• Nenhum resultado encontrado

Para iniciar este encontro, disponibilizamos para a turma o poema “O lenço” de Elias José, impresso em folhas de ofício.

Fiz este lenço Com muito gosto Pra enxugar O seu lindo rosto Fiz este lenço Com muito agrado Pra tirar dos seus olhos Qualquer mau-olhado Fiz este lenço Com fios de ouro E bordei o seu nome, Ficou um estouro! Fiz este lenço De puro linho Pra você me dar O seu carinho Fiz este lenço Com todo capricho. Você veio e me disse: - Jogue o lenço no lixo!

Com o material em mãos, orientamos os discentes para realizarem a leitura silenciosa. Depois, realizamos a leitura em voz alta, enquanto os alunos e alunas acompanhavam o poema entregue no papel. Ao fim da leitura, sem nenhum questionamento ou discussão iniciada, o aluno F disse: “Se lascou”, fazendo referência ao desfecho do poema. Perguntamos a turma o que compreenderam do poema. Em resposta, obtivemos afirmações como: “Ele fez de tudo para ajudar a menina” (Aluna J), “Ele fez isso para agradar” (Aluna P). Quando questionamos o que o eu-lírico esperava receber de volta, a discente M disse: “O carinho” e a estudante U completou: “e acabou levando um fora”.

Continuamos perguntando, se por acaso, os alunos fossem a pessoa que fez o lenço, como estariam se sentindo. As afirmações dos alunos foram as seguintes: “Triste, eu abaixava a cabeça e saia andando” (Aluno F), “Se ela ver que foi com lenço de ouro ela não vai querer jogar no lixo” (Aluno G).

Em seguida, contextualizamos e explicamos para os discentes que, antigamente, era comum que os homens portassem lenços em seus paletós. Em algumas ocasiões, o lenço servia como uma forma de gentileza, cortejo, por exemplo: ao encontrar uma mulher chorando, o homem oferecia o lenço para ela, com o intuito de, possivelmente, iniciar um diálogo, uma cantada. Perguntamos aos meninos se eles portassem lenços em seus bolsos e encontrassem uma menina na rua que estivesse precisando de apoio, o que eles fariam. O estudante N disse: “Eu mandava comprar um lenço”, mas, em seguida, refez sua resposta: “Tô brincando, eu ajudaria, professora”. Seus colegas responderam o seguinte: “Eu daria o lenço a ela. A gente tem que ajudar o próximo” (Aluno F), “Eu jogava o lenço fora” (Aluno G).

Podemos observar que, por meio das respostas dos alunos, há uma tendência a quererem ajudar o próximo, nesse caso, a uma menina que, supostamente, esteja passando por dificuldades. No entanto, isso nos faz refletir acerca de uma cultura que nos impôs a necessidade de alguém precisar cuidar/olhar para a mulher frágil, pois ela, sozinha, não seria capaz de resolver os seus problemas. Em concomitância com isto, Beauvoir (1970) diz que “Tudo encoraja ainda a jovem a esperar do "príncipe encantado" fortuna e felicidade de preferência a tentar sozinha uma difícil e incerta conquista.” (BEAUVOIR, 1970, p. 176).

Sobre a serventia do lenço, alguns alunos afirmaram que: “Serve para enxugar as lágrimas” (Aluna P), “Para limpar os óculos” (Aluno Q), “Para limpar o nariz” (Aluno X), “Para tirar o suor” (Aluna U). Percebemos que os alunos possuem práticas culturais

distintas e questionamos sobre a importância do lenço hoje em dia, se ele teria o mesmo valor que antigamente. O aluno F respondeu: “Não, porque as mulheres hoje em dia são muito invocadas, chatas.” Os seus colegas concordaram com tal afirmação. Perguntamos se os discentes ofereceriam o lenço para alguém, o aluno G respondeu: “Eu não”. A aluna P complementou: “Ninguém ia aceitar não”. Observando as respostas, percebemos uma contradição na fala do aluno F. Anteriormente, ele afirmou que ajudaria o próximo, mas nesta nova resposta afirma que não ofereceria o lenço para uma mulher porque, segundo ele, hoje as mulheres são “invocadas”, “chatas”. Com essa fala do aluno, podemos inferir que quando a atitude é direcionada para as mulheres, assim como na pergunta, o discente mostra-se indisposto para ajudá-las.

Em seguida, distribuímos o capítulo do livro “Um espirro e Uma tragédia” e dividimos a leitura do capítulo entre a turma. À medida que íamos realizando a leitura, fizemos pausas para discutir acerca dos conteúdos abordados. Sobre o título do capítulo, o aluno B disse que o “espirro é a tragédia”.

Conforme líamos o capítulo, realizamos uma pausa no momento em que a personagem Isabel faz uma reflexão sobre a idade em que as meninas no tempo de Bisa Bia eram condicionadas ao casamento. Bel afirma que ainda não pensa em casar, pois ainda é muito nova. Então, propomos o questionamento sobre qual a possível idade de Isabel. A turma especulou que seria entre 12, 13 e 14 anos. Em seguida, perguntamos sobre o discurso de Bisa Bia acerca a idade adequada para namoro. Algumas respostas foram: “Ainda bem que os tempos mudaram e a gente não tem que casar nova” (Aluna P), “Graças a Deus!” (Aluna J). Esse pensamento das alunas corrobora o posicionamento da personagem Isabel, demonstrando alívio diante da ruptura dos padrões tradicionais para casamentos precoces e arranjados.

Perguntamos se alguém concordava com o posicionamento de Bisa Bia ao afirmar que Isabel estava namorando “do jeito errado”, pois a menina não demonstrava fragilidade e delicadeza para Sérgio. Os alunos G e N disseram que concordavam com a bisavó. Pedimos que eles justificassem o seu posicionamento, no entanto, eles não conseguiram explicar claramente a sua justificativa, disseram: “Porque ela é muito nova.” (Aluno A), “Ela acha que Isabel está namorando do jeito errado porque ela age igual a um moleque” (Aluna J). Continuamos com a discussão perguntando: “Esse jeito de Isabel é errado?”. Os estudantes G, N e A disseram que “sim”. Solicitamos que eles justificassem as suas respostas e observamos algumas delas: “É errado porque é errado” (Aluno N), “Eu acho que é certo, porque cada um tem o seu jeito” (Aluna J). É

interessante observar a falta de argumentos dos meninos, pois eles relutam em pensar por si mesmos, pôr-se em crise, e assim lançam frases feitas para colocar um ponto final na questão. Instigamos para que os estudantes pudessem expor a sua opinião, mas essa limitação prevaleceu durante esta discussão, apresentando a ausência de argumentos para desenvolver uma justificativa coerente.

Diante das respostas dos alunos, podemos compreender que, na opinião deles, a menina deve se mostrar delicada, no entanto, é nítida a ausência de argumentos para convencer-nos sobre o assunto. A falta de argumentos remonta à ideia advinda de séculos atrás, em que a mulher é o território a ser dominado e adestrado pelo homem, em uma relação de submissão de comportamento. Silva (2000) diz que “a mulher é educada e adestrada para o acasalamento, o homem para a liberdade”. (SILVA, 2000, p.134).

Essa afirmação nos faz compreender o que o sistema patriarcal defende: a mulher deve se encaixar em uma sociedade burguesa cuja repressão é constante no ambiente familiar, com o intuito de delimitá-la para a vida doméstica e social. No entanto, “pelo fato de ter tomado consciência de si e de poder libertar-se também do casamento pelo trabalho, a mulher não mais aceita a sujeição com docilidade.” (BEAUVOIR, 1970).

Em continuidade da aula, discutimos sobre Bisa Bia insistir para que Isabel finja que é delicada em toda a obra. Alguns posicionamentos dos discentes foram: “Bisa Bia tá ficando é doida” (Aluno F), “Ela tá caducando” (Aluno X), “Ave Maria, sabe o que fala mais não!” (Aluno F).

Neste período, notamos que o aluno F entende que não é normal e aceitável uma bisavó querer moldar a bisneta para demonstrar fragilidade. No entanto, há incoerência e inconsistência diante das leituras feitas pelo aluno, pois ora admite que a personagem Isabel deve demonstrar doçura e fragilidade, ora considera isto inaceitável. Observamos esse fato como uma possível tentativa de romper com a carga sociocultural que ele trouxe até este momento de sua vida. Diante das discussões em sala de aula, percebemos que este discente está em um movimento de ressignificação, pois o seu incômodo pode ser visto como uma marca do sujeito vacilante no processo de leitura. Se este for contínuo, é possível que o senso crítico deste aluno seja ampliado, fazendo-o compreender o gênero sob pontos de vista diferentes dos até então assumidos pelo discente nas interações em sala de aula.

Em um determinado momento do livro, a personagem Isabel, gripada, foi para a escola, espirrou, precisou de lenços e descobriu que Bisa Bia os escondeu com a intenção de que Sérgio pudesse se mostrar solidário e ajudar a menina. No entanto, o garoto que estava na presença dos amigos zombou de Isabel deixando-a irritada. Alguns posicionamentos da turma sobre isto foram: “Oxe, e é doida?!” (Aluno B), “O que é que tem se ele achou graça?” (Aluno G). Diante disso, perguntamos se ele faria o mesmo que Sérgio e o aluno respondeu: “não, não”. O estudante F complementou afirmando: “Na frente dos amigos, ele quer dar uma de durão. Ele está agindo de forma cruel”. Novamente, percebemos que o aluno F tem demonstrado tendência em mudar o seu discurso e posicionamento.

Observamos, também, a resposta de Isabel para a sua bisavó, pois estava zangada com sua bisa por ter escondido os lenços de papel. A menina afirma categoricamente: “Eu sou eu”. Dirigimo-nos à turma e perguntamos o que Isabel queria dizer com aquela frase. Os estudantes afirmaram: “A resposta dela foi boa, porque faz tempo que Isabel fala que agora é diferente dos tempos da bisavó, mas ela fica insistindo...” (Aluna P), “Ela quer que Isabel seja igual a ela. Ela não quer que Bisa Bia se meta na vida dela” (Aluna J), “Isabel estava certa em dizer isso, mas essa resposta não pode dar pra uma pessoa mais velha. Ela tá falando é com a bisavó, não é com um cachorro não” (Aluno G). Com isso, notamos que, diante das respostas das meninas, é possível perceber que elas tiveram a compreensão geral da frase “Eu sou eu”, demonstrando empatia para com a personagem. Também, o que podemos destacar aqui é o posicionamento do aluno G, que tem apontado uma tentativa de mudança em seu discurso, concordando com Isabel.

Concluímos a discussão oral pedindo para que os alunos e alunas fizessem uma relação do poema lido com o capítulo do livro. A aluna C disse: “No poema, o homem que levou um fora. No livro, foi a menina que se deu mal”; O aluno B disse: “Tanto no poema como no livro a intenção do lenço era a mesma, só que deu errado nos dois”. Houve concordância de toda a turma. Assim, percebemos que os alunos conseguiram relacionar o conteúdo do livro com o poema, fazendo uma ponte entre os intertextos e compreendendo os seus sentidos.

Em seguida, pedimos que os discentes escrevessem e entregassem para nós uma frase acerca do capítulo lido e sobre o que eles e elas acharam da atitude de Bisa Bia. Todos os alunos e alunas realizaram a atividade, inclusive, escrevendo mais do que o que foi pedido e esperado.