta”; “Minha mãe entrou no banheiro e perguntou”; “Mentira”; “Chuveiro”; “Grudada”; “Tatuagem transparente”.

A turma estourou os balões e todos leram a palavra/frase contida dentro de cada bexiga. Pedimos que tentassem fazer relação dos capítulos lidos com as passagens presentes nos balões. Para os discentes que não realizaram a leitura em casa, solicitamos que procurassem identificar no texto qual a parte mencionada e ao que ela se referia, com isso, pudemos auxiliá-los nas discussões. (Ver figura 8)

Figura 8: Dinâmica do balão

Fonte: dados da pesquisa

Conforme mencionávamos as palavras, seguindo a ordem acima citada, a turma conseguiu fazer o reconto dos conteúdos de cada capítulo atentando para a compreensão da fantasia existente no diálogo entre Isabel e Bisa Bia. As participações dos estudantes apontaram que eles conseguiram compreender o assunto dos capítulos lidos. Podemos perceber isto nas seguintes participações: “Ela gostou muito da avó que ela passou a morar no coração dela” (Aluno B), “A mãe dela falava sobre as coisas antigas e Isabel imaginava que era a bisavó” (Aluna P). O aluno V, que é muito tímido e pouco fala em

sala de aula, disse: “Eu acho que a conversa vinha do coração”. Neste momento, perguntamos se Isabel poderia estar falando sozinha. Os estudantes A e K responderam “sim”, afirmando: “Às vezes eu fico falando sozinha em voz alta em casa” (Aluna K).

Como todas essas especulações foram dos discentes, não interferimos e afirmamos que todas elas são alternativas possíveis, pois consideramos o que Cosson (2014) defende sobre o modo como o leitor processa o texto. Para ele, “Na leitura estética, o leitor se volta para o texto em si mesmo e o que acontece durante o processo de construção de sentido [...], sendo esse modo de ler que garante a experiência literária.” (COSSON, 2014, p. 54). De acordo com a análise e com a observação das leituras e discussões dos/as discentes, percebemos a conformação e o estranhamento de horizontes na experiência literária dos/as alunos/as, pois as dinâmicas propostas evidenciaram que a turma gostou e se identificou com a obra, bem como procuramos promover a diferença entre os recursos que constituem o texto e os já conhecidos pelos alunos, fazendo com que as certezas que eles possuem fossem estremecidas.

Prosseguindo, distribuímos para a turma o capítulo “Coisas de Antigamente”. Ao entregar o material e sem realizar nenhum questionamento, a discente E disse: “Vai falar de coisas de antigamente. Dos objetos que a professora trouxe.” Explicamos que realizaríamos a leitura com pausas para discutirmos sobre o conteúdo do capítulo.

Conforme realizávamos a leitura do capítulo e alguns nomes estranhos surgiam para os estudantes, alguns pediam que explicássemos do que se tratava. Nas partes que abordaram palavras como: “baba-de-moça”, “olho-de-sogra” e “urinol” os discentes riram e soltaram gracinhas: “Eca”, “O que danado é isso, professora?”. O contato com o livro literário permite experiências distintas e a conexão com um universo desconhecido, que faz com que o leitor ou a leitora prove sensações, cheiros, gostos, através do ato da leitura.

Concluída a leitura, fizemos um check-list com os nomes diferentes que apareceram no capítulo e perguntamos para cada estudante se eles sabiam, agora, do que se tratavam. Houve a participação de toda a turma. Algumas palavras foram: “Cromos”; “Cartões-postais”; “Móveis”; “Bufê”; “Fruteira”; “Urinol”; “Comida”; “Suspiro”; “Pé- de-moleque”; “Bomboniér”. Questionamos: “O que são cada um deles? Para que servem?” Todos conseguiram fazer relação do objeto com a sua serventia.

Ao perguntar “Já viram algum deles? Onde?” alguns discentes responderam: “Já vi uma fruteira com um pano embaixo na casa da minha avó” (Aluna P), “Na casa da minha avó também tem” (Aluna E), “Ainda tem casas que os banheiros não são dentro

de casa” (Aluno Q). Com isso, perguntamos: “Esses objetos/cômodos foram substituídos por outras coisas? Quais?”. O discente Q continuou participando: “Hoje a maioria dos banheiros são dentro de casa e têm pias e chuveiro elétrico”. Os discentes B e G completaram: “As fruteiras agora ficam em pé”, “Não se usa mais urinol”.

Também questionamos se eles conheceram algo novo. O aluno K disse: “Aquela bacia que você trouxe é igual ao do tempo de Bisa Bia que ela fala aqui no livro?”. Respondemos que sim. As estudantes E e C disseram que se interessaram pelos Cromos. O aluno I disse que gostou da “cristaleira”. O discente G disse que achou interessante o “urinol” e onde ele ficava guardado. Dessa maneira, percebemos que a turma fez relação do conteúdo lido com o seu contexto, fazendo relações pertinentes aos objetos e compreendendo a importância de cada um deles para a construção da história de Isabel e Beatriz.

Intencionamos promover a discussão sobre os objetos antigos presentes em um dos capítulos do livro para que os alunos e alunas pudessem relacionar, mais à frente, o motivo pelo qual Bisa Bia é importante no contexto do livro. Inicialmente, ela surge na história, escrita por Machado (1981), como uma pessoa que foi moldada pela tradição de uma cultura patriarcal que delimita o que é ideal para as atitudes de uma menina. De uma forma didática, a bisavó transmite para a sua bisneta seu posicionamento e pensamento sobre determinadas situações de acordo com a época em que viveu (o que analisaremos nos próximos tópicos). No entanto, antes disso, a autora inseriu um capítulo dedicado aos objetos antigos como mecanismo de introdução para as discussões que, posteriormente, surgem na narrativa.

Assim, a bisavó passa a ensinar a Isabel acerca dos itens que fizeram parte da sua vida, através de um diálogo didático, em que há comparação destes objetos com a sua evolução diante do tempo decorrido. Proporcionar essa discussão em sala de aula aos alunos e alunas permite que alcemos voos ainda maiores, ultrapassando o que nos é delimitado pela leitura tradicional do texto literário. Dessa forma, consideramos que não devemos tornar as especulações sobre idade, situações, enredo etc. o único caminho para a leitura, mas precisamos fazer com que os alunos e alunas observem, também, os outros significados implícitos no texto, para que, a partir disso, eles e elas possam ser livres para raciocinar e realizar uma leitura interpretativa (COLOMER, 2007).