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Capítulo I – Educação de Infância e multideficiência – da diversidade à interação entre pares

2. A criança: um ser naturalmente social

2.1. Comunicação na infância: As interações não-verbais e verbais

Como vimos anteriormente, a comunicação pode ocorrer de diversas formas, sendo que se pode dividir em comunicação verbal também designada de comunicação simbólica e a comunicação não- verbal ou não-simbólica. De seguida, serão descritas as comunicações não-verbais e verbais. Pelo que, estas descrições poderão surgir acompanhadas com valores de referência que são “valores

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médios aproximados para crianças sem comprometimento neurológico e em situação de perfeita integridade anatómica” (Sim-Sim, 1998, p. 91).

Entende-se como comunicação não-verbal “todo o tipo de actividade motora ou física de várias partes do corpo que, na interação face a face, tem um papel comunicativo importante” (Rodrigues, 2007, p. 86), uma vez que se caracteriza por ser um meio de transmissão de mensagens em que não se faz uso da linguagem escrita, falada, bem como os seus derivados sonoros (como por exemplo, a língua gestual) (Carvalho, 1983; Mesquita, 1997; Santos, 2002).

À medida que o ser humano se desenvolve, as formas de comunicação não-verbal anteriormente utilizadas vão sendo, progressivamente, acompanhadas por “meios de comunicação cada vez mais diversificados e simbólicos, até que a comunicação verbal se instala” (Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008, p. 32). Perante isto, importa esclarecer que a comunicação verbal tem implícita a capacidade de falar e “ouvir” o que se fala (Rodrigues, 2007). Sim-Sim, Silva e Nunes (2008) elucidam que é através da interação verbal que a criança adquire a língua materna, sendo que este é o meio “mais elaborado e privilegiado da interacção comunicativa” (p. 33). É um processo que envolve diversas etapas e, caso não haja problemas articulatórios associados, as primeiras palavras surgem por volta dos 9/12 meses de vida (Sim-Sim, 1998).

De seguida, serão apresentadas várias formas de comunicação, tanto verbal como não-verbal, pelo que se irá focar o olhar, o toque, o sorriso, as vocalizações e, por fim, a linguagem oral. Importa salientar que na perspetiva de Marc e Picard (s.d.) não se pode dissociar a interação corporal da interação verbal uma vez que estes se combinam originando uma comunicação total.

2.1.1. O Olhar (O)

O contato ocular é crucial para que a criança se desenvolva socialmente com sucesso (Amorim, Anjos & Rosseti-Ferreira, 2012; Belini & Fernandes, 2007; Farroni, Johnson & Csibra, 2004) na medida em que a ajuda a obter e a manter as interações (Nunes, 2008). Sendo que o olhar constitui uma parte de grande importância no sistema de comunicação não-verbal (Garvey, 1992).

Segundo Belini e Fernandes (2007, p.166), “o olhar não é simplesmente a visão: tem função psíquica no diálogo olho a olho, apoiando a comunicação e constituindo a relação com o Outro”, sendo revelador do interesse e atenção por parte do indivíduo (Espinha, 2008). Torna-se, assim, um recurso comunicativo utilizado com mais frequência na relação entre as crianças, permitindo a ocorrência de múltiplas interações e promovendo aprendizagens significativas (Elmôr, 2009). De acordo com as investigações realizadas por Carvalho et al. (1997) descritas por Amorim, Anjos e Rosseti- Ferreira (2012), o olhar ativo da criança recai em si, nos outros ou nos objetos. Como tal “desencadeia ações no coetâneo (vocalizações, movimentos de aproximação ou afastamento do parceiro), emoções (expressão de alegria, susto ou apreensão ao se deparar com o outro a olhá-lo)

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ou ações semelhantes àquela que o outro realiza (como colocar ou tirar objetos de uma caixa)” (Amorim, Anjos & Rosseti-Ferreira, 2012, p. 380).

Neste sentido, é possível afirmar que o olhar permite a apreensão do mundo que o rodeia, a perceção sobre as emoções dos seus pares, a modificação das suas ações e das dos seus pares possibilitando interações entre eles e a aceitação recíproca (Amorim, Anjos & Rosseti-Ferreira, 2012; Belini & Fernandes, 2007; Matamala, 1980).

2.1.2. O Toque (T)

O primeiro sentido usado quando a criança nasce é o tato (Bee, 1986; Papalia & Feldman, 2009), sendo que “a comunicação que o bebê recebe através do calor da pele da mãe se torna a primeira experiência socializadora de sua vida” (Montagu, 1905, p. 100). Ao longo do crescimento, a maneira como estabelecemos contacto físico com outros sujeitos dá evidências sobre o tipo de interações que estabelecemos entre nós e os outros dando indicações sobre os sentimentos ou emoções que nutrimos por estes (Espinha, 2008).

Montagu (1905) aborda o toque como contato corporal simples ou o contato corporal mais complexo que envolve, por exemplo, o afagar, o abraçar, o acariciar, o segurar ou o alisar. Segundo o mesmo autor “o tato é a origem dos nossos olhos, ouvidos, nariz e boca” (p. 21) e a estimulação tátil exercida é de extrema importância para o desenvolvimento do sistema nervoso e da respiração. Como tal, o toque é indispensável para o bem-estar físico e comportamental da criança permitindo o desenvolvimento de relacionamentos emocionais e afetivos saudáveis (Keating, 1983; Montagu, 1905).

Os estudos que Ortega e Gasset realizaram permitem perceber que é através do tato que as crianças estabelecem interações com o que está ao seu redor, determinando a estrutura do seu mundo (ibidem). De tal forma que, “é este contato corporal com o outro que fornece a fonte essencial de conforto, segurança, calor e crescente aptidão para novas experiências” (Montagu, 1905, p. 52), pelo que a sua ausência durante a infância de um ser humano traz diversos problemas no que diz respeito ao desenvolvimento físico e psíquico dando origem a carências de comportamento na idade adulta (AA. VV., 2009). Podemos sobreviver a privações sensoriais de outra natureza, desde que a experiencia sensorial do toque permaneça (Montagu, 1905).

2.1.3. Expressão Facial (EF)

As expressões faciais podem manifestar-se através de expressões de desagrado e de agrado. Como anteriormente já fizemos referência às expressões de desagrado, refletiremos aqui acerca do sorriso como uma manifestação de agrado, poir para Bower (1983) o sorriso “indica um prazer intelectual, o prazer de ter descoberto algo acerca da estrutura causal do mundo, o prazer de controlar uma parte desse mundo” (p. 60).

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É entre os 12 e 15 meses que se inicia a intenção por parte dos bebés para comunicarem entre si devido a permanência de um objeto, surgindo o sorriso antecipatório. Este caracteriza-se pelo facto da criança perante a demonstração de um objeto sorrir para este, e ao desviar o olhar continuar a sorrir para a criança que esta a interagir (Papalia & Feldman, 2009). À medida que o bebé se desenvolve, os momentos em que sorri e a maneira como sorri vão-se alterando levando-o a participar mais intensamente em situações sociais muito estimulantes.

De acordo com os estudos que Brannigan e Humphries (1972), Jones (1972) e Mcgrew (1972) realizaram, conclui-se que é possível observar três tipos de sorrisos: Closed smile (sorriso fechado), em que a criança sorri sem exposição dos dentes; Upper smile, onde existe a exposição dos dentes superiores; Broad smile, em que o sorriso se apresenta com exposição dos dentes superiores e inferiores (Sarra & Otta, 1990). Com base nestas categorias Cheyne (1976) realizou um estudo com crianças entre os 2 e 5 anos verificando que o upper smile é o sorriso mais utilizado nesta faixa etária. Por sua vez, o closed smile “is typically seen when the child is engaged in solitary play” (Cheyne, 1976, p. 820) e a sua função social é quase imutável ou inexistente. No caso do broad smile, este surge nos momentos em que as crianças estão envolvidas em brincadeiras ativas e verifica-se com maior frequência entre os 3 e os 4 anos (ibidem).

2.1.4. As vocalizações (V)

A primeira forma de comunicação que a criança estabelece com o ambiente que a rodeia é através de uma manifestação sonora que perdura durante todo o seu desenvolvimento, o choro (Sim-Sim, 1998). Através do choro, a criança poderá comunicar diferentes sentimentos e manifestar as suas necessidades (Bower, 1983; Costa & Santos, 2003) às quais o adulto vai responder. També, segundo o investigador Marcel Cohen (1952, 1962), após o nascimento podem surgir gemidos, grunhidos ou murmúrios que poderão significar aprovação, dúvida, recusa, bem como cliques ou ruídos de sucção (por exemplo o clique «tt» ou «tutt») que exprimem a contrariedade (Lézine, 1985). Com o passar do tempo, a criança pretende demonstrar que está feliz e começa a emitir gritos agudos, gorgolejar e a pronunciar sons de vogal como “ahhh” (Lézine, 1985; Papalia & Feldman, 2009).

O desenvolvimento do período pré-linguístico caracteriza-se por um conjunto de produções sonoras: choro, gritos, gargalhadas, palreio e lalação (Bee, 1986; Papalia & Feldman, 2009; Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008) e vai acontecendo gradualmente. O palreio “consiste numa cadeia de sons vocálicos, particularmente sequências de [o], e sons consonânticos, principalmente [g] e [k]” (Sim-Sim, 1998, p. 91) e marca uma grande alteração na capacidade de comunicação da criança. A transição entre o palreio e a lalação caracteriza-se “pela produção de segmentos silábicos isolados em que o som vocálico ou o som consonântico são exageradamente prolongados e acompanhados de variações de intensidade e tom” (ibidem, p. 92). A lalação tem como principal característica a reduplicação

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silábica na medida em que há uma combinação consoante/vogal que se repete em cadeia, como por exemplo “mamamama” ou “babababa” (Sim-Sim, 1998; Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008).

Importa salientar que “a articulação é uma realização motora, é evidente que um dos factores a influenciar a produção das primeiras palavras está relacionado com as capacidades motoras”(Sim- Sim, 1998, p. 93), pelo que crianças que possam ter algum problema a este nível por vezes não atinge o período linguístico.

2.1.5. A Linguagem Oral (LO)

A criança entra no período linguístico com a produção das suas primeiras palavras (Bee, 1986; Lézine, 1985; Papalia, Olds & Feldman, 2009; Sim-Sim, 1998). Progressivamente, a criança vai reduzindo a estrutura reduplicada das sílabas para produzir uma ou duas sílabas (cv; cvcv) começando a atribuir significados aos sons que articula (Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008). A criança começa por produzir os primeiros vocábulos que se relacionam com o seu mundo, ou seja, vocábulos familiares (como por exemplo, nome do cão, do pai, do objeto que mais gosta, etc) (Lézine, 1985). Por volta dos 5/6 anos a criança “atinge o nível e a qualidade de produção fónica de um adulto” (Sim-Sim, Silva & Nunes, 2008, p. 16).

Com o crescente domínio da língua a criança vai ficando cada vez mais hábil para exprimir os seus afetos, colocar questões, transmitir conhecimentos, expressar pedidos e ordens, entre outros (Sim- Sim, 1998). Assim, a criança torna-se progressivamente mais autónoma e mais apta para se desenvolver socialmente.

Todos estes processos apresentados têm início nos primeiros anos de vida e vão evoluindo à medida que a criança vai crescendo, contudo continuam a ser meios de comunicação essenciais na interação ao longo da vida. De referir ainda que, embora já tenham sido descritas as caraterísticas da comunicação das crianças com multideficiência, estas conseguem-se manifestar de forma semelhante aos seus pares, reconhecendo-se as suas limitações e dificuldades caraterísticas da sua multideficiência. Por isso, os parceiros de comunicação destas crianças desempenham um papel importantíssimo quando são capazes de reconhecer as formas de comunicação utilizadas, quando compreendem as suas intenções comunicativas e dão resposta a esses comportamentos (Nunes, 2003; Nunes, 2005; Nunes, 2006; Silva, 2000).

Torna-se “é indispensável criar um ambiente de aprendizagem que constitua uma verdadeira experiência de aprendizagem para a criança” (Nunes, 2001, p. 28). Desta forma, o adulto identifica as formas de comunicação que são usadas pelas crianças com multideficiência, percebe as suas intenções e ainda promove interações com este grupo de crianças e os seus pares (Nunes, 2001; Odom, et al., 2007; Serrano & Gallagher, 1994). Assim, cria-se um ambiente que convida as crianças com multideficência a darem respostas e que impulsiona, por parte dos pares da mesma, o

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estabelecimento de comunicações em situações que não sejam estruturadas pelo adulto (ibidem). Essas situações não estruturadas ocorrem, no contexto de Jardim de Infância, nos tempos de brincadeira, como veremos no ponto seguinte.