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O CONCEITO DE NATALIDADE E AÇÃO

No início de seu ensaio, Arendt (2013, p. 223) anuncia: “a essência da educação é a natalidade, [...] o fato de que novos seres nascem para o mundo.” Assim, o mundo recebe constantemente novos seres que, ao nascer, aparecem neste mundo como novidade. Estes recém-chegados necessitam ser acolhidos e também familiarizados com o novo espaço e o seu legado. A natalidade, portanto, “[...] diz respeito à dinâmica entre o mundo historicamente constituído e a chegada dos novos, que podem intervir nele.” (ALMEIDA, 2011, p. 21).

A educação, por sua vez, diz respeito à “nossa atitude face ao fato da natalidade: o fato de todos nós virmos ao mundo ao nascermos e de ser o mundo constantemente renovado mediante o nascimento.” (ARENDT, 2013, p. 247). Logo, a natalidade é a possibilidade e a capacidade de constante atualização, de fazer o novo, que acontece por intermédio da ação no mundo. Recentemente, Jürgen Habermas caracterizou esse tema e as considerações arendtianas sobre a natalidade em seu livro O futuro da natureza humana, no qual faz reflexões sobre as implicações da manipulação genética em seres humanos. Para Habermas (2004), Arendt permanece atenta ao fato de que, com cada novo nascimento, começa não apenas uma outra história de vida mas, principalmente, uma nova história.

O homem é inserido em um mundo que já existe, e a partir do seu nascimento ele constitui o mundo. O nascimento biológico é o primeiro aparecimento do homem no mundo, entretanto, a natalidade não corresponde ao nascimento, que é de fato a condição inaugural da natalidade.

O mundo, para Arendt, não é simplesmente aquilo que a rodeia, mas um espaço que é construído a partir do trabalho e que se constitui por meio da ação. As construções e os artefatos garantem um lugar duradouro, em cujo espaço construído os seres humanos podem criar meios de conviver e de interagir que vão além da mera preocupação com a sobrevivência, embora as necessidades básicas não deixem de existir e devem ser supridas antes mesmo da chance/ possibilidade de participar do mundo.

Assim, o recém-chegado é compreendido como a criança e o jovem que se prepara para o mundo, enquanto o adulto participa do mundo por intermédio da ação e, nessa condição, estabelece a novidade. Segundo Arendt (2010, pp. 221-222),

Agir, em seu sentido geral, significa tomar iniciativa, iniciar [...]. Por constituírem um

initium, por serem recém-chegados e iniciadores em virtude do fato de terem nascido,

os homens tomam iniciativas e são impelidos a agir [...] não é o início de algo, mas alguém que é, ele próprio, um iniciador. Com a criação do homem, veio ao mundo o próprio princípio do começar, e isso naturalmente, é apenas outra maneira de dizer que o princípio da liberdade foi criado quando o homem foi criado, mas não antes.

Ainda, em sua obra Origens do totalitarismo, Arendt (1989, p. 531) afirma que,

[...] todo fim da história constitui necessariamente um novo começo: esse começo é a promessa, a única mensagem que o fim pode produzir. O começo, antes de tornar-se evento histórico, é a suprema capacidade do homem; politicamente, equivale à liberdade do homem. Initium ut esset homo creatus est – ‘o homem foi criado para que houvesse um começo’, disse Agostinho. Cada novo nascimento garante esse começo; ele é, na verdade, cada um de nós.

Os novos começos, no entanto, acontecem num mundo que é pré-existente, um mundo que é povoado por outros seres humanos, singulares e capazes de realizar o novo. A ação para ser efetivada precisa da adesão dos demais e é, assim, por eles incorporado. Por isso, a atividade da ação pertence à vida ativa da condição humana, pois “nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos.” (ARENDT, 2010, p. 67).

Os homens podem agir, tomar iniciativa, impor “um novo começo”, porém, é fundamental, de acordo com Arendt (2004a), acreditar, de uma maneira altamente maravilhosa e misteriosa, na evidência de que o homem é dotado do dom de fazer milagre.

[...] é, em última análise, o fato da natalidade [...] é o nascimento de novos seres humanos e o novo começo, a ação de que são capazes em virtude de terem nascido. Só a plena existência dessa capacidade pode conferir aos assuntos humanos fé e esperança [...]. É nessa fé e esperança no mundo que encontra sua expressão talvez mais gloriosa e mais sucinta nas breves palavras com as quais os Evangelhos anunciaram sua boa-nova: Nasceu uma criança entre nós (ARENDT, 2010, p. 308, grifo nosso).

Deste modo, a fonte suprema que garante ao homem iniciar algo novo, de “fazer um milagre”, ou ainda, de salvar o mundo, está na natalidade. Todo ato, considerado não na perspectiva do agente, mas do processo em cujo quadro de referência ele ocorre e cujo automatismo interrompe, é um “milagre” – isto é, algo que não poderia ser esperado. “Se é verdade que ação e começo são essencialmente idênticos, então a capacidade de realizar milagres deve ser incluída na gama das faculdades humanas.” (ARENDT, 2013, p. 218).

Evidentemente, é necessário um espaço comum no qual todos possam aparecer, já que “[...] nenhuma atividade pode tornar-se excelente se o mundo não proporcionar um espaço adequado para o seu exercício.” (ARENDT, 2010, p. 60). Assim, o nascimento precede o ato de criar novas realidades, cuja realização está pautada na natalidade. Ora, se a natalidade para Arendt é a essência da educação7, é neste âmbito que se situa a esperança, o novo, o milagre, a

capacidade de poder transformar o mundo com novas realidades a partir da ação. Desse modo, a natalidade representa a esperança de que o homem volte a agir em vez de apenas se comportar, e é sobre o agir, ou as características dessa capacidade de ação que se passa a refletir nos próximos parágrafos.

Para a autora, é fundamental que a pluralidade não desconsidere o reconhecimento da igualdade e da distinção, pois se não fossem iguais, os homens não poderiam compreender uns aos outros, pois a pluralidade humana tem o duplo aspecto de igualdade e diferença. Ainda, se não fossem iguais, os homens seriam incapazes de se compreender entre si e os seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações vindouras. Por outro lado, se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os outros que já existiram, que existem ou que virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender (ARENDT, 2010).

[...] tudo o que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que se possa falar sobre. [...] Os homens no plural, isto é, os homens na medida em que vivem, se movem e agem neste mundo, só podem experimentar a significação porque podem falar uns com os outros e se fazer entender aos outros e a si mesmos. (ARENDT, 2010, p. 5).

Não obstante, é por meio do discurso e da ação que os homens podem distinguir a si próprios, ao invés de apenas permanecerem diferentes. No entendimento de Arendt (2010), estes são modos pelos quais os seres humanos aparecem uns para os outros, não como objetos físicos, mas enquanto homens. A autora compreende que uma vida sem discurso e sem ação é literalmente morta para o mundo, ou seja, deixa de ser uma vida, já que esta não é vivida entre os homens.

A autora considera ainda que,

[...] com palavras e atos [...] nos inserimos no mundo humano, e essa inserção é como um segundo nascimento, no qual confirmamos e assumimos o fato simples do nosso aparecimento físico original. Não nos é imposta pela necessidade, como o trabalho, nem desencadeada pela utilidade como a obra. [...] Agir, em seu sentido mais geral, significa tomar iniciativa, iniciar (como indica a palavra grega archein, ‘começar’ ‘conduzir’ e, finalmente ‘governar’), imprimir movimento a alguma coisa (que é o significado original do termo latino agere). [...] não é o início de algo, mas de alguém que é, ele próprio, um iniciador [...]. (ARENDT, 2010, pp. 221-222, grifo nosso).

As pessoas vêm ao mundo e, com isso, precisam conhecer o ambiente em que estão inseridos, mas, o mundo também precisa conhecer os recém-chegados. Nesse momento, a pergunta feita a todo recém-chegado é: “Quem és?” (ARENDT, 2010, p. 223). A autora

distingue os termos quem e o que alguém é. A singularidade do quem não se resume às características ou competências da pessoa, pois estas se repetem. Assim, é difícil nomear o quem, já que ele foge da descrição.

Essa revelação do quem alguém é está implícito tanto em suas palavras quanto em seus feitos; contudo, a afinidade entre discurso e revelação é, obviamente, muito mais estreita que a afinidade entre ação e revelação8, tal como a afinidade entre ação e

início, embora grande parte dos atos, senão a maioria deles, seja realizada na forma de discurso (ARENDT, 2010, p. 223).

A ação que os novos iniciam é humanamente revelada pela palavra e, embora seu ato consiga ser notado com o seu aparecimento físico, sem o acompanhamento verbal só se torna relevante a partir da palavra falada na qual ele se identifica como ator, anunciando o que faz, fez, e pretende ainda fazer. A qualidade reveladora do discurso e da ação passa a um primeiro plano quando as pessoas estão com as outras, nem a favor e nem contra elas, isto é, no verdadeiro estar junto dos homens. Mesmo que ninguém saiba o que o homem revela quando desvela a si mesmo no feito ou na palavra, ele deve estar disposto a correr o risco de se desvelar (ARENDT, 2010).

A autora mostra novamente a importância do espaço entre-os-homens, local onde esses se revelam mediante as suas ações e palavras:

Sem o desvelamento do agente no ato, a ação perde o seu caráter específico e torna- se um feito como outro qualquer. Na verdade, passa a ser apenas um meio de atingir um fim, tal como a fabricação é um meio de produzir um objeto. Isso ocorre sempre que se perde o estar junto dos homens, isto é, quando as pessoas são meramente ‘pró’ ou ‘contra’ as outras, como acontece, por exemplo, na guerra moderna, quando os homens entram em ação e empregam meios violentos para alcançar determinados objetivos, em proveito de seu lado e contra o inimigo. Nessas circunstâncias, que naturalmente sempre existiram, o discurso transforma-se, de fato, em ‘mera conversa’, apenas mais um meio de alcançar um fim quer iludindo o inimigo, quer ofuscando a todos com propaganda. (ARENDT, 2010, p. 225).

Ademais, para a autora, o discurso é que distingue os homens que vivem na pluralidade da esfera pública, além disso, é ele que dá identidade ao cidadão, mesmo que não o defina na sua totalidade. Por isso, para Arendt (2010), as palavras podem revelar mais que as ações, como se elas trouxessem o cidadão à existência por meio do discurso. Assim, é o início do discurso que possibilita o processo da dialogicidade do espaço entre os homens, e faz com que os cidadãos estejam entre os iguais.

Em outras palavras, segundo Arendt (2010, p. 230), “[...] as estórias, resultado da ação e do discurso, revelam um agente, mas esse agente não é o autor nem produtor. Alguém as iniciou e delas é o sujeito, na dupla acepção da palavra, seu ator e seu paciente, mas ninguém é seu autor.” As estórias que são construídas se cruzam num contexto muito grande, desse modo, aquela que tem seu início desconhecido e um fim que ainda não aconteceu, é um processo em constante devir, sem um autor que lhe atribua um começo e um fim.

Diante desse contexto, é interessante observar que o fato de a história não possuir um autor definido, e não ter um fim, tem a ver com o princípio da liberdade, que é uma das principais características da esfera pública. Assim, se a história é aberta, então é possível compreender que tudo pode ser mudado9.

Diante disso, Arendt (2013, p. 203) apresenta a conotação de coragem, que é um dos princípios que inspira a ação livre, uma virtude que é indispensável para a ação: “Sustentamos [...], como algo evidente por si mesmo [...], que a coragem é uma das virtudes políticas cardeais.” A coragem não é algo que se refere somente ao ato de enfrentar o perigo, como por exemplo, faz um praticante de esportes radicais, mas está relacionada a tomar decisões em determinados momentos, nos quais se deixa de lado as preocupações com as exigências da vida para se engajar na transformação do mundo.

Coragem é uma bela palavra, e não tenho em mente aqui o arrojo da aventura, que de bom grado arrisca a vida para ser tão total e intensamente vivo como somente se pode ser face ao perigo e à morte. [...] A coragem, que ainda acreditamos ser indispensável para as ações políticas [...] não recompensa nosso senso individual de vitalidade, mas nos é demandada pela própria natureza do círculo público. (ARENDT, 2013, p. 203).

Para a autora, a dimensão dessa coragem sem a qual a ação, as palavras e, segundo os gregos, a liberdade seriam impossíveis, não está relacionada à força, mas sim ao poder, pois,

A força de que o indivíduo necessita para qualquer processo de produção perde inteiramente seu valor quando se trata da ação, não importando se essa força é intelectual ou uma questão de força puramente material. A história está repleta de exemplos de impotência do homem forte e superior que não sabe como angariar o auxílio ou o agir conjunto [...] de seus semelhantes. (ARENDT, 2010, p. 236).

Assim, seja qual for a especificidade da ação, ela sempre irá estabelecer relações, e tem, portanto, a tendência inerente de romper todos os limites e transpor todas as fronteiras. Os limites e as fronteiras existem no âmbito dos assuntos humanos, mas eles jamais chegam a

9 É por isso que os discursos que estabelecem as estórias dos cidadãos mostram quem eles foram ou quem são,

constituir estrutura capaz de resistir de modo confiável ao assalto por meio do qual tem de se inserir nele cada nova geração. Arendt (2010) conclui, então, que a fragilidade das leis e também das instituições humanas, de modo geral, todos os assuntos relativos à convivência dos homens decorre da condição humana da natalidade.

Do mesmo modo, “as limitações legais nunca são salvaguardas absolutamente seguras contra a ação vindo do interior do [...] corpo político, da mesma forma que as fronteiras territoriais jamais são salvaguardas inteiramente seguras contra a ação vinda de fora.” (ARENDT, 2010, p. 239). Para os antigos gregos, as leis, como os muros ao redor da cidade, não eram fruto da ação, mas de um produto da fabricação, ou seja, a lei garantia o espaço da ação. Arendt (2010, pp. 247-248) explica que o espaço era a esfera pública da polis e a estrutura significava a sua lei:

A ação, portanto, não apenas mantém a mais íntima relação com a parte pública do mundo como a todos nós, mas é a única atividade que o constitui. É como se os muros da polis e os limites da lei fossem erguidos em torno de um espaço público preexistente, que, entretanto, sem essa proteção estabilizadora, não perduraria, não sobreviveria ao próprio instante da ação e do discurso.

Os muros da polis forneciam o contorno de seu território, enquanto suas leis estabeleciam as suas regras, o seu temperamento. A polis ganhava, desse modo, uma nova forma, não mais em torno de um palácio, mas sim, centralizada na praça pública, organizada no seu entorno.

A rigor, a polis não é a cidade-Estado em sua localização física; é a organização das pessoas tal como ela resulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam. ‘Onde quer que vás, serás uma polis’. Essas famosas palavras não só vieram a ser o lema da colonização grega, mas exprimiam a convicção de que a ação e o discurso criam um espaço entre os participantes capaz de situar-se adequadamente em quase qualquer tempo e lugar. (ARENDT, 2010, p. 248).

A autora explica ainda que a polis, formada pela ação política dos gregos e não pelo espaço físico da cidade, tinha uma dupla função:

Destinava-se a permitir que os homens fizessem permanentemente, ainda que com certa restrição, aquilo que, de outra forma, era possível somente como empreendimento infrequente e extraordinário, para o qual tinham de deixar seus lares. Esperava-se que a polis multiplicasse as oportunidades de conquistar ‘fama imortal’, ou seja, multiplicasse, para cada homem as possibilidades de distinguir-se, de revelar em atos e palavras quem era em sua distinção única. (ARENDT, 2010, p. 246).

Enquanto isso, a segunda função da polis consistia em:

[...] novamente conectada intimamente com os riscos da ação tal como experimentada antes que a polis passasse a existir era remediar a futilidade da ação e do discurso; pois as chances de um feito merecedor de fama ser lembrado, de que realmente se tornasse imortal não eram muito boas. (ARENDT, 2010, p. 246).

Nem sempre, porém, havia esse espaço e, mesmo que todos os homens fossem capazes de agir e de falar, a maioria deles não vivia nele. A grosso modo, onde quer que as pessoas se reúnam, o espaço existe potencialmente, mas não é necessário que ele exista para sempre. Isso leva Arendt a considerar que,

A ascensão e a decadência de civilizações, o declínio e o desaparecimento de impérios poderosos e de grandes culturas sem o concurso de catástrofes externas – e, na maioria das vezes, essas ‘causas’ externas são precedidas por uma degenerescência interna que é um convite ao desastre – deve-se a esta peculiaridade do domínio público que, pelo fato de repousar, em última instância, na ação e no discurso, jamais perde inteiramente seu caráter potencial. (ARENDT, 2010, p. 249).

Para Arendt (2010), é o poder que mantém a existência da esfera pública. O poder só é efetivado quanto não há separação entre a palavra e a ação, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são usadas para velar intenções, mas utilizadas para desvelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para estabelecer as relações e criar novas possibilidades e realidades.

O poder, portanto, é o que mantém as pessoas unidas, mesmo depois que passa o momento fugaz da ação. E todo aquele que se distancia ou não participa dessa convivência é destituído do poder e se torna impotente, por maior que seja o seu vigor e por mais válidas que sejam as suas razões.

Na condição da vida humana, a única opção que pode ser uma alternativa do poder não é o vigor, mas a força que um homem pode exercer contra o seu semelhante e, a partir disso, um ou alguns homens podem possuir o monopólio da violência. Mesmo que a violência seja capaz de destruir o poder, ela jamais poderá substituí-lo. E, assim, tem-se a combinação política, onde nada deve haver de infrequente, de força e de impotência.

Isso leva Arendt (2010, p. 252) a afirmar que:

Na experiência histórica e na teoria tradicional, a combinação de força e impotência, mesmo quando não reconhecida como tal, tem o nome de tirania, e o consagrado temor a esta forma de governo não é inspirado exclusivamente por sua crueldade que – como atesta a longa sucessão de tiranos benévolos e déspotas esclarecidos – não é um de seus traços inevitáveis, mas pela impotência e pela futilidade a que condena tanto governantes como governados.

Arendt (2010), ao citar Montesquieu, afirma que ele notou que a principal característica da tirania é que ela está fundamentada no isolamento dos indivíduos, e que, portanto, a tirania não era uma forma de governo como qualquer outra, mas sim contrária à condição humana da pluralidade, da ação, das palavras em conjunto, que devem ser a base de todas as formas de organização política. Do mesmo modo, “só a tirania é incapaz de engendrar suficiente poder para permanecer no espaço da aparência, que é a esfera pública, ao contrário, tão logo passa a existir, gera as sementes de sua própria destruição.” (ARENDT, 2010, p. 253). A grosso modo, a tirania impede o desenvolvimento do poder, não só em um segmento específico da esfera pública, mas em sua totalidade.

Não obstante, segundo a autora,

A violência, de modo bastante curioso, pode destruir o poder com mais facilidade do que é capaz de destruir o vigor; e embora uma tirania se caracterize sempre pela impotência dos seus súditos, privados da capacidade humana de agir e falar em conjunto, não é necessariamente caracterizada por fraqueza e esterilidade; pelo contrário, as artes e os ofícios podem florescer, em tais condições, bastando que o governo seja suficientemente benévolo para deixar em paz os súditos em seu isolamento. (ARENDT, 2010, p. 253).

Ademais, a violência só consegue ser percebida em duas ocasiões: primeiro, na esfera do lar onde não há igualdade de condições e nem humanidade. E, segundo, quando a esfera pública não existe mais, pois a violência destruiu o poder e, assim, privou os homens da vida em conjunto. Pode-se perceber, ainda, que a ação é a condição fundamental para a existência da política e, consequentemente, dos cidadãos. Com a desagregação dos cidadãos, os homens deixam de se interessar pelo bem comum e passam a privilegiar os seus próprios interesses,