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Capítulo I. Perspetivas Teóricas sobre o Envelhecimento

2. Teorias provenientes da Psicologia

2.2. Teorias do Desenvolvimento Psicológico

As Teorias do Desenvolvimento Psicológico relacionadas com o envelhecimento fazem apelo à "mudança ordenada" dos sujeitos ao longo das respetivas vidas (Neri, 2002; Ferreira, 2007). Dentro destas construções teóricas destacam-se três autores que, segundo a literatura da especialidade, contribuíram com conceções inovadoras para a problemática do envelhecimento: C. Buhler, C. Jung e E. Erikson.

Para os referidos autores das teorias do desenvolvimento, a progressão na idade implicaria sempre novas situações e desafios, pressupondo-se que se constituiriam atividades e tarefas típicas para cada fase da vida que os indivíduos deveriam interiorizar e aceitar. São as tarefas de desenvolvimento "developmental tasks" a serem

realizadas individualmente e que se configurariam tendo por base a estrutura bio fisiológica, as normas culturais interiorizadas e as expetativas individualmente valorizadas.

Dentro deste grupo de teorias, verificou-se uma evolução progressiva no sentido de uma maior valorização do desenvolvimento entendido como um fenómeno que implica dimensões que relevam dos contextos sociais, culturais e históricos (Fonseca, 2005). C. Buhler realizou um estudo, na década de 30 do século XX, sobre um vasto conjunto de autobiografias (400, segundo a bibliografia consultada) que mostravam, segundo a autora, a progressão faseada e ordenada onde aconteciam mudanças de atitudes e realizações. Esta autora demonstrou que o desenvolvimento não era linear mas, sim, dinâmico e mesmo dialético. Concluiu que o facto de haver pessoas muito produtivas em idades muito avançadas, implicaria que não existiria uma correlação direta entre envelhecimento biológico e perda de funções intelectuais (Ferreira, 2007 p. 76).

C. Jung distinguiu na vida humana "idades" e pontos de transição, sendo especialmente importante a quarta década, a partir da qual se começa a construir a segunda parte da vida. Nesta, as pessoas procuram um novo sentido para a sua existência (metanóia) podendo revelar-se aspetos menos conformes com as normas culturais e mais "sombrios" que podem ser negados ou podem levar a uma reorganização da vida dos sujeitos através de mudanças pessoais e novos relacionamentos sociais (idem).

E. Erikson também se ocupou com o estudo da evolução e do desenvolvimento da vida humana, sob o ponto de vista psicológico. Concebeu estádios de desenvolvimento ao longo das diferentes idades da vida, estabelecendo diferenciações entre oito etapas:

 a infância (0-1 ano),

 a primeira infância (1-6 anos),

 a idade do jogo (6-10 anos),

 a idade escolar (10-14 anos),

 a adolescência (14-20 anos),

 a idade adulta jovem (20-35 anos),

 a maturidade (35-65 anos)

Este autor concedeu uma grande importância aos mecanismos do ego que, pela vivência dos conflitos próprios de cada estádio, permitem ultrapassar os conflitos psicossociais cíclicos.

Tabela 3 - Etapas de Erikson (1950)

Etapas Crise/conflito Virtudes

1. Infância (0-1) 2. Primeira Infância (1-6) 3. Idade do Jogo (6-10) 4. Idade Escolar (10-14) 5. Adolescência (14-20) 6. Adulto Jovem (20-35) 7. Maturidade (35-65) 8. Velhice (+65) Confiança/Desconfiança Autonomia/Vergonha Iniciativa/Culpabilidade Produtividade/Inferioridade Identidade/Confusão Intimidade/Isolamento «Generatividade»/Estagnação Integridade/Desespero Esperança Vontade Propósitos Competência Fidelidade Amor Cuidado Prudência, Sabedoria Fonte: Fernández-Ballesteros, 2004, p. 47

E. Erikson considerava que, num desenvolvimento normal, cada idade e cada conflito deverão permitir o surgimento de um valor dominante. Neste contexto, à idade da maturidade, está associado um conflito entre "generatividade" e "estagnação" o qual deve promover o valor do "cuidado". Nesta fase, o sentido de utilidade e o benefício dos outros deverão ser compensatórios ou, caso contrário, as pessoas retraem-se e sentem-se inúteis. Esta etapa coincide com a plena realização no trabalho e corresponde à preparação da transição geracional para a última fase de desenvolvimento. A última etapa é constituída pela velhice onde se desenvolve no ego um conflito entre a "integridade própria" e o "desespero". Por "integridade" entende-se a capacidade de o indivíduo rever e aceitar a sua trajetória de vida, defendendo a sua integridade e a sua biografia. A solução do conflito deverá fazer emergir a "maturidade" e a "sabedoria" que corresponde à aceitação de si mesmo, à integração da história pessoal e à preparação da morte atribuindo-lhe um sentido próprio (Marchand, 2005).

O Enfoque do Ciclo Vital (Life Span Theory) foi desenvolvido por vários autores, sendo que nos trabalhos consultados aparecem muito referidos K. Riegel (1976) e P.

Baltes e seus colegas da Escola de Frankfurt (1979,1987, 1995). Na literatura, o Life Span surge mais referido como enfoque do que como teoria.

Fernández-Ballesteros (2004, p. 47) considera que o "enfoque do ciclo vital" foi inaugurado por Neugarten (1975) a partir de uma série de estudos começados em 1950 e apresentados na sua monografia Middle Age and Aging. Neugarten e os seus colegas descrevem o ciclo de vida tendo por base duas condições fundamentais: os acontecimentos que constituem uma transição de vida para cada indivíduo (casamento, nascimento de filhos, sucessos profissionais, reforma, etc.) e os papeis que cada sujeito assume, os quais implicam mudanças na própria identidade.

Os autores promotores do enfoque do ciclo vital (Life Span) integraram na psicologia do desenvolvimento a idade adulta e a velhice e consideraram os efeitos também importantes/marcantes de diversas mudanças ocorridas ao longo da vida.

A psicologia do desenvolvimento tradicional tinha dificuldade em integrar a idade adulta e o envelhecimento nos seus esquemas intelectuais pois considerava que o desenvolvimento terminava com o fim da adolescência. Considerava-se que a "adultícia" correspondia a um período de estabilidade (e, não de desenvolvimento pessoal) associado ao período da velhice onde se verificariam perdas. Os autores que partilham o enfoque do ciclo vital passaram a considerar a idade adulta e a velhice como fases da vida que devem ser incluídas na psicologia do desenvolvimento pois estas fases comportam desenvolvimento pessoal e social dos indivíduos.

Neste contexto, Riegel (1976) destaca quatro categorias major de influências que seriam os fatores de natureza inato-biológicos, individual-psicológicos, cultural-psicológicos e natural-ecológicos.

Segundo Néri (2002, p. 40), trata-se de um modelo "bio-psico-socio-cultural-ecológico" que pretende integrar as múltiplas influências em cada uma das idades da vida. No âmbito deste corpo teórico, a temporalidade linear e progressiva cede lugar a um tempo elíptico e dialético, onde acontecem diferentes influências com multicausalidades em interação dinâmica onde os processos intraindividuais (biológicos e psicológicos) e supraindividuais (sociais e culturais) estão mutuamente implicados, sem uma teleologia antecipadamente definida.

Atendendo aos trabalhos que foram sendo publicados (Baltes, Reese & Lipsitt, 1980; Baltes, 1987), podemos dizer que, nos anos oitenta do século XX e seguintes, se verificou uma complexificação do conceito de desenvolvimento no sentido de o definir como um processo multifuncional e multidirecional, influenciado pelo contexto socio- histórico, englobando todo o curso de vida, onde se verifica um equilíbrio entre ganhos e perdas, que resulta em variabilidade intra-individual e em plasticidade pessoal (Baltes, 1987).

Baltes e os seus colegas da Escola de Frankfurt propõem que a investigação realizada no âmbito do enfoque do ciclo vital se concretize em três componentes do desenvolvimento individual, focando-se quer na pessoa quer nas funções. As três componentes são as seguintes: a) os aspetos interindividuais comuns ou regulares; b) as diferenças e especificidades interindividuais; c) a plasticidade intraindividual (Baltes, Staudinger e Lindenberg 1999, p. 472).

O projeto de Baltes e colegas (1979) desenha um quadro de tripla influência de vários acontecimentos cruzados com as caraterísticas biológicas, ao longo da vida dos indivíduos, e que desencadeiam fatores persistentes, cíclicos e ocasionais. Os referidos fatores são uniformizados porque fazem parte da condição humana, contudo, são também diferenciadores porque permitem (e têm em conta) perfis pessoais e biografias individuais progressivamente diferenciados. São distinguidos três principais fatores de influência ao longo da vida dos indivíduos. O primeiro relaciona-se com a "Influência Normativa pela Idade" onde, num contexto cronológico, confluem as influências biológicas e os acontecimentos ambientais tipificados (educação, família, trabalho).Na trajetória de vida, e no cruzamento Biologia/Ambiente, cada indivíduo vai adquirindo papéis e competências de forma que a Educação, a Família e o Trabalho se vão configurando de forma distinta com as diversas Idades. O segundo fator é constituído pela "Influência Normativa pela História", onde as normas gerais culturais são conjugadas com as mudanças biossociais partilhadas por uma certa comunidade. Nesta esfera, os órgãos de comunicação social e os grupos "informais" são particularmente relevantes. O terceiro fator é constituído pelas "Influências Não Normativas" que são específicas de cada indivíduo, onde os acontecimentos verificados durante a trajetória de vida ganham especificidade: traumatismos físicos e/ou emocionais, doenças, mudanças no trabalho, alterações na organização familiar (divórcio, morte) e acontecimentos ocasionais mais ou menos gratificantes.

Da conjugação dos vários fatores de influência resulta um processo de desenvolvimento que é pluridimensional, não é cumulativo e não é predeterminado. O processo de desenvolvimento demonstra e ilustra a plasticidade humana pois é possível, em qualquer idade, adquirir, manter e aperfeiçoar ou abandonar atitudes, comportamentos e conhecimentos. O referido processo assume-se como pluridimensional e pode acontecer ao longo de toda a vida.

Contudo, em função dos fatores determinantes fundamentais que permanecem durante toda a vida (quer sejam biológicos quer sejam ambientais), é possível conceber e potenciar atividades promotoras de uma melhor qualidade de vida no ciclo de vida da velhice. Assim sendo, e atendendo a que o desenvolvimento é aberto e construído, torna-se fundamental saber selecionar as situações e as condições que "sejam úteis para a harmonização entre as exigências do ambiente e as motivações pessoais, as habilidades do indivíduo e a própria capacidade do rendimento biológico" (Leher & Thomae, 2003, p.100). Pretende-se "o envelhecimento bem-sucedido sendo para tal necessário conciliar processos mais concretos (indicadores de saúde, funcionalidade e bem-estar) com o bem-estar subjetivo (uma atitude positiva e um sentimento de felicidade) " (ob. cit., p.101).

O conceito de envelhecimento bem-sucedido (successful aging) foi inicialmente desenvolvido por Havigurst (1963) e corresponde a um indicador de adaptação bem- sucedida por parte do sénior quando este consegue/conseguiu ultrapassar as diferentes dificuldades impostas pela transição para um novo ciclo de vida.

Baltes (1991) procurou também definir um modelo teórico de envelhecimento bem- sucedido. Neste modelo ele sistematizou as seguintes premissas para o envelhecimento:

a. o curso do desenvolvimento apresenta variabilidade individual;

b. existem diferenças significativas entre o desenvolvimento normal, ótimo e patológico;

c. durante o envelhecimento fica preservado o potencial de desenvolvimento; d. os prejuízos deste período podem ser minimizados pela ativação das capacidades

de reserva para o desenvolvimento;

e. as perdas cognitivas podem ser compensadas por ganhos no domínio da inteligência prática;

f. no processo de envelhecimento, o equilíbrio entre ganhos e perdas torna-se menos positivo;

g. em idade avançada, os mecanismos de auto regulação da personalidade mantêm- se.

Sobre esta última premissa importa esclarecer que as alterações na personalidade, referidas por alguns, na senescência podem não significar mudanças efetivas, mas serão apenas traços de personalidade que só mais tarde se revelaram. "A velhice é uma idade reveladora, quando o pior e o melhor de nós se declaram de maneira audaz" (Gregory, 1995, p.368).

Baltes (1991) denominou de otimização seletiva com compensação, o processo de envelhecimento dinâmico e adaptativo envolvendo os diferentes fatores que antes mencionamos. Neste contexto, face às crescentes limitações biológicas e sociais que se apresentam nos seniores, a tarefa adaptativa destes passa por selecionar metas, direcionando-se para os objetivos mais prementes, otimizando os recursos disponíveis e tentando compensar as perdes sofridas com o processo de envelhecimento. Na mesma lógica, o envelhecimento constitui um processo dinâmico e adaptativo.

Atendendo àquilo que nos é dito por Fernández-Ballesteros (2004, p.48) a grande relevância do enfoque do ciclo vital tem, essencialmente, a ver com os seguintes aspetos:

a. o reconhecimento de que, ao longo da vida, existem ganhos e perdas, apesar de estas perdas serem maiores durante o envelhecimento do que durante outras idades da vida;

b. existem algumas funções psicológicas que diminuem durante o envelhecimento, mas outras, em condições normais, permanecem ao longo de toda a vida;

c. o ciclo de vida aumenta a variabilidade interindividual em termos psicológicos e de situação de vida;

d. existem mecanismos de "reserva" ou compensatórios que, através do seu treino e uso, permitem ultrapassar parcialmente as perdas;

e. a variabilidade e a plasticidade dos indivíduos que estão a envelhecer permitem diferentes formas de envelhecimento, a saber: normal, patológico e bem- sucedido (isto é possível através de mecanismos de seleção, otimização e compensação).

Fernández-Balhesteros (2004) refere que este enfoque do ciclo vital pode considerar-se comum à Psicologia e à Sociologia.

Tal como refere Neto (2004), uma caraterística central para que chama a atenção a Psicologia Social dos seniores é que eles são mais heterogéneos do que qualquer outro grupo de idades. Nesta lógica, o desenvolvimento humano é perspetivado como um processo de diferenciação ao longo da vida (e do envelhecimento). Consequentemente, os seniores constituem um conjunto de pessoas "altamente diferenciadas, incluindo as pessoas mais sábias da sociedade, bem como as mais dementes" (ob. cit. p.271).

Às teorias psicológicas do envelhecimento que agora apresentamos poderíamos ainda acrescentar outras, nomeadamente, a relacionada com abordagem mais sistémica do envelhecimento de J. Schroots (1995) que construiu uma "teoria gerontodinâmica do envelhecimento".

Um dos elementos base deste paradigma é a substituição de uma conceção estrutural do desenvolvimento por outra que integra estrutura e função, passando a falar-se de uma estrutura dinâmica ou de um sistema. Neste caso, deslocamo-nos de uma visão centrada na fisiologia e na morfologia, para outra visão que se centra no comportamento, nas trocas, nas funções da "estrutura-funcional" (Ferreira, 2007, p.80).

J. Schroots (1995) introduziu o conceito de bifurcação (branching) salientando que ao longo da vida dos indivíduos surgem momentos cruciais (de bifurcação), nos quais as pessoas se confrontam com diferentes alternativas conducentes a uma maior ou menor ordem ou desordem, a uma maior ou menor saúde ou morbilidade e a um maior ou menor bem-estar. Neste contexto, determinados acontecimentos da vida dos indivíduos, e segundo a capacidade seletiva e a autonomia destes, podem gerar condições para determinado tipo de desenvolvimento e de envelhecimento.

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