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Conceito de cartão de crédito e cartão de garantia e exclusões do âmbito de proteção da norma

JURÍDICO, PRÁTICA E GESTÃO PROCESSUAL

II. Objetivos I Resumo

1. O crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito A revisão do Código Penal de

1.1.2. Conceito de cartão de crédito e cartão de garantia e exclusões do âmbito de proteção da norma

Como refere Miguez Garcia, “o cartão de garantia (cartão de garantia de cheque) funciona como garantia de pagamento de um cheque até determinado montante4, independentemente

da existência de provisão5.

Por sua vez o cartão de crédito é qualquer instrumento de pagamento, para uso eletrónico, ou não, que seja emitido por uma instituição de crédito ou por uma sociedade financeira que possibilite ao seu detentor a utilização de crédito outorgado pela emitente, em especial para a aquisição de bens ou serviços (Aviso do Banco de Portugal n.º 11/2001). O cartão desempenha, no fundo, uma dupla função de meio de pagamento e de concessão de crédito. O cartão de crédito integra-se num sistema que compreende três partes, a entidade emissora, geralmente um grupo de bancos, o titular do cartão de crédito e um universo de comerciantes aderentes.

Como refere Miguez Garcia6, “quando se faz uma compra, a pessoa legitimada para usar o

cartão (Visa, American Express, Master Card, entre outros) aceita pagar ao emitente assinando a fatura do comerciante, de onde constam os elementos do cartão e a indicação do

Schen-und Kraditkarten) e também no StG Suíço artigo 148.º Check-und Kreditkartenmissbrauch) introduzido em 1994, o crime foi tratado como sendo um crime específico, pois apenas pode ser cometido pelo titular do cartão.”

3 DANTAS, A. Leones (Jornadas de Direito Criminal Revisão do Código Penal, alterações ao Sistema Sancionatório e

Parte Especial, Lisboa, 1998, Centro de Estudos Judiciários, p. 517) refere a este propósito que, “O alargamento do âmbito deste tipo introduzido pelo legislador português poderá ter desfigurado a consistência estrutural daquele tipo de crime e talvez de forma desnecessária. Com efeito, nas situações de utilização do cartão por quem dele não seja titular, recaia afinal o prejuízo sobre o emitente ou sobre terceiro, sempre estaríamos perante um normal crime de burla, em que a utilização do cartão mais não foi do que o instrumento da indução em erro do terceiro. Acresce que quer nos cartões de crédito, quer nos meros cartões de garantia a utilização do cartão envolve por norma outros ilícitos, nomeadamente a falsificação, seja do cheque garantido, seja do título de pagamento, nos cartões de crédito. As normas gerais relativas à burla e à falsificação de documentos estabeleciam a tutela penal suficiente para tal uso.”

4 J.M. Damião da Cunha, citando Joana de Vasconcelos, RDES, 1992, pp. 346 e ss. para definir “cartão de garantia

(ou mais corretamente o cartão de garantia de cheques) não é em si mesmo um meio autónomo de pagamento, antes funciona em associação com outro meio de pagamento – o cheque – caucionando a sua utilização”, in DIAS, Jorge de Figueiredo, Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial Tomo II, artigos 202.º a 307.º 1999, Coimbra Editora, p. 376.

5 Barreiros, António José, Crimes contra o património, Lusíada, 1996, p. 216. 6 O Direito penal passo a passo, p. 272, ob. cit.

O CRIME DE ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA E CRÉDITO E O CRIME DE BURLA INFORMÁTICA

4.O crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

quantitativo a pagar7. (…) Nos meses em que o cartão tenha sido utilizado é remetida ao

titular, para conferência, a nota indicativa das compras efetuadas, seguindo-se o débito em conta. Para o comércio, uma transação com cartão de crédito é mais segura do que outras formas de pagamento, por ex.: o cheque, uma vez que o banco emissor aceita pagar ao vendedor ou prestador de serviços a fatura conferida, deduzindo-lhe o que é devido pelo serviço prestado (discount rate). Ao titular do cartão de crédito competirá efetuar pontualmente os pagamentos ou conseguir o correspondente crédito bancário suportando os juros e as despesas.”

Estes dois tipos de cartões têm em comum é o fato de ambos concederem crédito, o cartão de garantia constitui uma garantia de pagamento de um cheque até um determinado montante, acabando desta forma por também conceder crédito ao seu titular.

É unânime na doutrina que, está excluído do âmbito de proteção do tipo incriminador da norma do 225.º do CP, os abusos cometidos através da utilização de um cartão de uso corrente, como um cartão de débito, que tenha uma finalidade diversa da do cartão de crédito propriamente dito.

Assim, o Professor J. M. Damião da Cunha defende que o cartão de débito, não está considerado no crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito, por ser um cartão de pagamento imediato e encontrar-se associado a uma conta bancária que é imediatamente movimentada; pelo que o seu uso (ao contrário do cartão de crédito) está limitado pelas disponibilidades monetárias do titular.

Por sua vez, o Professor Pinto de Albuquerque, entende que não está, incluído no tipo de crime, o cartão de crédito e débito (chamado cartão dual) quando o cartão seja utilizado como cartão de débito, com um código secreto (o PIN) por exemplo, para levantamento de somas de dinheiro8.

Discutível é a situação nos cartões de crédito baseados num sistema bilateral (relação exclusiva entre emitente e titular do cartão), que era a forma original do cartão de crédito, pelo qual, a entidade emitente concede crédito ao titular para cada um dos seus estabelecimentos filiais. Embora este tipo de cartão seja, correntemente, denominado de crédito, de facto, constitui uma forma exclusiva de concessão de crédito, em regra, a sua titularidade, não confere a possibilidade de levar o emitente a efetuar um pagamento, pelo que, não cabe no âmbito de proteção da norma do 225.º do Código Penal.

Problema especial é o da utilização abusiva de cartão em sistemas automatizados de pagamento. No âmbito da discussão sobre este crime na comissão revisora, Lopes Rocha manifestou dúvidas quanto à utilização do cartão de crédito como instrumento que possibilite levantamento de moeda através de sistema informatizado.

7 Acrescenta o mesmo autor, que “O vendedor tem meios de verificar se o cartão é válido e se o titular dispõe de

crédito suficiente para pagar o preço”. – o comerciante segue determinados procedimentos de segurança fornecidos pelo banco, porém tais procedimentos, serão, quanto a nós, meramente preventivos.

8 Contra este entendimento e defendendo uma aplicação analógica do tipo de crime previsto no artigo 225.º do

Código Penal vide Maia Gonçalves 2007: 829, e Sá Pereira e Alexandra Lafayette, 2008: 559.

O CRIME DE ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA E CRÉDITO E O CRIME DE BURLA INFORMÁTICA

4.O crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual

Dada a redação prevista neste artigo 225.º do CP, parece que este tipo de conduta não pode ser abrangida por este crime: por um lado, no caso de utilização por terceiro, a utilização abusiva não resulta apenas da posse do cartão, mas também do conhecimento do código secreto que permite movimentar a conta do titular (que é o único prejudicado); por outro lado, esta hipótese não é sequer configurável no caso de ser o próprio titular a utilizar o cartão, pois o levantamento está limitado, por princípio, ao montante disponível na conta bancária ou ao plafond do cartão de crédito9.

Este caso de utilização abusiva de cartão em sistemas automatizados de pagamentos deve, portanto, ter um tratamento penal diferente dos que atrás ficaram referidos. Eventualmente, poderá ocorrer um crime de furto, ou um outro qualquer crime, referido à informática (previsto no âmbito da criminalidade informática)10.

O tipo não inclui o cartão de moeda eletrónica que o titular carrega com um determinado valor em dinheiro eletrónico incorporado no cartão. Quando este cartão é subtraído ao seu titular e utlizado por um terceiro sem autorização, o terceiro é punido pelos crimes de furto e burla informática.

A par de outros autores, Miguez Garcia, entende que, “o código a mais da incriminação prevista no 225.º, equipara o cartão de garantia ou de crédito a moeda [artigo 267.º, n.º 1 alínea c)] pondo-os em paralelo com os bilhetes ou frações da lotaria nacional. Protege-se o cartão tanto da contrafação como da falsificação parcial e da sua posterior colocação em circulação, por aplicação dos arts. 262.º a 266.º. Quando o cartão, apesar de ser “de crédito”, puder servir para outros fins, nomeadamente, levantamentos de quantias de conta provisionada, a respetiva utilização para subtração ilegítima de dinheiro não corresponderá a este crime, mas ao crime de furto ou de burla informática. A utilização ilícita pode também fazer-se por meio de cartões de crédito falsos nos POS “point of sale” ou “point of service”, que pode ser uma loja num centro comercial ou qualquer outro lugar onde a transação ocorra, mas que algumas vezes designa o terminal de pagamento por sistema eletrónico num restaurante, num hotel, num casino, etc.”

Aqui chegados importa analisar o tipo de crime.

9 J. M. Damião da Cunha, in Comentário Conimbricense do Código Penal, p. 788: “Também no caso do Código Penal

alemão, estes casos não são considerados, dado que o que o tipo legal pune é a utilização abusiva do cartão no quadro da sua função específica. No caso de levantamento de quantias não se trata de usar o cartão como garantia ou instrumento de crédito, mas como chave para acesso a uma conta”. – salvo o devido respeito, não concordamos com esta posição porquanto, o levantamento efetuado com cartão de crédito pode ser um levantamento a crédito e disponibiliza, de imediato, ao seu titular, um determinado montante em dinheiro, independentemente da conta estar aprovisionada.

10Diferentemente, GONÇALVES, Maia, Código Penal Português, página 728, defende que “Em nosso entendimento,

contrariamente ao que sustenta o Prof. J. M. Damião da Cunha, ob. cit., p. 379, a utilização abusiva de cartão em sistemas automatizados de pagamento pode ser subsumível à previsão deste artigo. É que o agente pode ter tido conhecimento do número secreto (PIN) que possibilita a utilização do cartão que está em seu poder, porque o descobriu, porque forçou o titular a revelá-lo, ou por qualquer outro processo. Não se trata de hipóteses académicas, mas de casos que têm sucedido com preocupante frequência, como tem sido revelados pelos meios de comunicação social, alguns já submetidos a julgamento, v.g. o chamado caso do banco multibanco.”

O CRIME DE ABUSO DE CARTÃO DE GARANTIA E CRÉDITO E O CRIME DE BURLA INFORMÁTICA

4.O crime de abuso de cartão de garantia ou de crédito. Enquadramento jurídico, prática e gestão processual