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Comunidade e consenso: a experiência do nosotros

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CAPÍTULO III – COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA E COMUNIDADE: TEORIA E

1.1 Comunidade e consenso: a experiência do nosotros

Enquanto vontade própria de uma comunidade, o consenso representa a força e a solidariedade social que associa os homens em torno de um bem comum, enquanto membros de um todo, de uma coletividade. O consenso pode ser considerado também a partir da estrutura da linguagem, a significação e a razão de tal relação existente na comunidade. “[...] tudo o que pertence à significação de uma relação comunitária, tendo um sentido em si e para si mesmo, representa seu direito, e é respeitado como a vontade real e própria da maioria dos associados” (TÖNNIES, 1995, p. 243).

O consenso é baseado no conhecimento íntimo de cada um, no compartilhamento da vida comunitária, na inclinação para o compartilhamento de alegrias e tristezas. Quanto maior a experiência, o caráter e o modo de pensar em comunidade, mais provável é o consenso. Contudo, o órgão verdadeiro do consenso ocorre por meio da linguagem. De acordo com Tönnies (1995, p. 243), “A linguagem – como se sabe – não foi inventada de modo semelhante a uma ferramenta, como um modo de se fazer compreender, mas é, ela própria, um consenso, por seu conteúdo e forma” (TÖNNIES, 1995, p. 244). É por meio da linguagem que se desenvolvem, evoluem e se manifestam sentimentos e emoções. A linguagem deriva da confiança, dos sentimentos profundos e do amor.

O consenso é a expressão mais simples do ser em comum, da convivência autêntica, da habitação e ações comuns. Possui importância primordial na visão de Tönnies para a vida doméstica, encontrada na aliança entre marido e mulher e na educação dos filhos. Tönnies continua exemplificando o consenso e sua relação intrínseca com a linguagem. Aponta que contratos constituem acordos decididos, fabricados, já as promessas supõe a linguagem que deve ser clara, tendo em vista um aceite recíproco das ações a serem propostas. “Um tal acordo pode estar implícito (como se fosse realizado) quando a ação é, ela própria,

determinada implicitamente. Pode, então, naturalmente (per accidens), ser tácito” (TÖNNIES, 1995, p. 245). Mas o consenso, segundo o autor, é de acordo com sua natureza, mudo “porque seu conteúdo é, inexprimível” (TÖNNIES, 1995, p. 245). O diálogo é pedra fundamental do consenso, pois a vida em comunidade é vista numa perspectiva de trocas e na experiência cotidiana.

Para Paiva (2003, p. 91), dentre as produções que o indivíduo partilha com o outro está a linguagem. “A língua compõe um conjunto sígnico que os sujeitos duma localidade se dispõem a partilhar, como forma básica de repartir suas experiências e suas produções”. (PAIVA, 2003, p. 91). Para a autora, a linguagem constituiria um elo espiritual, pelo qual os indivíduos poderiam expressar seus pensamentos, vivificar normas, eternizar o grupo. Por outro lado, aponta que a linguagem constituiria também um elo concreto cuja capacidade seria a de formar um grupo, uma comunidade, um território (PAIVA, 2003, p. 91).

Um exemplo atual sobre o consenso é o que pode ser verificado na perspectiva da comunidade Tojolabal em Chiapas, no México. O pesquisador Carlos Lenkersdorf (2002) aponta em seu texto “Aspectos de educación desde la perspectiva maya-tojolabal” pontos significativos do sistema educacional da comunidade Tojolabal, por meio do nosotros, o conceito chave de cosmovisão dos tojolabales. O significado da palavra nosotros vem do espanhol, é a terceira pessoa do plural, tal qual o “nós” em português. A solução encontrada pela etnia assinala que nosostros é muito mais do que a soma de indivíduos, justamente porque o consenso é sintetizado por toda a comunidade. Nesse sentido, o nosostros corresponde a um princípio organizativo social. Para Lenkersdorf (2002),

No contexto da sociedade Tojolabal, existem regras firmes e muito seguras para a solução dos problemas que se apresentam em suas comunidades, seja em nível local ou em níveis mais amplos. Quando isso ocorre, todos os membros se reúnem e, todos juntos, resolvem o problema (LENKERSDORF, 2002, p. 69, tradução nossa).

Carlos Lenkersdorf por meio de sua pesquisa descobre que a comunidade só funciona em conjunto, seja na realização de tarefas cotidianas, seja na apreensão de exercícios escolares, pois para eles o processo do fazer e do realizar em conjunto é a razão de ser da comunidade. Daí a origem do consenso, a nosso ver, em relação à comunidade Tojolabal. Forma-se também um elo espiritual e concreto como aponta Paiva (2003, p. 91).

Segundo Tönnies (1995, p. 245), existe um sentido comum, crenças, fé que penetram nos membros de um povo símbolo de sua unidade que, mesmo de forma incerta, e insegura

“estendem-se com uma intensidade crescente e configuram-se plenamente o tronco e os ramos de um clã (tribo ou descendência)”. Para o autor, a associação orgânica dos seres, seja nas comunidades de sangue ou aliança, aparece de forma mais clara nas famílias, cuja origem remonta à formação primitiva. Para ele, a vida comunitária se desenvolve na relação com a terra e o lar. Nas cidades, essa relação se dá por meio da organização do trabalho, dos grêmios, da associação de culto, confraria, da comunidade religiosa. Dessa forma, Tönnies formula seu pensamento e indica que a comunidade é mantida a partir dos sentimentos comuns provenientes do consenso, da concórdia e da vinculação com o território.

Tönnies se preocupou em fazer um quadro detalhado sobre os desígnios da comunidade, contudo, Muniz Sodré contextualiza que nenhuma comunidade foi jamais tão orgânica ou tão homogênea como a pensada por Tönnies. Todavia, mesmo em termos sociológicos, é preciso entender a comunidade como “o imaginário de um modo de organização do agrupamento humano, seja espontâneo, autorrevelado ou teoricamente formulado por pensadores” (SODRÉ, 2002, p. 194).

A máxima do pensamento tönniesiano é que ele vincula comunidade à ideia de território e isso nos dias atuais, torna-se inviável devido à própria dinâmica dos condicionantes entre espaço e tempo que foram encurtados. Primeiro, em virtude do sistema de transportes e telecomunicações, depois com o advento das tecnologias de informação e comunicação, em especial, a internet, como veremos no decorrer de nossas análises.

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