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Nas investigações sociológicas sobre a relação escola-família expostas no ponto anterior, é visível que os termos envolvimento parental e participação parental têm sido empregues por autores diferentes para designar o mesmo tipo de atividades realizadas pelas famílias nas escolas ou na gestão dos percursos escolares dos educandos. Além disso, Desforges e Abouchaar (2003) chamaram a atenção para o facto de muitas das tipologias terem sido construídas a partir da realidade escolar dos Estados Unidos da América durante a década de noventa, havendo a necessidade de as readaptar aos diferentes contextos educacionais, nacionais e locais, e às mudanças que se verificaram sobretudo a partir dessa década. A investigação portuguesa tem contribuído com várias readaptações ao contexto nacional, as quais foram apresentadas no ponto anterior, e para as quais pretendemos contribuir.

A “relação escola-família” é um conceito suficientemente alargado que permite incluir todas as atividades familiares em torno da educação que, por esse mesmo motivo, necessita de maior clarificação. As famílias podem relacionar-se com a educação e o

estabelecimento escolar de diversos modos, desde o acompanhamento que dão ao aluno em casa, gerindo as suas expectativas de futuro, passando pelo processo de comunicação com os professores nas reuniões de pais ou através da caderneta, telefone ou email, até à presença no espaço escolar para participar em eventos ou para representar as famílias em órgãos escolares ou através da associação de pais. Com um espectro tão alargado de atividades parentais que se podem considerar parte integrante da relação escola-família, e depois da utilização indiscriminada dos termos de envolvimento e de participação pela política, sociedade civil e mesmo pela ciência, é essencial clarificá-los para cumprir os objetivos deste estudo.

Pedro Silva apresenta a relação entre professores e famílias como sendo caracterizada por uma dupla díade, em que uma vertente do lar se opõe a uma vertente da escola, e uma dimensão de atuação individual a uma dimensão de atuação coletiva (Silva, 2010). No âmbito deste trabalho acrescenta-se uma nova oposição, que se revela importante no contexto do processo de (re)distribuição das responsabilidades decorrentes dos novos modos de regulação partilhada da educação (Barroso, 2005).

O conceito de relação escola-família decompõe-se em duas dimensões, uma de atuação individual e a outra de atuação coletiva. A figura 2.1 ilustra essa decomposição e as subdecomposições de cada uma dessas dimensões de atuação, constituindo quatro tipos de relacionamento possíveis entre professores e famílias.

Figura 2.1 - A decomposição do conceito "relação escola-família": os quatro tipos

Fontes: Davies, Marques e Silva, 1997, Epstein, 2010; Silva, 2007, 2010

A primeira oposição distingue entre modos de atuação das famílias guiados por diferentes agendas. A proposta de Davies (1989) sugere que o termo “envolvimento” seja definido como o modo de atuação individual dos pais ou encarregados de educação ao agir

Relação escola- família Atuação individual "Envolvimento" Espaço familiar Espaço escolar Atuação coletiva "Participação" Carácter informal Carácter formal

em benefício único dos seus educandos. “Participação” refere-se ao modo de atuação coletivo, através do qual as famílias participam na vida escolar em prol de todos os alunos e/ou famílias da escola ou de uma turma (Davies, Marques e Silva, 1997; Silva, 2007).

O envolvimento parental pode ser realizado no “espaço familiar” (Silva, 2007), quando as famílias orientam os educandos no estudo (nos trabalhos de casa, no estudo diário, conferindo datas dos testes, por exemplo), e gerem as suas expectativas de futuro e o seu percurso escolar, equivalentes às atividades de Parenting e Learning at home, de Joyce Epstein (2009, 2010); e no “espaço escolar” (Silva, 2007) ao promover um processo de comunicação regular com os professores, nas reuniões de pais, horários de atendimento ou através de email, telefone ou caderneta do aluno, o Communicating ou envolvimento “institucional” (Epstein, 2009, 2010).

Na participação parental, falamos de atividades que se realizam sempre no espaço escolar, as quais podem ter um “carácter informal”, quando as famílias participam na organização ou simplesmente aderindo a atividades escolares como festas, ações de formação, peças de teatro, ações de solidariedade social, visitas a aulas, entre muitas outras. A participação assume um “carácter formal” quando inclui os processos de tomada de decisão na vida da escola, através da associação de pais, da representação das famílias nos conselhos de turma e no conselho geral ou na assembleia geral de pais. O primeiro tipo equivale ao volunteering activities e ao collaborating with the community at large, e o segundo ao decision making de Eptsein (2009, 2010).

Resumindo, o primeiro dos quatro tipos que se propõem é o envolvimento parental no espaço familiar (EP familiar), designado por capital cultural por Lareau (1987), onde se incluem as relações que se estabelecem entre as famílias e os alunos (Silva, 2003) essenciais para que o capital social da família seja transmitido e possa ser mobilizado pelos alunos (Coleman, 1988). Este tipo é constituído pela: a) formação moral e comportamental, orientada para a assiduidade e pontualidade e para o desenvolvimento de um comportamento escolar e pessoal direcionado para uma aprendizagem de maior sucesso; b) organização das atividades escolares em casa, nomeadamente, do horário de estudo, controlo das datas de testes e realização dos trabalhos de casa; c) monitorização e orientação das opções relativas ao percurso escolar, como a escolha da escola, da área de estudos, da modalidade de ensino e do prosseguimento dos estudos; d) realização de atividades familiares em grupo, como a leitura, atividades culturais e conversas diárias sobre a vida das crianças ou jovens.

O envolvimento parental no espaço escolar (EP escolar), é definido pelo processo de comunicação que se estabelece entre as famílias e a escola para troca de informações sobre a vida escolar e familiar do aluno. Este processo de comunicação inclui: a) contactos entre o encarregado de educação e o professor titular ou diretor de turma, por este ser

considerado o elo de ligação entre a escola e a casa (Gonçalves, 2012; Sá, 2004; Zenhas, 2004), através de reuniões individuais ou coletivas presenciais e outras formas de contacto não presencial; b) e entre as famílias e a escola, através de plataformas online ou outras formas de contacto.

O terceiro tipo é a participação parental de carácter informal (PP informal), assim designado por incluir todas as atividades organizadas pela escola, nas quais as famílias podem participar e/ou ajudar a organizar: a) eventos festivos, lúdicos ou culturais, b) workshops, debates e formação parental, c) ajudar a escola com sugestões de melhoria para a escola ou turma e d) eventos de solidariedade para com a comunidade escolar, direcionados para alunos carenciados ou para captação de recursos e material necessário à escola, ou para com a comunidade externa.

Por último, a participação parental de carácter formal (PP formal), definida como a influência ou a participação das famílias na gestão escolar ou de turma, usualmente designada por “voz” das famílias nas escolas (Hirschman, 1970; OCDE, 2010) através: a) das associações de pais, b) das assembleias gerais de pais; c) dos representantes de pais e encarregados de educação eleitos para os conselhos gerais das escolas, e d) para os conselhos de turma.

Esta construção do conceito permite a inclusão de todos os possíveis modos de relacionamento que se podem gerar entre a escola e a família. A necessidade de assim definir relação escola-família deve-se ao objetivo principal de responder se aqueles atores estão motivados e capacitados para desempenhar os papéis relativos aos quatro tipos de relacionamento, tal como definidos no enquadramento nacional que é o sistema educativo português.

Os quatro tipos de relação escola-família vão ser analisados neste trabalho tendo em conta as relações que se estabelecem entre professores e pais, ou seja, não vão ser descritas as ações que as famílias desenvolvem ou não, mas as ações que são realizadas em conjunto pelos atores ou por influência de uns sobre os outros, explicando as motivações para agir em conjunto, e identificando limitações percecionadas pelos atores em cada um dos quatro tipos.

A relação escola-família é, também, uma relação entre culturas (Silva, 2003). Uma escolar geralmente caracterizada por ser letrada, urbana e de classe média (Bourdieu, 1970; Lareau, 1989; Silva, 2003), e a cultura familiar que pode ser coincidente com a primeira ou não. Essa relação entre culturas, a escolar e a familiar, pode dar origem a situações de continuidade cultural e social quando são próximas, e a situações de distância ou de conflito em escolas com contextos escolares e familiares que sejam mais distantes da cultura escolar (Silva, 2003; Silva, 2007).

Nos modos de relacionamento entre escolas e famílias existe uma “multiplicidade de atores” (Silva, 2006), entre os quais se inclui o aluno. Nas discussões e nas investigações, este é um ator social ativo muitas vezes ignorado (Sarmento, 2005) e pouco ouvido (Silva, 2006), mas que assume particular importância na relação escola-família por duas ordens de razões. A primeira porque assume, bastantes vezes, o papel de meio de circulação de informação entre os dois espaços (Perrenoud, 1987; Sarmento, 2005). Em segundo, porque o modo como as famílias se envolvem nos percursos escolares ou participam nas escolas dos seus educandos é influenciado pela forma como os alunos se apropriam das aprendizagens para o sucesso escolar (Benavente, 1993) e pelos seus resultados escolares e comportamentos no espaço escolar (Gonçalves, 2012).

O contexto organizacional, especificamente as perceções dos líderes escolares sobre o papel dos professores e das famílias (Brown e Duku, 2008; Silva, 2004) e o contexto relacional decorrente da relação que as famílias constroem com a escola e vice-versa, também podem exercer influência sobre os modos de relacionamento de diretores de turma e encarregados de educação (Bowles e Gintis, 1976; Perrenoud e Montadon, 1988; Shouse, 1997).

Em resumo, a relação escola-família é aqui definida como as dinâmicas estabelecidas entre professores e famílias nos quatro tipos de relacionamento, que ocorrem num enquadramento nacional e escolar específicos, e que também podem ser influenciadas pelos contextos relacionais estabelecidos entre escolas e famílias, pelos respetivos contextos socioeconómicos e pelos percursos escolares dos educandos. O objetivo é explicar as dinâmicas que se estabelecem entre os atores e identificar perfis de relação escola-família tendo em conta diferentes unidades escolares e familiares e os respetivos contextos socioeconómicos, organizacionais e relacionais e os percursos escolares dos alunos/educandos.

Ao longo da investigação, os termos “escola” e “família” assumem significados diferentes de acordo com as escalas análise. Na macro, quer na análise comparada, quer na análise da evolução da relação escola-família no sistema educativo português, o termo “escola” refere-se às unidades orgânicas escolares que se devem reger de acordo com os documentos legais produzidos no contexto da política educativa portuguesa. Relativamente à escala meso, o termo passará a referir-se às unidades escolares e respetivas estratégias de incentivo ou implementação da relação escola-família, traçadas a partir dos discursos dos seus líderes (diretores de escola) e dos documentos orientadores (projeto educativo e regulamento interno), ao passo que na análise micro, “escola” refere-se aos diretores de turma.

Quanto ao termo “família”, e na primeira parte da investigação, o significado é mais alargado, incluindo todos os elementos familiares que podem desenvolver algum tipo de

atividade com os professores e junto dos estabelecimentos escolares. Ao longo da análise meso, “família” serão os representantes dos pais ou encarregados de educação que fazem parte da direção da associação de pais ou que desempenham o papel de representantes no conselho geral, o órgão de gestão estratégica da escola, onde são prestadas contas sobre os processos e resultados escolares à comunidade, e os seus representados. Na análise micro, “família” significa os encarregados de educação, sejam ou não seus representantes nos conselhos de turma.