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A interlocução entre Memória Institucional e comunicação organizacional tem se configurado em um objeto permanente de estudos nas últimas décadas. Esse movimento, que repercute por meio de teses, dissertações, livros e anais de congressos, encontros e seminários e comunicação, procura desenvolver pesquisas a fim de interpretar as motivações das organizações em investir nesse tema e compreender as práticas de memória. A Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), por meio do Grupo de Pesquisa Relações Públicas e Comunicação Organizacional, a Associação Brasileira de Pesquisadores de Comunicação Organizacional e Relações Públicas (Abrapcorp) e a Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar) representam alguns dos principais fóruns de debate sobre questões de Memória Institucional e comunicação organizacional no Brasil. Nessas instâncias, visa-se estabelecer um olhar crítico sobre iniciativas promovidas, analisando o tema da memória como uma oportunidade de conhecimento, reflexão, planejamento e relacionamento.

Em organizações com os mais distintos fins, seja produção de bens, serviços ou centradas na construção e desenvolvimento do conhecimento, como o ambiente universitário, iniciativas voltadas à Memória Institucional podem incorporar as ações de comunicação organizacional e contribuir para o estreitamento de relações e a assimilação da cultura pela identificação com seus valores e crenças.

Autor de referência no Brasil na criação de conexões entre comunicação, memória e história no ambiente corporativo, o jornalista Paulo Nassar integra a obra História e Memória, organizada por Marchiori (2013). No capítulo assinado em conjunto com Rodrigo Cogo, ambos destacam que:

No âmbito organizacional, a memória que consolida a cultura organizacional é generalista e relacionada diretamente ao ideário – principalmente aos seus valores – de uma empresa ou instituição. Por isso, constitui-se em uma referência discursiva, indutiva e

orientadora sobre a organização para os integrantes da organização e para a sociedade (NASSAR; COGO, 2013, p. 89).

Portanto, em nossa compreensão, trabalhos de recuperação, organização e promoção da memória se coadunam com o processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais, como argumenta Baldissera (2004). A qualidade e a longevidade da interação com os públicos de uma organização estão atreladas à ideia de identificação por meio da cultura. Importa salientar que esses dois elementos – identidade e cultura – são constitutivos da Memória Institucional.

O contexto histórico brasileiro, no que corresponde ao registro da memória das empresas, teve seus primeiros trabalhos na década de 1960. Motivado pelo crescente movimento de industrialização pelo qual passava o país, a exemplo do que ocorrera nos EUA no início do século, começaram a ser escritas biografias de grandes empresários. O livro Conde Matarazzo: o empresário e a empresa, de autoria do sociólogo José de Souza Martins, é citado por Totini e Gagete (2004) como um trabalho marcante dessa época. Nesse mesmo período, em 1967, foi criada a Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (ABERJE, 2015c). Inicialmente chamada de Associação Brasileira de Editores de Revistas e Jornais de Empresa, teve sua fundação durante um encontro de editores de revistas e jornais empresariais, no auditório da empresa Pirelli, na cidade de São Paulo. Esta entidade, veremos à frente, assumiu um papel de protagonismo no campo da Memória Empresarial brasileira na virada para o século XXI.

Na década de 1970, influenciados pelas tendências europeias e norte- americanas, novos autores, essencialmente acadêmicos, ampliaram a publicação de obras dessa natureza. Porém, foi nos anos 1980 e 1990 que a memória passou a ser trabalhada a partir do ambiente interno das organizações, com a contratação de profissionais específicos para essa documentação. Esse movimento decorreu de um cenário político, econômico e social que havia se transformado dentro e fora do Brasil. Abertura política e eleições livres – devido ao fim da ditatura militar, uma nova Constituição Federal, a globalização do mercado, as inovações tecnológicas e a ampliação de empreendimentos estrangeiros em terras nacionais –, além de novos níveis de consciência do público consumidor, alteraram significativamente a relação das empresas com clientes, funcionários e governos. Com isso, muitos

empreendimentos perceberam o desafio de se adaptarem aos novos tempos sem perder suas identidades. “Por consequência, tomavam consciência que sua identidade estava diretamente ligada à sua memória, aos processos que vivenciaram [...], que marcaram sua trajetória histórica” (TOTINI; GAGETE, 2004, p. 119).

No ano de 1999, por iniciativa da Aberje, foi organizado na cidade de São Paulo o 1º Encontro Internacional de Museus Empresariais. Considerado pioneiro no campo da história e da Memória Empresarial brasileira, esse evento realizou-se num período em que ocorria no Brasil uma série de privatizações de grandes estatais, a exemplo da mineradora Companhia Vale do Rio Doce, de empresas paulistas de energia elétrica e da telefonia celular, que passava por um movimento de expansão em diversas regiões do país (NASSAR, 2008). Entre as motivações do encontro estava o olhar para a necessidade de preservar a história (por meio dos acervos) e a memória (a partir das pessoas) de empresas com dezenas de anos de atuação, e que, em um novo contexto socioeconômico, tiveram sua gestão assumida por grupos internacionais.

De acordo com Nassar (2004), o prêmio Aberje, concedido desde a fundação da associação como forma de reconhecer e compartilhar práticas e experiências inspiradoras na comunicação empresarial, criou, no ano 2000, a categoria Memória Empresarial. Tanto a premiação, existente até os dias de hoje, quanto os encontros de museus empresariais, não mais realizados, contribuíram para que empresas como General Motors, os bancos Itaú, Santander, Banco do Brasil, mais o Grupo Pão de Açúcar, entre outros, ampliassem a visibilidade de documentos, arquivos, acervos e narração de histórias por meio dos seus museus e centros culturais. As iniciativas repercutiriam, então, em objeto de pesquisas acadêmicas no campo da Comunicação Social.

No ano de 2004, o lançamento do livro Memória de Empresa: História e Comunicação de mãos dadas, a construir o futuro das organizações, organizado por Nassar, apresentou a reflexão de profissionais da comunicação, história, psicologia, pedagogia, filosofia e ciências sociais, todos envolvidos, no mercado ou no ambiente universitário, com projetos de história e Memória Empresarial. Nesse mesmo ano, foi

publicada a primeira monografia de conclusão de curso relacionando Comunicação e Memória20.

Na sua tese de doutorado intitulada Relações Públicas na construção da responsabilidade histórica e no resgate da Memória Institucional das organizações, o jornalista e presidente da Aberje, Nassar (2008, p. 174), descreve este nicho como “[...] um espaço de trabalho qualificado para os pesquisadores e profissionais das áreas de relações públicas, comunicação e história”. Defendido em 2006, o trabalho tornou-se livro dois anos depois, conquistando status de referencial conceitual na área (CRUZ, 2013), em face do ineditismo da abordagem.

Desde então, novas produções acadêmicas despontaram relacionando comunicação, história e memória. Cruz (2013) promoveu um estudo sobre o estado da arte, no qual foram encontrados 71 textos tomando como objeto a relação entre Memória Organizacional e comunicação organizacional. Estes representavam menos de 1% do campo da Comunicação no Brasil até aquele ano. A autora, porém, ressalva que

Longe de significar ser este um assunto de pouca relevância, a baixa incidência de estudos no campo da Comunicação indica que há um grande espaço para o desenvolvimento de novas pesquisas sobre o tema, que problematizem os usos que as organizações vêm fazendo das práticas memorialistas e avancem no questionamento da produção (CRUZ, 2013, p. 142).

Apesar da sinalização feita pela autora, dados recentes mostram um avanço tímido de publicações relacionando comunicação organizacional desde aquele levantamento. Em pesquisa realizada para sua tese de doutorado, Andreoni (2018) mapeou os Anais da Associação dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e da Intercom, abrangendo o GP Relações Públicas e Comunicação Organizacional e o GT Comunicação no Contexto das Organizações (ANDREONI, 2018, p. 49), no período de 2014 a 2017. Seu propósito era o de localizar artigos que contivessem a palavra “memória” entre o título, resumo e/ou palavra-chave. Como resultado do mapeamento, foram encontrados somente cinco publicações, reforçando a necessidade de ampliação do debate sobre o tema na comunicação. Notamos, porém, que tanto nos levantamentos de Cruz (2013) quanto

20Com data de 2004, elaborada por Celeste Janete Toledo, A memória empresarial como ferramenta de comunicação: Case Corn Products Brasil é um estudo de caso sobre o uso da memória

organizacional pela empresa, fornecedora de produtos refinados a partir do milho para diversas indústrias (CRUZ, 2013, p. 136).

no de Andreoni (2018) não foram levados em conta trabalhos publicados nos Anais da Associação Brasileira de Pesquisadores da História da Mídia (Alcar). A associação promove encontros nacionais e regionais a respeito da história de processos midiáticos e conta com o GT História da Publicidade e da Comunicação Institucional.

Ao fazermos essa leitura do desenvolvimento das pesquisas relacionando comunicação organizacional e Memória Institucional, é pertinente olharmos que as duas áreas ganharam importância e visibilidade no cenário empresarial nacional de forma paralela no tempo. Essa constatação ficou mais clara a partir do estado da arte organizado por Cruz (2013), quando a pesquisadora refere-se à ascensão da cultura da memória e da comunicação organizacional a partir dos anos 1980, consolidando-a como uma dimensão fundamental e tendo, nos projetos memorialísticos, um recurso estratégico de relacionamento com os públicos de interesse, além de contribuir no processo de tomada de decisão nas organizações. Cabe pontuar, porém, que as universidades, em especial de natureza comunitária, não figuram nos resultados de pesquisas envolvendo comunicação organizacional e Memória Institucional. Essa constatação reforça a pertinência das dimensões abarcadas por nosso estudo como forma de estabelecer um olhar científico sobre as ICES.

Para classificar as práticas de memória adotadas e disponibilizadas nos portais das ICES, usamos como referencial os Produtos de Memória Empresarial apresentados por Totini e Gagete (2004). Mesmo que não estejamos tratando de empresas, mas, sim, de instituições, a categorização atende à necessidade do nosso trabalho. De acordo com as autoras,

As fontes e informações históricas, reunidas e analisadas a partir de pesquisa sistemática, transformam-se em valiosas matérias-primas não apenas para a análise dos caminhos vividos pela empresa como para a elaboração de diferentes produtos, de acordo com as ações estratégicas corporativas de comunicação interna e externa e os públicos-alvo visados (TOTINI; GAGETE, 2004, p. 121).

Dentre estes produtos estão os conteúdos para internet e intranet, que “geralmente se transformam em importante fonte de pesquisa, pela agilidade e rapidez de acesso aos dados e informações retrospectivas consolidadas, incluindo

imagens e documentos digitalizados” (TOTINI; GAGETE, 2004, p. 123). No Quadro 1, que segue, há uma descrição resumida de cada produto elencado pelas autoras.

Quadro 1 – Produtos de Memória Empresarial

Livro histórico-institucional Publicação de boa qualidade gráfica e ricamente ilustrada,

contemplando os mais importantes marcos de inflexão da história da organização e suas inter-relações com o contexto histórico mais amplo. Suas aplicações, conforme públicos-alvo, são: dar suporte a ações de endomarketing (público interno); estabelecer relação de empatia pela narrativa histórica (imprensa, formadores de opinião e universidades); reforçar a imagem institucional (investidores); e valorizar a marca (público geral).

Outras publicações institucionais, vídeos e cd- rom

A partir do conteúdo coletado, podem gerar: biografias e coletâneas de trabalhos; histórico do setor de atuação da empresa; estudos sobre estratégias mercadológicas; campanhas publicitárias; e coletânea de depoimentos.

Relatórios internos / Estudos de caso

Projetos que não se destinam à publicação ou divulgação externa, com o propósito de instrumentalizar gestores, sendo de circulação restrita.

Conteúdos para internet / intranet

Conteúdos mais consistentes sobre a trajetória da empresa do que as tradicionais “linhas do tempo”. Fonte de pesquisa para público interno e externo, com imagens e documentos digitalizados.

Show room histórico / Museu

empresarial

Quando desprovidos de caráter meramente de celebração ou de deferência, podem se transformar em importantes interfaces com a comunidade, abrangendo aspectos relevantes da área da atuação, além da tradição do próprio empreendimento.

Exposições e produtos de suporte

Desde exposições temporárias e pequenas publicações até palestras, relatórios anuais e de responsabilidade social, e programas de treinamento e acompanhamento de visitantes externos.

Centros de Documentação e Memória

São os mais completos produtos de Memória Empresarial.

Constituem-se em setores responsáveis pela definição e aplicação de uma política sistemática de resgate, avaliação, tratamento técnico e divulgação de acervos.

Fonte: o autor (2019), com base nos produtos de Memória Empresarial de Totini e Gagete (2004, p.121-124).

Os procedimentos acima descritos compreendem parte de nossa pesquisa no ambiente dos portais das ICES selecionadas, a partir dos textos de apresentação

institucional disponíveis nas áreas que estabeleceremos à frente. A explicitação dos produtos e práticas de memória nos auxiliará a esclarecer a imbricação entre a comunicação da memória e as relações com a cultura e identidade institucional.