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1.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

1.1.2 Conceito de dignidade humana

O conceito de dignidade humana mostra-se de difícil definição69, uma vez

que encerra concepções e significados variados, ou seja, cuida-se de conceito com contornos vagos e imprecisos. O que se percebe é que seu sentido foi sendo construído e compreendido ao longo do tempo e mediante as ações praticadas pelo próprio ser humano. O que no início se mostrava como reflexão filosófica ou pensamento religioso foi evoluindo para uma prática efetiva de proteção à dignidade da pessoa humana.

Do plano subjetivo a proteção da dignidade humana salta para um plano objetivo, com sua positivação em diversas declarações e constituições, conforme anteriormente apontado. Todavia, não se pode deixar de observar que a dignidade humana não é resultante da sua positivação na legislação, já que representa um dos conceitos a priori, ou seja, preexistente a toda experiência especulativa, isto é, tal valor não foi introduzido pelo Direito, mas constitui dado prévio, valor próprio da natureza da pessoa humana70. Ou ainda, conforme aponta SILVA71, a dignidade é

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Cfe. GROENINGA, Giselle Câmara. O direito a ser humano: Da culpa à responsabilidade. In:

GROENINGA, Giselle Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de Família e

Psicanálise: Rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 96. No mesmo

sentido: GAMA, 2003, p. 132; MARTINS, 2008, p. 17; SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da

pessoa humana e direitos fundamentais: Na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2001, p. 38; ZISMAN, Célia Rosenthal. O princípio da dignidade da

pessoa humana. São Paulo: IOB Thomson, 2005, p. 22.

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reconhecida a toda pessoa humana na medida em que ela se apresenta como um sujeito ético individual, isto é, um ser revestido de potencialidade suficiente para se determinar, por intermédio da razão, para a ação em liberdade.

Assim, o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se como o núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, dando-lhe sentido e mostrando- se como ponto de partida e de chegada, na tarefa de interpretação normativa. Consagra-se, portanto, a dignidade humana como verdadeiro superprincípio, tendo em vista que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade72.

Na linguagem natural, expressa em dicionário comum, a dignidade é conceituada como modo de proceder que inspira respeito; consciência do próprio valor; honra, autoridade, nobreza; distinção; qualidade de digno; honestidade73.

Buscando uma conceituação mais formal, SILVA74 consigna que a palavra

dignidade é derivada do latim dignitas, que significa virtude, honra, consideração e, em regra, se entende como a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa, serve de base ao próprio respeito em que é tida.

Também ABBAGNANO75 contribui para a conceituação formal da palavra

dignidade expondo que após as duas grandes guerras, a exigência da dignidade do ser humano revelou-se como pedra de toque fundamental para a aceitação dos ideais que passaram a nortear as formas de vida no mundo contemporâneo.

Na concepção de KANT76o ser humano considerado como pessoa coloca-se

acima de qualquer preço, pois como pessoa não é para ser valorado meramente como um meio para o fim de outros ou até mesmo para seus próprios fins, mas como um fim em si mesmo, ou seja, ele possui uma dignidade, que equivale a um

71 SILVA, Reinaldo Pereira e. Introdução ao biodireito: Investigações político-jurídicas sobre o

estatuto da concepção humana. São Paulo: LTr, 2002, p. 192.

72 PIOVESAN, 2005, p. 49-50.

73 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Mini Aurélio: O minidicionário da língua portuguesa. 4.

ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 236.

HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.

Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 248.

74 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 267.

75 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. de Alfredo Bosi. São Paulo: Mestre Jou,

1982, p. 259.

valor interno absoluto, através do qual cobra respeito por si mesmo de todos os demais seres racionais do mundo.

Portanto, a dignidade apresenta-se como o alicerce de todos os valores morais, a síntese de todos os direitos do homem, como sendo tudo aquilo que não tem preço e que não pode ser objeto de troca; fundamenta-se na valorização da pessoa humana como fim em si mesma e não como objeto ou meio para se atingir outros fins, como bem explicitou KANT.

Por sua vez, HABERMAS77 explica que a dignidade humana não é uma

propriedade que se pode “possuir” por natureza, como a inteligência ou os olhos azuis. Ela marca, antes, aquela “intangibilidade” que só pode ter um significado nas relações interpessoais de reconhecimento recíproco e no relacionamento igualitário entre as pessoas.

Ainda se registra a visão constitucionalista de SILVA78 que afirma:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo- a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos exigência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.

No presente trabalho o conceito adotado é de SARLET79 que propôs uma

conceituação jurídica para a dignidade da pessoa, partindo da matriz kantiana e sustentando que se trata de uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do

77 HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. Trad. de Karina Jannini. São Paulo: Martins

Fontes, 2004, p. 47.

78 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 18. ed. São Paulo: Malheiros,

2000, p. 109.

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Estado e da comunidade, de forma que implica um complexo de direitos e deveres fundamentais que venham assegurar à pessoa proteção contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, assim como possam assegurar-lhe as condições existenciais mínimas para uma vida digna, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

Dessa forma, como valor intrínseco da pessoa humana, a dignidade não pode ser violada ou sacrificada. E conforme registra ZISMAN80 o princípio da

dignidade há que ser observado a cada aplicação da lei, a cada julgamento emitido pelo Poder Judiciário, bem como em toda ação de qualquer indivíduo da sociedade. É princípio cuja aplicação propicia o reconhecimento do homem como ser digno de proteção.

Portanto, o princípio jurídico da dignidade como fundamento da República, exige como pressuposto a intangibilidade da vida humana. Sem vida, não há pessoa, e sem pessoa, não há dignidade81.

Logo, o que se percebe diante da conceituação colacionada é que onde não existir respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde o poder se apresenta ilimitado, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade em direitos e dignidade e os direitos fundamentais não obtiveram reconhecimento e o mínimo de garantia, não haverá espaço para a dignidade humana e a pessoa, por sua vez, poderá ser tida como um mero objeto de arbítrio e injustiças82.

Destarte, o que se registra para finalizar esse tópico é que a pessoa tem dignidade exatamente por ser pessoa, de modo que o princípio da dignidade é o primeiro de todos, ou seja, seu valor transcende a qualquer outro direito. O ser humano possui em si mesmo um valor moral intransferível e inalienável, cuja atribuição se deu exatamente pelo fato de ser pessoa humana, independentemente de suas qualidades individuais.

80 ZISMAN, 2005, p. 33.

81 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana, ano 91,

Revista dos Tribunais, n. 797, março 2002, p. 15.

E para finalizar, parafraseando SILVA83, registra-se que a pessoa humana

constitui-se em um bem, dotada de dignidade própria, que significa o seu valor, não podendo ser sacrificada em benefício de qualquer interesse coletivo. Dessa forma, evidencia-se como uma das finalidades do Estado promover as condições necessárias para que as pessoas tenham uma existência digna.

Na sequência será abordada a aplicação do princípio da dignidade humana na entidade familiar.