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3 METODOLOGIA DA PESQUISA

3.2 DIMENSÕES E PARÂMETROS DE ANÁLISE

3.2.1 Dimensão diatópica: rede de pontos

3.2.1.2 A comunidade menonita de Curitiba (PR)

Curitiba, a capital do Paraná, desde o início atraiu os menonitas que viviam em Santa Catarina. A sua localização, 110 km do oceano Atlântico, bem como o seu clima subtropical, entre 16 e 20 graus, não era apenas interessante para os menonitas, mas alvo de muitos outros imigrantes europeus desde a metade do século XIX.

Após quatro anos de colonização em Santa Catarina, várias famílias menonitas decidiram emigrar, em 1934, para Vila Guaíra (atualmente Água Verde), em Curitiba, onde já predominavam imigrantes de origem alemã. A partir dessa época, Vila Guaíra tornou-se o ponto de afluência dos menonitas que chegavam a Curitiba. No entanto, esse novo lugar não oferecia nenhuma condição para a constituição de uma comunidade menonita, relativamente fechada, como era o desejo da maioria. Tal oportunidade surge em 1936, através do loteamento de terras de uma fazenda, situada a 7 km do centro da cidade, pela “Companhia Territorial Boqueirão Ltda” A partir de 1936, muitas famílias menonitas de Santa Catarina compraram seus lotes e formaram três núcleos de caráter rural: Boqueirão I, Boqueirão II e Xaxim.141 Nesses núcleos, os colonos dedicaram-se exclusivamente à

139 Publicação para o Cinquentenário de Colônia Nova (1949-1999) – Bagé (RS). 140 Opinião de um pastor, morador da Colônia Nova (RS).

agricultura e à produção de leite. O fato de morarem mais distantes e isolados do centro da cidade fez com que o contato com a língua portuguesa se restringisse à venda do leite na cidade, às instruções de trabalho aos empregados brasileiros e ao português estudado na escola.142 Na Vila Guaíra, por outro lado, o grupo de famílias cuja atividade econômica principal foi a indústria da madeira, serraria e fábrica de móveis, manteve um contato mais estreito e constante com os elementos da brasilidade.

Com o crescimento da cidade, as antigas e mais afastadas comunidades rurais dos menonitas, Boqueirão e Xaxim, também se transformaram em bairros urbanos bem integrados em Curitiba. Muitos menonitas viram-se forçados a procurar por terras ou fazendas mais distantes da cidade, para poder continuar com a sua atividade como pecuarista ou agricultor. Outros foram inserindo-se economicamente na cidade e no bairro, trabalhando em empregos fixos ou transformando-se em empresários urbanos. Muitas das chácaras do Boqueirão e Xaxim foram loteadas no final dos anos 60 e início dos anos 70. Segundo Minnich (1966), os menonitas estavam passando, em 1965, por grandes mudanças culturais e sociais, principalmente em decorrência do declínio drástico da proporção de agricultores em relação à sua população. Se, no início dos anos 30, mais de 90 % dos homens trabalhavam no campo, em 1965, seu total era de apenas 44 %. A partir dessa época, os menonitas atuam nas mais diversas áreas e profissões da indústria, comércio, educação e saúde em Curitiba.

A urbanização crescente da metrópole de Curitiba, como nos bairros do Boqueirão e do Xaxim, segundo Sahr, (2000, p. 72) “pode ser vista como uma intrusão do sistema capitalista no “mundo dos menonitas”, através da especulação imobiliária.” Consequentemente a integração geográfica dos menonitas teve alterações significativas, ou melhor, a maioria dos vizinhos das famílias menonitas são moradores de outras áreas rurais ou urbanas do Estado ou de outras regiões do Brasil. Esta dispersão geográfica, por sua vez, fez com que os menonitas valorizassem mais os seus lugares de encontro, como as igrejas, as escolas, os clubes, etc., transformando o espaço geográfico menonita, que antigamente era mais homogêneo, numa rede social mantida através de contatos pessoais. Atualmente, as comunidades menonitas não caracterizam mais a população majoritária dos bairros do Boqueirão e Xaxim. Percebe-se o “caráter menonita” nesses bairros apenas com um olhar mais preciso, observando, por exemplo, os nomes de ruas: Rua

David Töws, Rua Pastor David Koop, Rua Heinrich Löwen, Rua Pedro Siemens, Rua Abrão Winter etc., nomes que lembram os menonitas pioneiros.

Em Curitiba, os menonitas também são conhecidos pelos seus empreendimentos em conjunto. Em 1947, por exemplo, criam a “Cooperativa Mista Boqueirão Ltda” (C.M.B.) com o intuito de unirem esforços para melhorar e agilizar a produção, distribuição e comercialização do leite, em caráter empresarial, associando a ideia de gerar novas iniciativas para a própria comunidade menonita com os lucros gerados pelo empreendimento. No entanto, o crescimento dos bairros Boqueirão e Xaxim – na década de 1970 – fez com que muitos produtores de leite da comunidade menonita deixassem a atividade ou se transferissem para outras regiões próximas a Curitiba, como Lapa ou Palmeira, ou para a cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul. Com a diminuição de cooperados, a C.M.B. encerra as suas atividades em 1992 e é vendida para uma rede de supermercados, cujos donos são da comunidade menonita. Na visão de alguns líderes da comunidade daquela época, o fechamento da “Cooperativa Mista Boqueirão Ltda” era meramente um reflexo da mudança de mentalidade do grupo menonita após sua imigração no Brasil, ou melhor, o benefício pessoal tinha prioridade em relação ao benefício comum.143

Em regime de mutirão e com as dificuldades próprias da época, os menonitas construíram templos tanto no bairro Água Verde quanto no Boqueirão. Além da construção de cinco igrejas menonitas de origem étnica alemã em Curitiba (Igreja Evangélica Menonita do Boqueirão, Igreja Evangélica Menonita da Água Verde, Igreja Evangélica Irmãos Menonitas do Boqueirão, Igreja Evangélica Irmãos Menonitas do Xaxim e a Igreja Evangélica Irmãos Menonitas da Água Verde), a comunidade menonita sempre se empenhou em projetos sociais, beneficentes, culturais e esportivos que não seriam viáveis sem uma ampla cooperação das igrejas. Atualmente existem em Curitiba, como também em outras cidades e estados do Brasil, diversas igrejas-filhas que fazem parte da AIMB144, da AEM145 ou da COBIM146.

Além do enfoque religioso, segundo Ens (2010, p. 144), “a prioridade absoluta era a criação e a manutenção de escolas locais para assegurar uma educação de bom nível”. Em 1936, os menonitas fundaram a chamada “Escola do Boqueirão”, que durante o período do Estado Novo

143 Klassen, P. (1998, p. 102-105).

144 AIMB = Associação das Igrejas Menonitas no Brasil. 145 AEM = Aliança Evangélica Menonita.

teve as suas portas fechadas devido a seu caráter “particular”, ou seja, mantinha aulas de alemão, como também profissionais treinados na Alemanha. Após o cancelamento das restrições do governo, a Escola do Boqueirão voltou a funcionar e, em 1956, tornou-se o “Ginásio Erasto Gaertner” e, em 1966, o “Colégio Erasto Gaertner”.147 O nome do colégio deve-se à obrigatoriedade da escolha de um nome da história da cidade para designar as instituições de ensino. Erasto Gaertner foi um notável prefeito de Curitiba. Atualmente o Colégio Erasto Gaertner continua sendo administrado pela comunidade menonita através da Fundação Educacional Menonita148 e conta anualmente com uma média de 850 alunos. Nas últimas décadas, a escola investiu bastante na sua infra-estrutura, podendo oferecer aos seus alunos amplas salas de aula, uma biblioteca com 17.500 títulos, laboratórios de informática, química e biologia, uma capela (primeira igreja construída pelos menonitas), um ginásio poliesportivo, quadras externas, um centro cultural e um centro ambiental. Além da Educação Infantil, Fundamental e Médio, a instituição oferece o Curso de Bacharel em Teologia através da Faculdade Fidelis. Um dos principais diferenciais do colégio é o ensino da língua alemã e o ensino religioso.

A comunidade menonita, grata pela nova pátria no Brasil, sempre se engajou em trabalhos sociais, fundando diversas associações de ação social de alcance regional e nacional como a AMAS149, a AEM150, a AMB151, os ambulatórios LEBEN152 e o NTMS153, visando a promoção humana daqueles que vivem à margem do progresso e o bem-estar da família brasileira.154

147 Klassen, P. (1998, p. 214-219).

148 A Fundação Educacional Menonita (FEM) é formada pelas seguintes instituições: Igreja Evangélica Irmãos

Menonitas do Boqueirão, Igreja Evangélica Menonitas de Curitiba, Igreja Evangélica Irmãos Menonitas do Xaxim, Igreja Evangélica Menonitas da Água Verde e a Igreja Evangélica Irmãos Menonitas da Água Verde. A FEM foi criada para gerir o Colégio Erasto Gaertner e para obter, além de melhores benefícios jurídicos e fiscais, confiança e agilidade para o crescimento do colégio em suas ações culturais e filantrópicas, além de garantir que a administração não saísse, novamente, de seus fundadores, como aconteceu em 1938, no período do Estado Novo.

149 AMAS = Associação Menonita de Assistência Social, fundada em 1970 para atender famílias pobres no interior e

nas periferias das cidades.

150 AEM = Associação Evangélica Menonita, fundou várias escolas e algumas igrejas em diversas regiões do Brasil. 151 AMB = Associação Menonita Beneficente, fundada para atender especialmente famílias e crianças abandonadas

no interior do Paraná.

152 Ambulatórios LEBEN, com uma equipe multidisciplinar, ligados à AIMB, atendem crianças e educadores das

Creches da AMAS.

153 NTMS = Núcleo Terapêutico Menno Simons, ligado à COBIM, presta atendimento psicológico e psiquiátrico em

grande escala, através de convênios com a Prefeitura de Curitiba e do SUS.

Para construir e manter uma clínica de repouso e de recuperação para idosos, foi criada, em 1979, a Associação Cristã Menonita e construído o Lar Betesda, no Boqueirão.155 Nos primeiros anos a grande maioria dos hóspedes desse Lar era menonita de origem étnica alemã; atualmente 30% são falantes do Plautdiesch e, ou Hochdeutsch.156 Para vir ao encontro do interesse desses, há semanalmente um estudo bíblico e um culto em Hochdeutsch. Além da direção e do capelão, vários outros funcionários que trabalham no Lar também são falantes do Hochdeutsch e, ou Plautdietsch. A presença desses profissionais bi- ou plurilíngues com certeza facilita a comunicação com aqueles hóspedes que preferem falar o Plautdietsch, por exemplo.

Além dessas instituições a comunidade menonita de Curitiba mantém um acampamento denominado Betel e o Esporte Clube Olímpico, para esporte e lazer. Outro lugar que marca a presença da comunidade menonita em Curitiba é a “Praça Menonita”, inaugurada em 1987 e localizada no bairro do Boqueirão. No dia da inauguração, o prefeito da cidade da época honrou a dedicação e trabalho dos menonitas, citando características como: ética, moral, religiosidade, fidelidade em relação a sua fé e empenho para a paz. 157

Durante os primeiros anos de colonização menonita nos bairros Boqueirão e Xaxim, a comunidade sepultava seus mortos no cemitério da Água Verde ou Luterano. Com o objetivo de terem seus entes queridos enterrados mais próximos à comunidade, compraram – na segunda década de 1940 – um terreno no próprio bairro para a efetivação do Cemitério Menonita que, em 1950, foi municipalizado e, a partir de então, chamado Cemitério do Boqueirão. Nas primeiras quadras do cemitério, encontram-se os túmulos dos fundadores e seus familiares.

Um dos principais veículos de comunicação entre os menonitas no Brasil e com menonitas no exterior é o jornal quinzenal Bibel und Pflug (Bíblia e Arado), fundado em 1954 em Colônia Witmarsum (PR) e editado até os dias de hoje integralmente em alemão. O conselho editorial desse jornal é constituído por membros representantes das igrejas menonitas de Curitiba e das igrejas menonitas da Colônia Witmarsum. Além de meditações bíblicas, o conteúdo do jornal inclui relatórios sobre festividades realizadas nas diversas igrejas e comunidades menonitas, testemunhos pessoais, atividades para crianças, anúncios sobre nascimentos, noivados, casamentos e falecimentos de pessoas pertencentes à comunidade, etc.

155 Pauls, A. (2010, p.51).

156 Informação recebida da direção do Lar Betesda em novembro 2010. 157 Klassen, P. (1998, p.34).

À medida que os menonitas em Curitiba foram se integrando socialmente na grande cidade, os contatos e a convivência com não falantes do Hochdeutsch e do Plautdietsch cresceram, contribuindo para uma grande mudança no que se refere ao emprego e a alternância dessas línguas de imigração. Enquanto, nos primeiros anos de sua migração para Curitiba (1932- 1950), tanto o Plautdietsch como o Hochdeutsch predominavam na comunidade menonita, nas últimas décadas, o uso do português tem crescido muito nos vários contextos: social, familiar e religioso. Segundo Siemens (1984), os dados da sua pesquisa projetam

“a continuação da diminuição do uso do alto-alemão e baixo-alemão pelo constante aumento do português num processo contínuo e irreversível que, perdurando, levará inevitavelmente ao desaparecimento do alto- alemão da vida pública para persistir em alguns contextos isolados”(SIEMENS, 1984, p. 127).

Como o objeto deste estudo inclui a descrição do contato linguístico alemão-português da comunidade menonita de Curitiba, pressupomos que os dados a serem colhidos e analisados irão corroborar ou não esta situação.