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CAPÍTULO I – RELAÇÃO EDUCATIVA

1. Ecossistema da relação educativa

1.2. Século XX e os paradigmas pedagógicos

1.2.2. Paradigma pedagógico da aprendizagem

O movimento da Educação Nova, que tem Ferrière com um dos principais fundadores e que António Sérgio ajuda a introduzir como material de reflexão em Portugal, integra o avanço assinalável que se dá na pedagogia moderna, a partir dos conhecimentos desenvolvidos pela sociologia, psicologia, medicina e filosofia do início do século XX, que trouxeram novas conceptualizações sobre a infância, a criança e o aluno e sobre o papel da escolarização e do professor, com implicações influentes na forma de conceber a educação (Barroso, 1995; Nóvoa, 2014; Pereira & Lopes, 2004).

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A renovação da aprendizagem no ensino “novo” vem criticar e contrariar a subvalorização do aluno por parte da escola, a normatividade e rigidez metodológica, a excessiva burocratização e padronização dos programas curriculares e as limitações pedagógicas da instrução (Trindade, 2009).

A oposição a estes aspetos foi um gatilho para trabalhos psicopedagógicos que se começaram a desenvolver, com um impacto forte na mudança de visões, atitudes e comportamentos relativamente à relação educativa. Efetivamente, assiste-se a uma forte mobilização de conhecimentos no campo do estudo da criança, que a coloca no centro da ação pedagógica e patrocina o avigoramento do aluno como um novo ser social (Pereira & Lopes, 2004).

O paradigma da aprendizagem vem a ser decisivamente consolidado com os inúmeros estudos que se desenvolvem, entre outros domínios, no ramo cognitivista da psicologia, corrente em que a abordagem construtivista de Piaget é um dos mais influentes contributos para uma mudança paradigmática na pedagogia. Ao afirmar que o processo de construção do conhecimento radica na qualidade das interações entre o sujeito e o objeto, Piaget introduz, desde logo, uma reflexão epistemológica que é desenvolvida para explicar que este é um processo em que o estádio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra condiciona a apropriação que este faz do objeto. Por outras palavras, o conhecimento é um processo de construção que acompanha uma progressão universal de estádios de desenvolvimento cognitivo, o que condiciona a relação do sujeito com a realidade, porque a atribuição de sentido ao meio depende do estádio de desenvolvimento em que o indivíduo se encontra (Piaget, 2010; Piaget & Inhelder, 1993).

As repercussões do construtivismo nas conceções e práticas pedagógicas fazem-se sentir, necessariamente, na forma como passam a ser entendidos o ensino e a aprendizagem (Coll & Solé, 1996) e, também por isso, o centro da escolarização é deslocado do saber normativo a difundir – vértice do paradigma intrucionista – para a atividade do aluno (Pereira & Lopes, 2004). Assim, o protagonista do paradigma da aprendizagem é o aluno, em torno do qual são montados os projetos de educação escolar. Os programas são pensados em

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função dos interesses e das necessidades dos alunos e a aposta nas abordagens não-diretivas de mediação pedagógica fundamenta-se na valorização do papel ativo da criança na construção do conhecimento, enfatizando-se a criação de oportunidades e atividades autoestruturantes. Os aspetos enunciados sumarizam, então, as mudanças que se vieram a constituir como as linhas orientadoras do paradigma pedagógico da aprendizagem (Trindade, 2009).

Apesar da importante revolução trazida para o campo da educação, quer no que concerne à sua conceptualização, quer nas mudanças ocorridas nos processos pedagógicos, a abordagem piagetiana – por conter uma conceção de desenvolvimento da inteligência fixado numa hierarquia predeterminada – acaba por desaguar numa «abordagem redutora e hierarquizante dos modos de racionalidade que caracterizam a organização do ensino na instituição escolar», em que a racionalização do currículo escolar é um dos exemplos evidentes da instrumentalização pedagógica da psicologia do desenvolvimento (Pereira & Lopes, 2004:76). Efetivamente, a fixação da construção do conhecimento num processo cognitivo progressivo, declarado como universal, factual e natural, obliterou as questões da diversidade e da singularidade das realidades sociais das crianças, problema que pode ser expresso, nas palavras de R. Trindade (2009), na «tensão improdutiva e equívoca entre Natureza e Cultura». O autor acrescenta que, no seio deste paradigma, a tendência é priorizar a relação natureza/educação, negligenciando a relação cultura/educação (ibidem). Pereira e Lopes (2004) lembram, também, que o discurso pedagógico sobre o que é considerado “normal” no desenvolvimento do indivíduo acabou por contribuir para a construção do conceito do “aluno médio”, com consequências manifestas na racionalização curricular e em práticas escolares que não têm em linha de conta os particularismos sociais e subjetivos das crianças.

Neste contexto, o triângulo de Houssaye que representa a tipologia da relação pedagógica do paradigma da aprendizagem privilegia a relação entre o aluno e o vértice do saber, pondo em relevo o ato de aprender como aquele que a escola deve promover, remetendo o professor para o “lugar do morto” (cf. Figura 5). Assim, a relação pedagógica tende a resvalar para uma relação de

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autossuficiência dos alunos com o saber, em que o papel do professor é desvalorizado como agente que pode gerir intencionalmente o encontro dos alunos com o património informativo, instrumental e atitudinal que constitui um legado cultural social, sistemática e exigentemente validado (Trindade, 2009).

No início da segunda metade do século XX, também Rogers (2010), precursor da psicologia humanista, vem colocar novas reflexões sobre o contexto escolar e a relação educativa, promovendo a passagem da mediação racional – que caracteriza o paradigma da instrução – para uma mediação afetiva, que se coaduna com a valorização do aluno que o paradigma da aprendizagem preconiza. O autor enfatiza que o professor é uma pessoa e não «a incarnação abstrata de uma exigência escolar ou canal estéril através do qual o saber passa de geração em geração» (Rogers, 2010:260). Sustenta-se que a aprendizagem envolve aspetos cognitivos, afetivos, pessoais, e que o professor deve ser um facilitador da aprendizagem e estimular o desenvolvimento cognitivo e sócio- afetivo do aluno (Coll, 1996; Estrela, 2002).

Podemos dizer que esta nova forma de olhar e valorizar o desenvolvimento da criança traz uma sensibilidade de traço mais humanista ao contexto educativo. Contrariamente à tendência autoritária do paradigma da instrução, aqui é altamente respeitado o que se entende ser o desenvolvimento natural do indivíduo. As dimensões da ajuda e do afeto ganham destaque na relação

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professor/aluno e ganha forma uma escola que contrasta com a do período anterior por dar visibilidade à questão dos afetos. Nas pedagogias tradicionais a relação pedagógica era uma relação de subordinação do aluno ao (saber do) professor. As pedagogias modernas, por se centrarem mais na atividade do aluno na aprendizagem, «recolocam a questão do poder do professor», defendendo que a sua eficácia enquanto educador, guia e instrutor depende da relação que estabelece com os alunos (Bertão, 1999:35).