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O CONCEITO DE CIDADANIA NA LEI DE DIRETRIZES E BASES DA

A Lei n 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) é a legislação que regulamenta o sistema educacional brasileiro e está prevista legalmente no texto da Constituição Federal de 1988, em seu art. 22, inciso XXIV. Cabe lembrar que a nova LDBEN substitui a primeira, promulgada em 1961 (Lei 4.024/61), que vigorou por algumas décadas.

Desse modo, conforme o texto da nova LDBEN, em seu art. 1º: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.” Além disso, no referido texto consta que a Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve por meio do ensino em instituições próprias, e deverá vincular-se ao mundo do trabalho e também à prática social. A LDBEN/96, portanto, estabelece que a educação escolar é composta por dois níveis, isto é, a Educação Básica e o Ensino Superior.

Nessa direção, observa-se que ao ser institucionalizada, a educação formal talvez não seja o único meio para preparar o indivíduo para o exercício pleno da cidadania, porém, no momento em que ele está inserido numa instituição escolar, desde a Educação Infantil até o Ensino Superior, é impossível isentá-la de sua função nesse processo formativo. Para compreender, de fato, como o conceito de cidadania está presente na LDBEN, é necessário entender o contexto histórico, político e social em que o documento emergiu e se concretizou.

De fato, as primeiras ideias ou concepções em relação à LDBEN, discutidas e deliberadas por educadores e também por estudantes antes mesmo da homologação da Constituição Federal de 1988, revelaram que os seus progressos começaram por volta da década de 1980. Por um período que perdurou por oito anos, entre a proposição e sua aprovação no Congresso Nacional, foram pensados dois projetos com referenciais distintos. A primeira proposta aproximava-se dos ideais democráticos que surgiam com a reabertura política e da participação popular; já o segundo projeto, presente na década de 90, estava fortemente influenciado pela lógica neoliberal dos organismos internacionais21, principalmente pela Declaração Mundial Educação para Todos, de 1990.

21 Para organizações como o Banco Mundial (BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Internacional

de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), os Organismos Multilateral de Garantia de Investimento (MIGA) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a finalidade da educação era combater a pobreza e sua responsabilidade seria da comunidade, família e também do Estado, justamente o inverso do que estabelece a Constituição Federal de 1988.

A primeira proposta foi apresentada com o objetivo de unificar as diretrizes e bases da educação brasileira, cuja versão recebeu o nº 1.258/A-88 na Câmara dos Deputados. A trajetória do projeto na Câmara foi intensa, passou por várias audiências públicas, incorporando projetos, emendas e sugestões oriundas de todos os segmentos educacionais. O projeto foi aprovado em 20 de dezembro de 1996, por meio da Lei 9.394.

O que era, porém, para ser a continuação de um Programa de Políticas Públicas de Estado para a Educação começou a passar por distintos caminhos e, ao invés de seguir os pressupostos constitucionais, atendeu às demandas do governo, estabelecendo um discurso aos interesses das grandes agências internacionais. Tal manobra, segundo Arendt (2010), é reflexo da aglutinação da esfera pública e privada e a sobreposição da esfera social, em que o principal objetivo era o interesse próprio em detrimento da ação pública que engloba a diversidade, a pluralidade, o diálogo e a liberdade de ação, instrumentos construtores de uma política que possibilita novas proposições.

A Constituição Federal de 1988 tem inúmeras influências sobre a LDBEN/96, além de reflexos políticos e sociais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e, não obstante, está pautada nos princípios neoliberais que estavam presentes na década de 90. A LDBEN/96, portanto, revela inúmeras tensões políticas (externas e internas), o que permite analisar o conceito de cidadania neste documento. O fato de a LDBEN/96 possuir influências do texto da Constituição Federal de 1988 faz com que tenha eficácia e coerência e, em virtude disso, ela declara em seu art. 2º, que a educação “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”

Desse modo, o curso do texto da LDBEN/96 estabelece em vários outros artigos e em seus incisos o tema da cidadania, por exemplo, quando declara no art. 22, que a Educação Básica tem a finalidade de “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.”

Nesse sentido, o termo cidadania aparece ainda no art. 32, quando se refere ao Ensino Fundamental como “a formação básica do cidadão”, além de definir no art. 35, incisos II e III, que o Ensino Médio tem por finalidades a “preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.” Enquanto isso, os conteúdos curriculares para a Educação Básica que estão referenciados na LDBEN/96, art. 27, inciso I, estabelecem que a “difusão dos valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito comum e à ordem democrática” deve orientar os conteúdos, com

ênfase na “língua portuguesa como instrumentos de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.” (art. 36, inc. I).

O termo cidadania, citado nas passagens anteriores, apresenta relação direta com o conteúdo do art. 1º da Constituição Federal de 1988 e, também, com o art. 205, ou seja, o conceito compreende as dimensões dos direitos civis, políticos e sociais.

O art. 32 da LDBEN, a seguir, apresenta os objetivos do Ensino Fundamental:

Art. 32. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

O referido artigo explica que um dos meios para o exercício da cidadania é aprender como meios básicos, o domínio da leitura, da escrita e do cálculo. É importante perceber, contudo, que essas capacidades poderiam ser consideradas requisitos mínimos para que, do mesmo modo, o indivíduo consiga adquirir competências e habilidades para adentrar no mercado de trabalho.

Na terceira finalidade a educação visa a formar um cidadão “mediante o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores.” Nesse sentido, o inciso terceiro parece ser uma complementação do inciso primeiro, em que o indivíduo deve ter o domínio dos meios básicos, ler, escrever e calcular para adquirir os conhecimentos e habilidades.

Por fim, o art. 32 apresenta reflexões sobre o termo cidadania e, mesmo citado numa referência direta ao texto da Constituição Federal de 1988, o modo como ele é tratado na LDBEN/96 passa a significar e a relacionar-se às condições mínimas e necessárias para ingressar no mercado de trabalho.

Segue a reflexão que analisa o conceito de cidadania presente no art. 35 da LDBEN, que relata os objetivos do Ensino Médio:

O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posterior;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

Percebe-se que no art. 35 os objetivos da Educação passam a ser concorrentes, como já afirmado anteriormente, pois priorizam de forma evidente a preparação do indivíduo para o mundo do trabalho. A grosso modo, é como se no Ensino Fundamental o indivíduo desenvolvesse as habilidades e competências para que, posteriormente, no Ensino Médio, elas sejam sistematizadas com o objetivo de ingressar ao mercado de trabalho. Ainda mais quando se analisa o inciso II do art. 35: “a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores.”

Observa-se, inicialmente, a ordem em que os termos aparecem no inciso II, onde as finalidades da educação são: a preparação para o trabalho – em primeiro lugar, para, em seguida apresentar a preparação da cidadania do educando, justamente o inverso do que aparece no art. 205 do texto constitucional, onde, primeiramente, o objetivo é “desenvolver a pessoa, o preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” Pode-se afirmar que a inversão dos termos deixa clara a prioridade no processo de formação educacional.

No inciso II, preferencialmente na última parte, o texto refere que é necessário “adaptar- se com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”, possibilitando, assim, as relações com as necessidades que o mercado de trabalho apresenta, num mundo globalizado onde o conhecimento é apenas uma característica e, muitas vezes, insuficiente, sendo necessário ser útil e se adaptar ao novo modelo econômico. Essa adaptação está presente no inciso IV, onde só é possível se adaptar mediante “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, a partir da relação entre teoria e prática, no ensino de cada disciplina.”

Considera-se, ainda, que somente o inciso III faz menção aos elementos voltados à preparação para o exercício da cidadania, mediante “o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.” Assim, mais do que aprender conteúdos, o aluno deve aprender a fazer, não deve apenas entrar no mercado de trabalho, mas compreendê-lo também é fundamental.

O terceiro artigo apresenta-se destoado dos demais, o que denota a preocupação de não romper com o texto da Constituição Federal de 1988. Ademais, deve garantir que os objetivos

presentes nas discussões da década de 90 sejam cumpridos. Assim, o termo cidadania presente nos artigos da LDBEN/96 pode ser considerado uma tensão entre discussões e o texto da Constituição Federal de 1988.

O termo cidadania, portanto, não é compreendido apenas como um referencial pertencente às dimensões dos direitos civis, políticos e sociais, como consta no texto Constitucional de 1988, mas também propicia um melhor ingresso do indivíduo no mercado de trabalho. Desse modo, o preparo para o exercício da cidadania poderia deixar de ser um fim em si mesmo e passar a ser um meio para outros fins, como o bem-estar econômico e social, podendo não priorizar ao indivíduo o exercício pleno de sua cidadania, mas fazendo parte da esfera pública e de decisões de poder.

Além da Constituição Federal de 1988 e da LDBEN de 1996, há um terceiro documento que completa a tríade de investigação e que deveria ser uma política de Estado para a Educação no Brasil, trata-se do Plano Nacional de Educação (2001-2011) e (2014-2024).