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Parte I – Dimensão Reflexiva

2. O caminho percorrido no 1.º Ciclo do Ensino Básico – uma assunção do passado, presente e

2.2. Observação: O ponto de partida para a exploração de histórias

Como o pintor que recua muitas vezes para ver mais nitidamente a obra que emerge do seu trabalho, o professor necessita […] de parar, de observar, de escutar. Se a atmosfera está suficientemente impregnada de liberdade ele obterá uma imagem adequada do que se passa e do que é necessário fazer (Luft, 1976, p. 80).

Neste sentido, e por ter consciência de que é só através da observação que é possível o professor caracterizar o ambiente educativo que fará parte da sua rotina, (Estrela, 2008) esta foi uma técnica educativa que valorizei desde cedo na minha prática pedagógica.

Através das primeiras observações que realizámos, conseguimos ter um olhar aprofundado sobre os fatores que estavam envolvidos no contexto de ensino-aprendizagem dos alunos e que são cruciais para o seu sucesso educativo (Vayer e Coelho, 1992). Assim, os dados que recolhemos inicialmente tinham como objetivo caracterizar o ambiente em que cada uma das crianças estava inserida para que o processo de ensino-aprendizagem se centrasse no aluno, correspondendo àquilo que eram as suas necessidades e interesses.

A escuta ativa4 de cada uma das crianças fornece várias informações sobre aquilo que pensam ou

sentem, isto se pararmos para as ouvir e questionarmos o que observamos (Jablon, Dombro & Dichtelmiller, 2009). Sendo assim, enquanto atores educativos ativos e preocupados temos o dever de ajustar a nossa prática às diferentes situações que vão surgindo. Desta forma, os alunos percebem que o professor está atento e os respeita na sua individualidade, fomentando-se uma base sólida de confiança na qual se constrói uma relação onde professor e aluno aprendem mutuamente, num processo constante de dar e receber.

É, portanto, da competência do professor, “envolver as crianças nas actividades, procurando compreender o que é que realmente as mobiliza, que questões é que se lhes levantam, o que é que é realmente importante para elas, que sentido dão às actividades” (Portugal, 2008, p. 65).

Como tal, todas as decisões que o professor toma na sua ação educativa dependem, direta ou indiretamente, da observação e sua análise sobre determinado episódio ou situação (Serafini & Pacheco, 1990). Com uma observação perspicaz e bem cuidada o professor pode assim pensar sobre o percurso de desenvolvimento e aprendizagem que pretende desenvolver com o grupo de alunos em que está inserido.

4 Entende-se como escuta ativa a observação que o educador/professor realiza com o objetivo de perceber

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Em ambos os contextos da PES de 1.º CEB, observámos que uma das dinâmicas das professoras cooperantes passava pela leitura de histórias, momentos durante os quais os alunos se mostravam bastante interessados e envolvidos. Foi neste sentido, e também por verificarmos que os alunos apresentavam dificuldades ao nível da leitura, sobretudo a nível da compreensão de textos, que decidimos proporcionar momentos que envolvessem a educação literária, bem como a leitura e exploração de textos de diversas formas.

Para além disso, as Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico têm como domínio de referência a Educação Literária salientando-a como um motor que “veicula tradições e valores e […] contribui para a formação completa do indivíduo e do cidadão” (Buescu, Morais, Rocha & Magalhães, 2012), o que traduz a sua importância na formação dos alunos.

É, por isso, necessário que o professor tenha a capacidade de escolher histórias que demonstrem ter um caráter significativo para os alunos e, sobretudo, que sejam inquietantes, ou seja, que proporcionem a formulação de questões a diferentes níveis, o que levará os alunos a ficarem instigados procurando respostas que os façam refletir e desenvolver estruturas de pensamento superior.

De facto, foi esta linha de pensamento que seguimos para fazer a seleção das histórias. Porém, este foi um processo no qual sinto que houve uma evolução da nossa parte, na medida em que tivemos cada vez mais cuidado na seleção dos textos, estando particularmente atentas à complexidade linguística, à extensão, ao assunto apresentado e à forma dos textos (Cabral, 2004), o que possibilitou uma exploração cada vez mais rica dos mesmos. Na turma do 2.º ano de escolaridade as obras que explorámos foram O elefante cor-de-rosa de Luísa Dacosta, A Colcha de Retalhos de Conceil Côrrea da Silva e Nye Ribeiro, Coração de Mãe de Isabel Minhós Martins e o Principezinho de Antoine Saint-Exupéry. Destaco o facto de nos termos preocupado em utilizar

diferentes modos de abordagem, nomeadamente fantoches [imagem 16], teatro de sombras [imagem 17], projeção em PowerPoint ou apenas [e tão importante!] o livro, foi possível proporcionar aos alunos momentos diversificados de leitura e de exploração de histórias, o que não só facilitou a sua compreensão do texto, relativamente à leitura efetuada pelos mesmos, como também permitiu que estes estivessem mais envolvidos e motivados para as histórias. (anexo XII - Reflexão semanal de 2 a 4 de junho de 2014)

Durante estas explorações, todos os momentos foram muito enriquecedores permitindo-nos perceber as diferentes conceções que os alunos tinham relativamente a cada história e, sobretudo, de que forma se identificavam ou não com estas, referindo os seus sonhos, desejos e medos.

Imagem 16 – A professora

estagiária conta a história O elefante cor-de-rosa com recurso a um fantoche.

Imagem 17 – Elementos

utilizados no teatro de sombras da história O Principezinho.

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Na obra O elefante cor-de-rosa, saliento o excerto 1 que evidencia a intervenção de um dos alunos onde este refere que já se tinha sentido como o elefante. Este exemplo reflete a importância das histórias como veículo para se abordarem um grande número de temáticas do nosso quotidiano, por vezes, sensíveis e de difícil aprofundamento. De facto, “através das narrativas é possível ordenar e organizar

categorias de factos, situações ou emoções, estabelecendo entre elas nexos relacionais de vária ordem” (Roldão, 1995, p. 3), sendo que cabe ao professor fazer uma gestão adequada das várias interações que possam advir destes momentos, uma vez que estes podem ter um papel muito importante na formação do sujeito.

Durante as leituras das obras tentámos dividi-las em três momentos fulcrais: pré-leitura, leitura e pós-leitura (Pereira, 2003). Em cada um destes momentos, os alunos puderam realizar previsões sobre o que observavam (por exemplo, o que lhes sugeria a capa do livro) e o que iria acontecer para que depois pudessem comparar as suas previsões com a realidade da história. Ao observarmos que os diálogos de partilha de ideias eram valorizados pelos alunos, começámos a dedicar mais tempo a estes momentos que se demonstraram muito enriquecedores para o desenvolvimento da criatividade e imaginação dos mesmos. Como refere Quadros (1972, p. 30, cit. Bastos, 1999, p. 30) “o estímulo à imaginação pela narrativa maravilhosa (…) é uma verdadeira pedagogia da criatividade – que terá mais tarde reflexos […] no sentido da liberdade do homem adulto perante os sistemas mecanicistas que o rodeiam”.

Na fase de pré-leitura esperava-se que os alunos, mediante a apresentação da capa do livro e/ou do título, referissem algumas hipóteses sobre o conteúdo da história, nomeadamente o tema, personagens e ações.

No excerto 2 estão explícitas algumas hipóteses colocadas pelos alunos aquando da observação da capa do livro Coração de mãe (imagem 18), é de salientar que o título do livro foi tapado para que os alunos não o pudessem ver. Com a leitura da história, os alunos puderam verificar se as suas hipóteses estavam certas ou não.

Excerto 1 – Intervenção de um dos

alunos durante a exploração da obra O elefante cor-de-rosa:

Bárbara: Sabem como se diz quando estamos sozinhos? Solidão!

MO: A solidão não pode existir! Bárbara: Porquê?

MO: Porque é triste! Eu no 1.º ano estive na solidão porque estava muita gente ao pé de mim mas ninguém quis brincar comigo…

Excerto 2 – Hipóteses colocadas por alguns dos alunos

sobre as figuras da capa do livro:

Bárbara: O que é que esta capa vos sugere? O que estão a fazer estas figuras? Quem são estas figuras?

RU: Estão na praia! O menino está descalço..

MO: Podem ter ido fazer um piquenique e agora estavam a descansar…

JO: É uma mãe e um menino num piquenique!

Imagem 18 – Capa do

27 Posto isto, surge a fase da leitura que, caso fosse pertinente, era interrompida (Pereira, 2003), nomeadamente se fosse necessário chamar à atenção dos alunos para uma ocorrência ou no caso de querermos que apresentassem algumas previsões sobre

o que aconteceria de seguida. Através do excerto 3 é possível observar as previsões que alguns alunos realizaram quando coloquei a questão Qual terá sido a ideia do cometa para ajudar o elefante cor-de-rosa?

Por último, na fase da pós-leitura, espera-se que o professor relembre o vocabulário abordado e as ilustrações para que se possa assegurar que todos os alunos compreendem a história e para que estes tenham a oportunidade de fazerem as suas leituras pessoais sobre esta (Pereira, 2003). Assim, os alunos percebem que é dado valor aos seus pensamentos o que lhes permite que fiquem menos inibidos e gostem de partilhar os seus pensamentos, fomentando-se o desenvolvimento da reflexão crítica em torno de vários assuntos.

Neste momento, também é fundamental que se proceda ao reconto da história, sendo que deverão ser os alunos a fazê-lo, como se pode observar na imagem 19, para que o professor possa perceber o que compreenderam da história e, eventualmente, eliminar algumas lacunas a nível da compreensão da mesma. Ao recontarem a história as crianças “dão a conhecer quais os elementos da história que têm

significado para elas, quais são as suas competências na tomada de papéis e, ainda, indicam se são ou não capazes de […] anteciparem o que acontecerá de seguida” (Marques, 2003, p. 37).

É necessário que o professor tenha consciência de que “formar leitores é ensinar a compreender um texto, é ensinar a reconhecer e a dar sentido e interesse ao texto, o que supõe necessariamente o trabalho, o prazer e a emoção da leitura” (Balula, 2010, p. 2). Ou seja, o professor tem de fomentar nos seus alunos o prazer de realizarem frequentemente leituras diversificadas para que estes desenvolvam múltiplas competências, não só ligadas ao domínio do português, mas também no que diz respeito ao seu desenvolvimento pessoal e social, melhorando e aprofundando os conhecimentos que têm de si e do mundo (Roldão, 1995, p. 4).

Conhecer as crianças como pessoas e como aprendizes fornece as informações que você precisa para ser um tomador de decisões efetivo na sala de aula. Com as informações que você adquire ao observar, você pode selecionar os materiais certos, planejar atividades adequadas e fazer perguntas que orientem as crianças para aprender a entender o mundo que as rodeia (Jablon, Dombro & Dichtelmiller, 2009, p. 13).

Assim, é possível concluir que a observação é uma poderosa técnica educativa que permite ao professor criar uma planificação ponderada e ajustada àquilo que são as características do seu grupo de alunos.

Excerto 3 – Previsões de alguns alunos:

RU: O elefante e o cometa vão viver juntos. MO: Os outros cometas fazem um tapete voador para o elefante ir para o Zoo. JO: O cometa levou o elefante para a savana. AB:O elefante foi viver para o Monte Selvagem dos elefantes.

Imagem 19 – AM reconta um

excerto da história O elefante cor-de-rosa com recurso a um fantoche.

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