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Capítulo I. Perspetivas Teóricas sobre o Envelhecimento

4. Conceções Demográficas sobre o Envelhecimento

A nível mundial, estão a acontecer alterações demográficas que afetam profundamente a vida das pessoas e o equilíbrio planetário. Nos últimos séculos, verificou-se um aumento exponencial da população (Nações Unidas, 1999). Foi necessária toda a

história da humanidade até 1801, para que a população mundial atingisse o primeiro bilião (milhar de milhões). Entre essa data e 1950, a população mundial cresceu para 2.5 biliões e cinco décadas depois cresceu para 6 biliões. Resumidamente, nos últimos 50 anos a população do planeta triplicou (António, 2001).

Segundo os dados das Nações Unidas, em 2011 a população mundial atingiu os 7 biliões3 (mil milhões) de habitantes, 60% dos quais residentes na Ásia. Apesar de diversos dados se revelarem aparentemente contraditórios, com as mulheres a gerarem menos filhos à escala global, os dados populacionais continuam em ascensão até uma estabilização prevista nos cerca de 9,1 biliões (mil milhões) de habitantes em 2050 (ONU, 2011).

Sobretudo a partir da década de 50 do século XX, a dinâmica populacional evoluiu diferentemente nos grandes grupos de países:

Assistimos, desde 1950, a dois ritmos de crescimento da população muito diferentes. Enquanto os países mais desenvolvidos, evidenciam uma tendência para um decréscimo do seu efetivo populacional, nos países menos desenvolvidos verifica-se uma situação inversa, ou seja, as suas populações terão um peso cada vez maior no total mundial (António, 2001, p. 167).

Os países mais desenvolvidos estão a envelhecer mais rapidamente do que os outros. Portugal, situado no contexto dos países europeus desenvolvidos, é também um país demograficamente envelhecido devido, sobretudo, à queda da fecundidade e aumento da longevidade a partir do terceiro quartel do século XX.

O fenómeno do envelhecimento populacional tem sido objeto de reflexão e preocupação por parte das Ciências Sociais sobretudo devido a verificar-se a existência de um número crescente de pessoas com mais idade na globalidade da população mundial. Sob o ponto de vista demográfico, o envelhecimento carateriza-se pela redução, no tempo, do número de nascimentos, pelo aumento relativo do número de idosos. Também a emigração (saída em massa de pessoas jovens e adultas não idosas) vem acentuar o envelhecimento demográfico. Se fizermos uma representação piramidal de

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Importa salientar que a palavra bilião apresenta diferentes significados: nos Estados Unidos designa “mil milhões”; na Europa é “um milhão de milhões”. Aqui é usado o critério americano.

determinada população ao longo de dois momentos distintos, poderemos verificar se ela envelheceu ou rejuvenesceu nesse período de tempo.

O aumento da esperança de vida à nascença, o alargamento da longevidade, a diminuição da mortalidade devido a um conjunto de fatores sociais, políticos e técnico- científicos no campo da saúde e da medicina que têm sido largamente referidos nas literaturas especializadas, levaram a um aumento do grupo etário com mais de 65 anos, muito especialmente, nos denominados países desenvolvidos.

Os dados estatísticos e demográficos têm servido de ponto de partida objetivo para avaliar o crescimento do grupo etário dos mais velhos e a Demografia foi uma das Ciências Sociais que primeiro lançou o alerta sobre as implicações sociais de tal crescimento.

Em Portugal, as primeiras preocupações com o envelhecimento, na área da Demografia, aparecem-nos retratadas nos trabalhos de Óscar Soares Barata (1968, 1985, 1988) e de Manuel Nazareth (1979, 2009). Estes autores foram pioneiros na análise detalhada e regional do envelhecimento demográfico português, procurando também estabelecer comparações entre o envelhecimento português e o de outros países europeus. Os autores referidos e, posteriormente, outros construíram análises aprofundadas sobre o fenómeno do envelhecimento demográfico. Na literatura existe algum consenso em que neste fenómeno têm especial relevo explicativo fatores como a natalidade, a fecundidade, a esperança de vida à nascença, a mortalidade e os fluxos migratórios. O envelhecimento demográfico, "apesar de ser comum à quase totalidade dos países desenvolvidos, começou a ser observado em momentos muito diferentes" (Nazareth, 2009, p. 25). Atendendo apenas aos países da Europa ocidental, "podemos afirmar que o primeiro país onde se observou sinais visíveis de envelhecimento foi a França no fim do século XVIII. A este país seguiu-se a Bélgica, a Suíça e a Noruega e, com o início do século XX, este fenómeno alargou-se a todos os países da Europa Ocidental" (idem). Portugal começou a sentir o fenómeno do envelhecimento um pouco mais tarde do que a generalidade dos países da Europa ocidental mas, a partir da década de 70 do século XX, ele já está perfeitamente visível embora de formas diferentes consoante as regiões do nosso país. No Gráfico nº1 apresentamos a evolução dos índices de envelhecimento demográfico de Portugal e dos países da União Europeia (27 países).

O Índice de envelhecimento calcula-se estabelecendo a relação entre a população idosa e a população jovem, definida habitualmente como o quociente do número de pessoas de 65 ou mais anos vezes 100, pelo número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos.

Podemos verificar no gráfico abaixo (Ilustração 1), proveniente da base de dados PORDATA, que em 1990 Portugal tem um índice de envelhecimento inferior ao da UE. Contudo, a partir de 1993 Portugal começa a apresentar índices de envelhecimento superiores aos da média dos 27 países da UE.

Ilustração 1 - Evolução do Índice de Envelhecimento nos países da União Europeia e em Portugal

Importa aqui lembrar que "a Europa é a região do mundo mais «envelhecida no topo» com 15, 9% de pessoas com mais de 65 anos em 2007; a Europa Ocidental (17,2%) e a

Europa do Sul (17,6%) são as regiões mais envelhecidas da Europa" (Nazareth, 2009, p.59). Atendendo ao que nos diz o mesmo autor,

Portugal, no período de 1970-2007, deixa de ser o país menos «envelhecido no topo» da Europa e, em 2007, a percentagem de pessoas com mais de 65 anos (16, 9%) é mais elevada do que a média observada na Europa do Norte e na Europa Oriental, ultrapassando a percentagem dos jovens com menos de 15 anos (15,7%) (idem).

Sob o ponto de vista demográfico, o envelhecimento carateriza-se de forma dupla: pelo aumento da população sénior e pela diminuição da população jovem. Atendendo a estes dois critérios e suas possíveis combinações, encontramos tipologias de envelhecimento muito diversificadas nos diferentes países e regiões. Geralmente, denomina-se envelhecimento na base (da pirâmide etária) a diminuição da proporção de jovens e envelhecimento no topo (da pirâmide etária) o aumento da proporção de idosos relativamente ao total da população.

Atendendo ao que nos diz Manuel Nazareth (2009, p. 16-17), no início da década de 1970, as gerações com menos de 15 anos, na globalidade dos países da Europa, totalizavam quase 170 milhões de jovens, enquanto as gerações com mais de 65 anos totalizavam aproximadamente 70 milhões. Num total de cerca de 650 milhões de habitantes, os mais jovens tinham um peso de 100 milhões acima dos mais velhos. Em 2007, as gerações mais novas passaram de 170 para 110 milhões e as gerações com mais de 65 anos passaram de 70 para 125 milhões. O significado da diferença mudou radicalmente pois existem hoje mais pessoas nas gerações mais velhas do que nas gerações mais novas.

Importa aqui relembrar a teoria da transição demográfica. A ideia fundamental da teoria da transição demográfica é a passagem de um estado de equilíbrio, em que a mortalidade e a natalidade têm valores elevados (situação típica das sociedades pré- industriais), para outro estado de equilíbrio, em que a mortalidade e a natalidade apresentam valores baixos, separados por um período de forte crescimento natural, com elevada natalidade mas com diminuição da mortalidade (correspondente ao século XIX, nos países da Europa Ocidental e nos EUA) e por um outro período em que a fecundidade e a natalidade caem mas a esperança de vida continua a aumentar (correspondente à primeira metade do século XX nos países antes referidos). A generalidade dos denominados países desenvolvidos encontra-se na última fase da

transição demográfica e é nesta fase que se verifica o maior envelhecimento da população.

No campo da teorização demográfica, Notestein (1945) adotou uma abordagem simultaneamente, macro demográfica e socioeconómica, relacionando a transição demográfica com o desenvolvimento económico e social. Segundo ele, o processo de modernização, ocorrido inicialmente na maior parte da Europa Ocidental, América do Norte e Austrália, trouxe grandes aumentos de produtividade que possibilitaram o incremento da oferta de bens em geral, e de bens de subsistência, em particular, o que resultou em melhorias na qualidade de vida da população. Este facto, conjugado com o controlo sobre as doenças e a melhoria das condições de higiene e saúde, possibilitou a redução das taxas de mortalidade. Na lógica de Notestein (1945), a taxa de fecundidade continuou alta, durante muitos anos, devido ao facto de a sociedade manter na memória o período da elevada incidência da mortalidade e a razões de natureza cultural (leis, as doutrinas religiosas, os códigos morais, a educação, os costumes comunitários, os hábitos de casamento e as organizações familiares estavam orientadas para a criação de um grande número de filhos). Após um certo tempo, o processo de modernização, entendido como urbanização e industrialização, reduziria a fecundidade devido ao crescimento do individualismo e ao enfraquecimento dos laços familiares e comunitários. Os velhos tabus e preconceitos culturais são superados e o controle da fecundidade passa a ser adotado em larga escala. Esta situação conduziu a um declínio acentuado da natalidade, o que acabou por gerar envelhecimento demográfico.

Segundo António (2001), o envelhecimento demográfico ou populacional deriva de uma das três principais razões:

- A primeira consiste no envelhecimento natural do topo da pirâmide etária, resultado do aumento da população idosa, como resultado de tendências demográficas endógenas normais. Aumenta o número de indivíduos com mais de 65 anos devido à baixa da mortalidade geral e da mortalidade infantil.

- A segunda razão diz respeito ao envelhecimento artificial do topo da pirâmide etária, que acrescenta à primeira razão, a concentração de seniores em regiões especialmente atraentes para este grupo de idades (por exemplo, clima ameno e existência de serviço de apoio), constituindo assim fator exógeno à demografia natural.

- A terceira é o envelhecimento natural na base da pirâmide etária que advém da baixa da natalidade frequente nas sociedades industrializadas e terciarizadas onde se verificou uma forte urbanização.

Acontece que, na realidade, poderão existir situações de países ou regiões onde se verifique a combinação de duas ou mais razões para o envelhecimento demográfico. Se até aos anos de 1980, os dilemas da política demográfica europeia se situavam entre o "crescer ou envelhecer", já a partir do final do século XX, o desafio demográfico passou a ser "crescer e envelhecer". É pertinente refletir sobre o que nos diz o demógrafo português já supra referido:

Não podemos deixar de reconhecer que o projeto de lançar as bases para um autêntico debate nacional, num momento em que a opção entre «crescer ou envelhecer» tinha todo o sentido, falhou por completo. No século XXI, não é mais possível voltar a este dilema. O que importa é optar entre as diversas soluções possíveis para fazer face aos efeitos do envelhecimento demográfico porque o constrangimento ambiental não permite equacionar soluções com base no crescimento. O antigo dilema de Sauvy «crescer ou envelhecer» transformou-se em «crescer e envelhecer». Se o século XX foi o século do crescimento, o século XXI será o século do envelhecimento demográfico (Nazareth, 2009, p. 21).

Tal como afirma o autor citado, o envelhecimento demográfico é, atualmente, um fenómeno irreversível mas não tem que ser necessariamente uma calamidade social. Poderemos mesmo afirmar que o envelhecimento é uma conquista civilizacional que requer a adoção de medidas de política social adequada às situações específicas e ao tipo de envelhecimento demográfico verificado em cada país. Sobre este assunto Hermano Carmo, em trabalho recente, afirma:

Também a tendência para o envelhecimento generalizado (...) obrigará os Estados a desenvolverem políticas públicas de promoção do envelhecimento ativo, de

cuidados continuados e paliativos e de formação especializada nesses domínios.

A quantidade crescente de população mais velha, qualificada e autónoma, associada à facilidade de interação e formação de opiniões através de redes sociais, fazem levantar a hipótese plausível de um processo de empoderamento deste

grupo e da sua assunção como parceiro social poderoso (Carmo, 2011, p. 234).

Neste contexto, é também pertinente refletir sobre a evolução de alguns indicadores de envelhecimento em Portugal nas últimas décadas (Ilustração 2). Os indicadores de envelhecimento demográfico retratam evolução da situação social do país. Assim, verificamos que, a partir de 1960, o índice de envelhecimento cresce sempre mas, tal crescimento acentuou-se significativamente a partir de 1981.

O índice de dependência dos idosos (relação entre o número de idosos e a população ativa) também cresce progressivamente a partir de 1960. O índice de longevidade (relação entre a população de mais de 75 anos e a população de mais de 65 anos) também aumenta. Esta evolução confirma que há mais portugueses a viver mais anos, aumentando o número dos que têm mais de 75 anos.

O índice de dependência total (relação entre o somatório da população jovem com a população idosa e a população ativa) não aumenta. O índice de dependência dos jovens (relação entre o número de jovens com menos de 15 anos e a população ativa) também não aumenta. Isto significa que o número de jovens tem crescido menos do que o crescimento verificado na população ativa, nas últimas décadas. Nesta evolução tem certamente muito peso o fluxo imigratório que vem engrossar a população ativa e cuja análise não iremos aprofundar agora.

Todos os dados analisados indicam que a tendência para o envelhecimento populacional é uma realidade que está presente na sociedade portuguesa tal como acontece na generalidade dos países europeus.

Assim, embora o processo de envelhecimento demográfico tenha adquirido uma dimensão mundial, manifesta-se de modo particularmente notório na Europa (região que, aliás, também é conhecida pelo «continente grisalho»), apresentando este processo um ritmo marcadamente acelerado em Portugal, condicionado pela rapidez com que baixaram os níveis de mortalidade e de fecundidade (Rosa, 2012, p. 27).

Nas argumentações mais difundidas, vigora a ideia de que o envelhecimento populacional é nefasto para a sociedade. Esta visão negativa assenta, resumidamente, em três argumentos: não se renovam as gerações e a população estagna; a produtividade diminui e os mais velhos retiram as possibilidades de trabalho aos mais novos e existe o risco da sustentabilidade financeira da Segurança Social. Não partilhamos esta visão negativista e tentaremos demonstrar que alguns destes argumentos não são, necessariamente, nefastos para a organização social, se as medidas de política social e educativa forem devidamente tomadas.

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