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CAPÍTULO I – RELAÇÃO EDUCATIVA

2. Relação interpessoal

2.1. Comunicação e influência

Como afirma Ribeiro (1992), a essência do ato educativo acontece entre educador e educando, através de uma relação interpessoal, onde acontecem fenómenos de comunicação e influência. Por conseguinte, o ato educativo é um ato produtor de efeitos, o que lhe confere, desde logo, uma dimensão ética irredutível (Queiroz, 2008) e justifica a pertinência de problematizar questões relacionadas com as relações interpessoais no contexto escolar.

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o conjunto de relações sociais que se estabelecem entre o educador e aqueles que educa para atingir objetivos educativos, numa dada estrutura institucional, relações essas que têm características cognitivas e afetivas identificáveis, que têm um desenvolvimento e vivem uma história. (Postic, 2008:27)

O grupo-turma é a unidade organizacional mais pequena dentro da escola e é também o contexto mais próximo da relação educativa. Atuar neste contexto implica que o professor tenha em conta os conteúdos curriculares, as relações interpessoais e a dinâmica da turma, que é um grupo que reúne algumas características específicas e sistemáticas: i) é um grupo de interação direta, em que os seus elementos estão presentes fisicamente e exercem influência uns sobre os outros; ii) a turma é um grupo de trabalho, organizado e pensado para desenvolver a sua atividade em função de um objetivo; iii) e é um grupo formal, com uma constituição e estrutura estáveis, definidas pela instituição (Postic, 2008; Ribeiro, 1992). Sobre a constituição formal da turma sabe-se, também, que são características constantes a presença de um indivíduo adulto (o docente), a regularidade dos encontros, um grupo de crianças ou jovens cuja presença não é voluntária (é obrigatória), a finalidade formativa que a origina e um espaço equipado para o ensino-aprendizagem (Barroso, 1995; Estrela, 2002; Postic, 2008; Ribeiro, 1992).

Apesar de o grupo-turma ser constituído por um grupo de alunos e pelo professor (sem o qual, como destaca Ribeiro (1992), a turma perderia o sentido), o docente nunca é um elemento completamente integrado no conjunto, já que aos olhos do grupo ele é sempre caracterizado pela sua função institucional (ibidem). Esta posição de relativa estranheza contribui para a emergência da estrutura informal da turma, com as suas próprias normas de funcionamento, à margem do docente e da instituição, criando uma dinâmica global que oscila entre a coesão e a tensão (ibidem), contribuindo para o «fervilhar de fenómenos relacionais no grupo-turma», que integra o que se entende ser a relação pedagógica professor/aluno (Estrela, 2002:56). Neste sentido, a relação educativa, mesmo que parta da ideia de díade docente/discente, deve ser enquadrada no contexto mais amplo da sala de aula, onde se triangula a relação professor/aluno/turma

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(Birch & Ladd, 1997; Howes, 2000; Ribeiro, 1992), podendo ser representada com a configuração de um trilátero (cf. Figura 7).

Neste jogo de relações e modelos, cada aluno encontra-se entre, pelo menos, duas influências – a dos colegas e a do professor. Todos, ainda que em silêncio, atuam com a sua presença. Na escola, cada aluno tem nos colegas e nos professores modelos de referência de valores sobre os quais vai construir o seu próprio sistema de valores. Assim, no processo educativo, os comportamentos do professor podem ser determinantes na evolução do aluno, no que respeita à sua subjetividade e à formação da sua identidade (Postic, 2008).

A relação pedagógica é um ato que acontece através de uma relação interpessoal, o que faz da comunicação um aspeto indissociável do ato educativo (Bertão, 1999; Estrela, 2002), onde, como foi dito, estão implicados fenómenos de comunicação e influência, que se desenvolvem num tempo e num espaço específicos. Deste sistema interacional em particular espera-se que os fenómenos de influência operem mudanças numa determinada direção, no sentido de responder a objetivos intencionalmente fixados.

Estrela (2002) define influência como um poder ou uma força capaz de induzir transformações e, tal como Ribeiro (1992), lembra que a influência pode ter

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diferentes bases de poder social, nomeadamente, poder: i) de recompensa; ii) coercivo; iii) legítimo; iv) de referência; v) de perito.

Ora, as circunstâncias e o estatuto do professor configuram-no, potencialmente, como agente influenciador em todas estas bases (Estrela, 2002). No paradigma do professor como pessoa, este é um aspeto que acrescenta uma responsabilidade que lhe pode trazer tanto de satisfação como de angústia (Lopes, 2001), mas dir-se-ia que lhe confere um lugar especial na possibilidade de provocar mudanças. Estrela (2002) esclarece que, dada a natureza do ato educativo, pode dizer-se que o poder do professor baseia-se, fundamentalmente, no poder legítimo e no poder de perito, porque ele tem uma autoridade socialmente delegada e tem a função da transmissão cultural. A mesma autora acrescenta, contudo, que o poder de referência (que pode ser traduzido pela identificação dos alunos à pessoa do professor) e o de recompensa podem ser facilitadores e reforçadores do seu poder (ibidem). Falar sobre a relação pedagógica é falar de um espaço potencialmente enriquecedor a vários níveis. É um encontro de oportunidades de desenvolvimento. Por um lado, é um encontro que se dá tendo em vista objetivos curriculares para aquisição de competências técnico-científicas e para a construção do conhecimento em diferentes áreas do saber. Por outro, ao acontecer num grupo de pessoas que tem determinadas características invariantes e que se encontra com regularidade passa a ser, inevitavelmente, um fenómeno de aprendizagem sociocultural e de desenvolvimento da subjetividade e da identidade pessoal. Ribeiro (1992:137) destaca a relação educativa na escola como uma relação que permite satisfazer as necessidades interpessoais de «inclusão (despertar interesse em outrem, interessar-se por outrem)», «controle (influenciar, ser influenciado)» e «afeição (ser amado, amar)». Necessariamente, as interações humanas provocam mudança, transformando conhecimentos, sentimentos e comportamentos. Isto porque a interação é uma reação recíproca, através da qual o comportamento de um participante influencia o outro; no encontro educativo, a ação do professor afeta o aluno e o contrário também é verdadeiro (Bertão, 1999; Serra Lemos, 2009).

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Posto de outro modo, a interação não é uma abstração, é uma ação que se concretiza no encontro entre professor e aluno, sendo importante assegurar condições físicas e espirituais favoráveis ao encontro pedagógico, circunstâncias facilitadas pelo diálogo, pela comunicação (Stonkuvienè, 2010).

Não é menos importante lembrar que o efeito da relação pedagógica não se esgota na sala de aula. De facto, as relações professor/aluno influenciam o desenvolvimento social, cognitivo e emocional dos estudantes ao longo da infância e da adolescência (Davis, 2003). A interação pedagógica não se reduz à ideia de construção no sentido de produto, porque este é um conceito que habitualmente pressupõe algo que se termina, que tem um termo. Pelo contrário, a construção da personalidade na interação pedagógica é, na verdade, um ato criativo que se prolonga no tempo, porque aciona poderes volitivos determinantes para o desenvolvimento das formas de pensar, agir e sentir (n)o mundo (Stonkuvienè, 2010).