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2 A FAMÍLIA E A CONSTRUÇÃO DO AFETO

3.2 Direito de Visita

3.2.1 Noções fundamentais

Em termos legislativos, o primeiro texto no Brasil a tratar do direito de visitas foi o Decreto-Lei n. 9.701520, de 3 de setembro de 1946, que dispunha sobre a

guarda dos filhos menores no desquite judicial. Composto de dois artigos, no artigo 1° previa:

Art. 1º. No desquite judicial, a guarda de filhos menores, não entregues aos pais, será deferida a pessoa notoriamente idônea da família do cônjuge inocente, ainda que não mantenha relações sociais com o cônjuge culpado, a quem entretanto será assegurado o direito de visita aos filhos. (grifou- se)

Posteriormente, a Lei n. 4.121, de 27 de agosto de 1962, que dispunha sobre a situação jurídica da mulher casada, deu nova redação ao artigo 326521 do

Código Civil de 1916, incluindo o direito de visita.

518 BRUNO, Denise Duarte. Direito de visita: Direito de convivência. In: GROENINGA, Giselle

Câmara; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e Psicanálise: Rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 313.

519 Em relação à jurisprudência aponta-se: 8 de julho de 1857, a Corte de Cassação francesa

reconheceu o direito de visita aos avós, tornando-se o marco referencial desse direito. Cfe. BOSCHI, 2006, p. 7.

No Brasil, a decisão datada de 10 de abril de 1924, fixando o juízo do desquite (atual separação judicial) como o único competente para regulamentar as visitas dos pais aos filhos. Cfe. BOSCHI, 2006, p. 09-10.

520 Disponível em: <http://www.senado.gov.br> Acesso em: 16 mar. 2009.

521 Lei n. 4.121/1962. Art. 326. Sendo desquite judicial, ficarão os filhos menores com o cônjuge

inocente.

§ 1º Se ambos os cônjuges forem culpados ficarão em poder da mãe os filhos menores, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para êles.

§ 2º Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notòriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges ainda que não mantenha relações sociais com o outro a quem, entretanto, será assegurado o direito de visita. Disponível em: <http:/ /www.senado.gov.br> Acesso em: 16 mar. 2009.

Com o advento da Lei do Divórcio, em 1977, o direito de visita do não guardião, passou a ser disposto no artigo 15522. Atualmente, o direito de visita

encontra-se previsto no Código Civil de 2002, no artigo 1.589523.

A breve análise da legislação vigente demonstra que o tema ainda suscita dúvidas, reclamando uma normatização mais efetiva, com a finalidade de resolver os vários problemas decorrentes do rompimento da união dos pais e a regulamentação das visitas. Verifica-se que Lei n. 11.698/2008 que instituiu e disciplina a guarda compartilhada é uma tentativa do legislador para dirimir os conflitos gerados pela divergência em relação à guarda e visita aos filhos de pais separados.

Define-se o direito de visita como um expediente jurídico moldado para preencher os efeitos da ruptura da convivência familiar, antes integralmente exercido por ambos os pais. Representa um desdobramento do instituto da guarda, definido com a separação dos genitores524.

Para CARBONERA525 o direito de visita pode ser considerado um expediente

jurídico de caráter compensatório, cujo objetivo é atender tanto ao interesse do filho que está na companhia do genitor, quanto ao genitor, em ter o filho consigo. Entretanto, seu sentido amplo extrapola a proximidade física ou o contato esporádico. Consigna a autora que se trata de uma modalidade de exercício indireto da autoridade parental, que permite ao genitor não guardião acompanhar e estar atento a todos os aspectos relacionados ao desenvolvimento do filho como pessoa. Dessa forma, a ausência do contato diário provoca na vida do filho um vazio, que pode ser minorado com a demonstração de cuidados que perpassem pela instrução e pelo lazer, pela repreensão e pelo elogio, dando-lhe condições de ter uma educação a mais completa possível.

522 Lei n. 6.515/1977. Art. 15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-

los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Disponível em: <http:// www.senado.gov.br> Acesso em: 16 mar. 2009.

523 Lei n. 10.406/2002. Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá

visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

524 MADALENO, Rolf. Direito de Família em pauta. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 85. 525 CARBONERA, 2001, p. 85-86.

Conforme BOSCHI526 a visita é o direito que as pessoas unidas por laços de

afetividade têm de manter a convivência, quando esta for rompida; ou ainda, um direito-dever dos pais que não têm a guarda da prole, de manter a convivência e os laços afetivos com seu filho, no interesse deste. Logo, no entendimento desse autor o direito de visita encontra-se centrado nos laços de afeto que unem pais e filhos, mas que poderão sofrer dilaceramento, caso não se mantenha a convivência entre eles.

Por conseguinte, falar em visita acarreta reconhecer a soberania constitucional de crianças e adolescentes serem visitadas, porquanto, conforme já exposto, é direito basilar na organização social dos filhos serem criados por seus pais, como direito fundamental. E, na situação de estarem os genitores separados pelas contingências das relações afetivas que se desfazem pelos mais variados motivos, jamais podem os pais permitir restem seus filhos privados da sua presença, ainda que em menor quantidade, mas compensando ao oportunizarem maior qualidade527.

Já se expôs que a convivência de crianças e adolescentes com a sua família é um direito consagrado pelo artigo 227 da Constituição da República de 1988, com absoluta prioridade, além de ser considerado como direito fundamental dos filhos, matéria prima indispensável para a construção da personalidade desses seres em desenvolvimento.

O regime de visitas pode ser classificado em três modalidades distintas. O primeiro modelo é da visitação livre528, desprovido de regras, onde não são

estipulados nem dias, nem horários para os encontros entre o não guardião e seus filhos. Esse modelo pressupõe uma convivência harmônica entre os pais e melhor se adapta, no caso de filhos adolescentes, que como é sabido, têm compromissos inerentes a sua faixa etária, além de se encontrarem em progressiva independência em relação aos pais. A crítica que se faz a esse modelo é que existindo conflito entre os pais poderia gerar o afastamento gradativo do não guardião, além de ser

526 BOSCHI, 2006, p. 35. 527 MADALENO, 2004, p. 85. 528 LAURIA, 2003, p. 84.

impossível a caracterização do seu descumprimento diante da ausência de regras expressas.

De acordo com BRUNO529, esse modelo pode apresentar problemas, tais

como: sensação de desamparo para os filhos, produto da instabilidade que pode vir a permear a relação com o não guardião; comportamentos agressivos, inseguros ou queixosos dos filhos quando no início ou fim da visita e por fim, pouco ou nenhum contato com o não guardião, diante da inexistência de previsão de um esquema de visitas.

A segunda modalidade se refere a visitação extremamente regulada530, onde

as regras são previamente fixadas e seu cumprimento é bastante rígido, não admitindo qualquer flexibilização. Esse modelo é passível de crítica diante da possibilidade de transtornos gerados pela rigidez, podendo também ocasionar o afastamento daquele que não detém a guarda.

Por fim, se apresenta a visitação mínima, que consiste em visitas em finais de semanas alternados. Observa-se que este modelo é o mais utilizado quando da concessão da guarda unilateral, mas também não atende totalmente o ideal de se manter incólume os laços afetivos entre pais e filhos.

LEVY531 aponta que não há uma posição unânime sobre qual o sistema mais

adequado a ser adotado. Para alguns, a falta de dias preestabelecidos acaba por gerar falta de rotina na vida dos filhos, podendo ocasionar insegurança. Outros defendem a livre visitação como meio de não barrar ou limitar o contato paterno-filial. Na verdade, o ideal é que o contato entre pais e filhos seja regular e flexível e que ambos procurem manter os laços afetivos e uma razoável cumplicidade entre si.

Observa-se que o afeto é ponto essencial fundamentar o direito de visita, já que na lição de BOSCHI532 não se mostram suficientes apenas os laços familiares

consangüíneos, uma vez que não é incomum o desamor entre pessoas de uma

529 BRUNO, 2003, p. 314. 530 LAURIA, 2003, p. 85. 531 LEVY, 2008, p. 90. 532 BOSCHI, 2006, p. 33.

mesma família, nem é motivo de espanto, hodiernamente, dizer que determinados pais não nutrem qualquer amor pelos seus filhos. Assim, é notório que para uma completa funcionalização do instituto se mostra essencial a participação do elemento afetivo.

E para ratificar esse pensamento colaciona-se a lição de BADINTER533 que

sustenta ser o amor materno adquirido ao longo dos dias passados ao lado do filho e, portanto, não pode ser considerado inato. Prossegue a autora registrando ser possível que a ausência do ser amado estimule os sentimentos, mas ainda assim é necessário que estes tenham existido previamente, e que a separação não se prolongue demasiadamente. Todos sabem, afirma a autora, que o amor não se exprime a todo o momento, e que pode perdurar em estado latente, todavia, não cuidado, ele pode debilitar ao ponto de desaparecer.

Assim, com base no ensinamento da autora citada, se não ocorrer uma preocupação dos pais em promover o convívio diuturno com seus filhos, não se mostra suficiente o vínculo sanguíneo como sustentação da relação dos genitores com a prole. E, dessa forma, a ausência de afeto pode gerar o afastamento, o que vai contrariar o princípio da dignidade humana e o melhor interesse de crianças e adolescentes.

Mais uma vez se recorre a BOSCHI534 para compreender o conteúdo do direito

de visita. E nesse sentido o autor aponta que a visita é um meio para se manter uma convivência preexistente, fundada em laços afetivos profundos e positivos que se romperam, visando conservar intactas as relações pessoais e os sentimentos, de forma a atender o interesse das partes envolvidas e, principalmente dos filhos, enquanto pessoas em desenvolvimento. O que se procura através do exercício do direito de visita, de acordo com o autor, é evitar o distanciamento de pessoas que compartilham sentimentos e emoções recíprocas, procurando minimizar os traumas que a perda da convivência poderia causar.

533 BADINTER, Elisabeth. Um amor conquistado: O mito do amor materno. Trad. de Waltensir

Dutra. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985, p. 14-15.

E nesse sentido é que se observa a jurisprudência, onde os tribunais têm procurado tornar a regulamentação da visita entre os pais e seus filhos mais ampla e genérica, no ideal de estreitar as relações entre o não guardião e sua prole.