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CAPÍTULO III APRESENTAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DO ESTUDO

4. Desenho de estudo

4.1. Método de recolha de dados

4.1.1. Fase exploratória

A abordagem exploratória facilita a familiarização com a temática em estudo, ajuda à definição e à qualidade da problematização e aproxima o investigador da realidade vivida pelos atores sociais (Quivy & Campenhoudt, 2008), pelo que constituiu uma fase importante no início do trabalho, por ter proporcionado material de reflexão orientador do estudo.

a) Autonarrativa

Clandinin e Connelly (2011) incentivam o investigador a escrever a sua própria narrativa, como forma de lançar a problematização da temática e de iluminar o caminho empírico a percorrer. O que nos propõem é também um exercício de transformação ou esclarecimento identitário, levando-nos a reconfigurar a figura do investigador “impermeável” para o investigador que se descobre, sente, mistura e humaniza ao contar a sua própria experiência.

Os métodos autobiográficos podem ser vantajosos também como abordagem exploratória em desenhos de estudo mais amplos (Roberts, 2002). Neste trabalho, a autonarrativa da investigadora surge, assim, como um valioso instrumento de exploração dos sentidos do corpo na escola e na relação pedagógica. Tendo em conta que a dinâmica professor/aluno é pouco estudada na sua relação com um conceito mais ampliado do corpo e da corporalidade, a narrativa biográfica da investigadora surge aqui como forma de explorar, quer a temática, quer a adequação da metodologia narrativa aos objetivos da pesquisa (Manarte, Lopes & Pereira, 2014).

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Sobre a temática, esperava-se com esta abordagem perceber o potencial evocativo em torno do fenómeno em estudo e ter uma previsão do tipo de informação que poderia ser obtido sobre o tema a partir de uma narrativa autobiográfica. Para além disso, esta primeira etapa foi encarada também como um exercício que permitiria aproximar a investigadora da experiência que os participantes vieram depois a ter, ao escreverem ou relatarem os seus episódios autobiográficos sobre as vivências que tiveram com os professores, na qualidade de alunos/as (ibidem).

A autonarrativa consiste num relato autobiográfico escrito pela investigadora sobre as suas vivências escolares na relação direta com os seus professores, pensadas em torno do comportamento corporal dos docentes. As questões de partida colocadas pela própria autora ajudaram a delimitar a escrita ao fenómeno em estudo:

O que me lembro dos professores que me marcaram? Por que me marcaram esses em particular? Como era o seu comportamento comunicativo? O que me diziam com o corpo, o que me faziam sentir? Que impressões deixaram em mim?

b) Grupo focal

Como abordagem exploratória, o grupo focal foi pensado na expectativa de revelar aspetos do fenómeno em estudo, importantes para ter em consideração (Braun & Clarke, 2013; Quivy & Campenhoudt, 2008). Efetivamente, a interação social que caracteriza os grupos de discussão focalizada é facilitadora da evocação e um dispositivo gerador de ideias, que proporciona o acesso às principais narrativas sobre o tema num só encontro, podendo inclusivamente conduzir a interessantes situações de tomada de consciência do fenómeno em debate (Braun & Clarke, 2013; Breen, 2006).

Tirando partido da intersubjetividade de uma discussão polifónica, o grupo focal permite aceder aos diferentes discursos que circulam numa determinada comunidade de participantes (Amado & Ferreira, 2013a). Uma das

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recomendações de Quivy & Campenhoudt (2008) para a seleção de interlocutores que possam dar resposta à intenção exploratória do investigador são os sujeitos a que o estudo diz respeito.

Neste estudo, interessou-nos juntar professores/as para conhecer as suas perceções, reações, sentimentos e pensamentos sobre a corporalidade na relação educativa. A opção pelo grupo profissional dos professores para realizar o grupo focal decorre da evidente relação da temática com o quotidiano dos participantes e do interesse em conhecer as atitudes e reflexões suscetíveis de serem levantadas ao longo da interação.

O foco temático do grupo de discussão realizado foi o comportamento corporal dos professores na relação educativa. O encontro concretizou-se com sete professoras, com o propósito de partilharem as suas experiências de relação pedagógica enquanto alunas e as recordações dos seus professores. À semelhança do exercício levado a cabo com a autonarrativa da investigadora, também esta etapa constituiu um importante passo exploratório, no sentido de conhecer os discursos e perspetivas sobre o tema no contexto docente.

O encontro foi gravado em áudio e decorreu numa sala da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) com sete professoras de diferentes níveis de ensino, do ensino pré-escolar ao ensino superior. As participantes, a moderadora (investigadora) e a anotadora estavam dispostas numa mesa oval e a atividade teve uma duração aproximada de duas horas.

Apesar de ser um grupo homogéneo no que respeita à profissão, considerou-se que seria vantajoso ter um grupo heterogéneo quanto às áreas de especialização e aos níveis de ensino. Efetivamente, não sendo objetivo deste grupo focal aprofundar, mas sim conhecer as representações gerais sobre o tema, procuramos a heterogeneidade por ser, tendencialmente, mais reveladora das diferenças de opiniões e pensamentos (Amado & Ferreira, 2013a).

A apresentação do tema e dos objetivos do encontro às participantes foi realizada de forma descontraída e aberta, procurando garantir o cariz pouco

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diretivo da fase exploratória (Quivy & Campenhoudt, 2008), mas suficientemente específica para que a discussão se desse de forma espontânea e sem desvios significativos ao âmbito do estudo, características que devem ser contempladas aquando da realização de um grupo focal (Amado & Ferreira, 2013a):

Qual é o assunto que nos traz aqui ou por que é que eu precisava de conversar assim com um grupo de professores? O projeto tem a ver com a comunicação não-verbal entre o professor e o aluno. E eu gostava de saber o que é que vocês pensam sobre isso, se alguma vez pensaram sobre isso ou o que é que vem agora ao de cima nesta discussão. (J)

Para desinibir a partilha das vivências de relação pedagógica, no início do encontro foram distribuídos aleatoriamente fragmentos da autonarrativa da investigadora (sem indicação da autoria) por todas as participantes, na expectativa de que os episódios lá narrados fizessem ressonância nas experiências vividas pelas professoras, porque, como declara Tavares (2013:41), o fragmento «obriga o relevante a aparecer logo» e «acelera a linguagem, acelera o pensamento», é uma «máquina de fazer inícios».

4.1.2. Fase de aprofundamento

a) Relatos escritos

Os relatos escritos podem ser considerados documentos pessoais narrados na primeira pessoa, que materializam o reviver de memórias e estórias vividas pelos sujeitos (Amado & Ferreira, 2013b).

A decisão de realizar uma recolha de relatos escritos surge, desde logo, pelo interesse em fazer uma obtenção de informação em extensão e diversidade, objetivo proporcionado pelo facto de não ser uma técnica interativa (Braun & Clarke, 2013). O facto de serem produções solicitadas no âmbito da pesquisa tem a vantagem de o investigador «poder orientar a sua elaboração para determinados eventos e assuntos» (Amado & Ferreira, 2013b:276).

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O pedido dos relatos foi enviado por correio eletrónico para vários destinatários, a quem foi solicitado ainda que reencaminhassem a mensagem a outros contactos. De acordo com Braun e Clarke (2013), o email é um veículo vantajoso para trabalhar com participantes geograficamente dispersos e facilita o seu follow up em caso de necessidade de recolher mais informação. As mesmas autoras acrescentam, também, que é uma forma de recolha de dados menos intimidatória do que, por exemplo, uma entrevista presencial. Efetivamente, a escrita dos relatos pode ser feita de forma privada e sem constrangimentos de tempo no momento da produção da narrativa.

A seleção dos participantes não foi feita tendo por base critérios de inclusão ou exclusão, uma vez que o objetivo era, simplesmente, obter o máximo de testemunhos possível, independentemente da nacionalidade, do sexo e da idade. De facto, o único requisito era ter frequentado a escola enquanto aluno/a. Foi pretendido que o pedido de colaboração definisse a temática a abordar, sem ser demasiado diretivo ou formal. A intenção foi a de condicionar o menos possível os participantes na partilha das estórias e na forma de as narrar. O texto foi enviado em português e em inglês, contendo também informação relativa à garantia de confidencialidade do material utilizado (cf. Apêndice 1).

b) Entrevistas biográficas

A entrevista é uma das técnicas mais utilizadas para aceder às narrativas. De acordo com Amado & Oliveira (2013), no âmbito da metodologia adotada para esta investigação, este tipo de entrevista é até referido por alguns autores como entrevista narrativa. Embora em termos formais esta não difira muito de uma entrevista semi-diretiva ou não-diretiva, o conteúdo remete para questões relacionadas com a experiência vivida pelo/a narrador/a, em relação aos tópicos colocados pelo/a investigador/a.

Pelo potencial de aprofundamento do estudo, considerou-se pertinente entrevistar pessoas que, por conta do seu percurso pessoal e profissional, tivessem uma bagagem reflexiva e prática desenvolvida sobre a dimensão

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corporal no contexto educativo. Assim, as entrevistadas são três professoras do ensino superior: Aurora, Dulce e Sofia (pseudónimos) desenvolvem atividade docente e investigativa nas áreas da comunicação humana, educação física, consciência corporal e relação educativa, em diferentes instituições de ensino superior, em Portugal e Espanha.

No que respeita à estrutura, as entrevistas realizadas foram não-diretivas. Segundo Braun e Clarke (2013), as entrevistas não-diretivas não se apoiam num guião de questões a colocar aos participantes, mas antes em alguns tópicos ou temas para desenvolvimento. Neste trabalho, foi explicado às participantes que as entrevistas tinham como temática o corpo na relação educativa e na escola e o porquê de terem sido selecionadas para esta fase de recolha de dados. As três entrevistas inauguraram com um incitamento a que pensassem sobre os professores que as marcaram e o que eram capazes de evocar sobre o seu comportamento e sobre o que sentiam. A partir daí, a conversação tomou rumos diferentes com cada uma das entrevistadas, consoante a dinâmica interpessoal, os fenómenos de ressonância intersubjetiva e os tópicos emergentes ao longo do encontro.

Ainda que o foco temático que lança a recolha de dados seja o mesmo do que nos relatos, a entrevista proporciona uma contextualização mais rica daquilo que é narrado e uma ligação natural entre os tópicos abordados. Para além disso, a copresença de entrevistadora e entrevistada contém a possibilidade do estímulo à introspeção (Amado & Ferreira, 2013a), do esclarecimento, do desenvolvimento de tópicos que despertam o interesse do investigador, da permeabilidade afetiva e seus fenómenos de ressonância, que promovem a coconstrução de sentidos e enriquecem os dados recolhidos para a investigação.