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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.4 VITALIDADE LINGUÍSTICA

2.4.1 Manutenção e substituição linguística em grupos minoritários

2.4.1.1 Fatores condicionadores na manutenção ou substituição linguística

Entre os fatores internos e externos que influenciam na manutenção ou substituição linguística, citamos aqui aqueles que, ao nosso ver, estão contribuindo para a manutenção ou substituição das línguas de imigração nas comunidades menonitas em estudo:

2.4.1.1.1 Fatores externos a) Tipo de comunidade

Um dos principais fatores para a manutenção de uma língua é o tipo da comunidade, ou seja, se esta é mais fechada e isolada – como é o caso da comunidade menonita rural de Colônia Nova (RS) e da comunidade de Rio Verde (GO) – ou se esta é mais aberta, como, por exemplo, a Colônia Witmarsum (PR), localizada apenas a 70km da capital paranaense (Curitiba).

Um outro tipo de comunidade é o representado por comunidades urbanas. A maior comunidade menonita do Brasil, Curitiba (PR), pertence a este tipo. Nessa comunidade, os menonitas não somente estão diariamente expostos à língua portuguesa, mas todo o seu entorno funciona em português.

b) Tamanho da comunidade linguística

Quanto menor for a comunidade e quanto maior a sua abertura, maior é a exigência de ter contato com falantes de outra(s) comunidade(s) e a (consciência da) necessidade de conhecer outras línguas. No Brasil, o número de menonitas de origem étnica russo-alemã é de aproximadamente 5.000 pessoas; destas, calcula-se que em torno de 2.000 atualmente são falantes do Plautdietsch e Hochdeutsch, distribuídas em pequenas ‘ilhas linguísticas’.114 Como o contato com pessoas não-falantes do Hochdeutsch e/ou Plautdietsch é diário e o número de menonitas falantes dessas línguas é relativamente pequeno (comparado, por exemplo, com as comunidades menonitas do Paraguai ou então da Bolívia, as quais têm respectivamente 29.000115

114 O número de falantes do Plautdietsch e Hochdeutsch no Brasil é uma estimativa aproximada segundo informações

e conhecimento da própria autora desta Tese.

e 38.000116 menonitas falantes do Hochdeutsch e, ou Plautdietsch), o uso do português tornou-se uma constante em todas comunidades menonitas do Brasil.

c) Prestígio da língua

Outro fator de grande importância na manutenção ou substituição de uma língua é o seu prestígio. O Plautdietsch (a variedade substandard), por exemplo, não é considerado uma língua de prestígio pelos seus próprios falantes em todas as comunidades menonitas no Brasil; ao contrário das variedades standard (português e Hochdeutsch), línguas reconhecidas oficialmente e que, na opinião dos falantes, dão um maior status social.

d) Grau de institucionalização

Outro aspecto fundamental na manutenção ou substituição de uma língua é o seu amparo institucional, ou seja, se esta língua está oficialmente representada em escolas e instituições da comunidade e se está acessível através da mídia. Desde o início, após a fundação das comunidades menonitas no sul do Brasil, o Hochdeutsch foi ensinado nas escolas de Colônia Nova, Curitiba e Colônia Witmarsum. Esse fator, sem dúvida, contribuiu tanto para a manutenção da língua standard como também para que a mesma continuasse a ter até os dias de hoje o rótulo de “alemão correto”. Há mais um aspecto relevante que contribui para a manutenção do Hochdeutsch nas comunidades na região sul: o fácil acesso à mídia alemã – seja pela TV ou Internet, mais usada pela geração jovem – e à literatura alemã, preferida pelos mais idosos. O Plautdietsch já é antes uma língua oral e que nunca foi ensinado nas escolas das comunidades menonitas no Brasil. Por tratar-se de uma variedade substandard, o seu uso é restrito para assuntos informais, jamais usado em reuniões oficiais da comunidade ou da igreja, exceto para fazer um comentário humorístico, por exemplo. Na colônia de Rio Verde, ao invés do Hochdeutsch, o inglês é ensinado como língua materna, na escola (para alunos que usam o inglês nos seus lares), e como língua estrangeira (para aqueles que não têm conhecimento do inglês).

e) Contato com o país de origem linguística

No Brasil, os menonitas sempre tiveram interesse em manter contato com a Alemanha, uma vez que a comunidade, principalmente a geração mais idosa, se identifica com a língua alemã. Portanto, a comunidade sempre se esforçou para que os jovens tivessem a oportunidade de aperfeiçoar os seus conhecimentos em escolas ou universidades alemãs. Todo ano, jovens menonitas participam, por exemplo, de intercâmbios para a Alemanha organizados por comitês internacionais menonitas (MCC = Mennonite Central Committee) ou por instituições menonitas não-governamentais (AMAS = Associação Menonita de Assistência Social). Outro fator que auxilia na manutenção e valorização do Hochdeutsch entre os menonitas é o apoio do governo alemão ao enviar professores alemães para atuarem nas escolas da comunidade, bem como ao oferecer auxílio financeiro anual para a aquisição de livros de leitura e materiais didáticos diretamente da Alemanha.

Nas últimas décadas, muitos jovens e adultos, principalmente que pertencem à comunidade menonita de Curitiba e que trabalham em grandes empresas multinacionas, tiveram a oportunidade de viajar para a Alemanha, valorizando assim, ainda mais o seu conhecimento do alemão.

As viagens de turismo realizadas por muitos integrantes da comunidade menonita para a Alemanha ou as visitas feitas a familiares e amigos que moram na Europa também contribuem para a manutenção do alemão nas comunidades menonitas, em especial do Hochdeutsch.

O contato com a Alemanha também é reforçado nas comunidades menonitas no Brasil por meio da mídia, ou seja, pelo uso constante da Internet e de programas de TV. No caso da comunidade menonita da colônia de Rio Verde, há também constantes intercâmbios entre os familiares residentes aqui no Brasil e nos EUA ou Canadá, fortalecendo assim, a manutenção do inglês na comunidade rural de Rio Verde.

f) Endogamia

Um dos principais fatores para a manutenção de uma língua minoritária é a endogamia. Enquanto que, nas primeiras décadas após a imigração no Brasil, os menonitas praticamente só casavam entre si, nos últimos 10 anos, o casamento exogâmico tornou-se cada vez mais comum em todas as comunidades menonitas no Brasil, inclusive nas comunidades rurais (Colônia Nova, Colônia Witmarsum e Rio Verde). As cerimônias dos casamentos também mudaram de perfil: a

maioria é realizada integralmente em português e outras têm pequenas partes (participações) em língua alemã (ou inglês, no caso da comunidade de Rio Verde). Esse comportamento, por um lado, reflete uma abertura por parte das comunidades menonitas em relação à língua de contato português e, por outro, um processo de aculturação bem adiantado.

g) Religiosidade

A ligação religiosa com uma determinada língua pode contribuir muito para a manutenção dessa língua. No caso das comunidades menonitas, o uso do Hochdeutsch no âmbito religioso contribuiu muito para que o mesmo fosse mantido por mais de um século. Na maioria das igrejas étnicas menonitas na região sul, por exemplo, é celebrado todo o domingo, além do português, um culto integralmente em língua alemã; na colônia de Rio Verde, os cultos são realizados de forma bilíngue, ou seja: algumas partes em português, e outras, em inglês. Além do uso da Bíblia na tradução tradicional de Martinho Lutero, é comum o uso da Bíblia na “linguagem de hoje” durante as atividades religiosas oferecidas pelas igrejas da comunidade menonita; esse fator não somente facilita a compreensão da Bíblia, mas também contribui para que os membros da comunidade possam ampliar e fazer uso de um vocabulário mais atual, utilizado na Alemanha.

2.4.1.1.2 Fatores internos

a) Substituição da língua-teto

Como “língua-teto”, identificamos aquela que serve como língua standard para uma série de variedades. Nas comunidades menonitas do RS e PR, no entanto, o Hochdeutsch assume o papel de “língua-teto” apenas em parte. Mesmo que os membros tenham a oportunidade de aprender o Hochdeutsch na escola, bem como usá-lo no âmbito religioso e familiar, ele praticamente não é usado em contextos administrativos e comerciais. Nestas áreas, portanto, falta o Hochdeutsch como “língua-teto” e, consequentemente, o Plautdietsch fica à mercê das influências da língua de contato português.

b) Grau de parentesco com a língua de contato

O grau de parentesco da língua minoritária com a língua de contato também pode influenciar a duração do processo, no qual ambas se misturam. Em outras palavras, o grau de parentesco do alemão com a língua de contato português também pode contribuir para que as línguas se misturem. Na comunidade menonita, por exemplo, usa-se bastante a palavra gravieren referindo-se ao ato de gravar algo.

c) Disposição sócio-psíquica

Outro fator de grande importância na manutenção de uma língua minoritária é a atitude e a opinião que os falantes tem a respeito de sua própria língua ou variedade. Essa atitude está atrelada ao prestígio da língua. Quando se trata de uma variedade dialetal que não tem a proteção de uma língua-teto, comumente também há uma postura de rejeição por parte da sociedade em relação à variedade de uma minoria. Na sociedade brasileira, via de regra, toda variedade que não está de acordo com a norma padrão é vista como inferior. O Plautdietsch, por ser uma variedade substandard, muitas vezes é visto pela sociedade brasileira como algo que pertence a “um padrão inferior”, reforçando negativamente a opinião dos falantes dessa língua.

Após esta visão geral sobre os diferentes fatores que podem influenciar na manutenção e substituição de uma língua, ressaltamos que eles podem desempenhar funções diferentes em cada uma das comunidades de fala. No entanto, segundo Riehl (2009, p. 188), existe certa hierarquia na atuação destes fatores: a atitude diante das línguas e a sua operacionalização como marca de identidade normalmente são influenciados pelas condições de reconhecimento e constelação linguística. As atitudes linguísticas influenciam o comportamento linguístico individual, o qual é fundamental para a manutenção linguística. A manutenção linguística é, portanto, em grande parte definida pelos seus falantes e depende, principalmente, da transmissão geracional.