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CAPÍTULO VI – Dinâmicas escola-família ao nível estratégico

6.4. Uma possível explicação para as dinâmicas escola-família ao nível meso

No quadro 6.5 resumem-se as orientações escolares, os perfis de AP e de modos de atuação dos RPEE nos CG identificados ao longo deste capítulo.

Observando em primeiro lugar as orientações escolares (que se encontram esquematizadas no Anexo F é possível identificar semelhanças e diferenças entre as escolas. As escolas da Serra e do Concelho formam um primeiro grupo em que se verifica uma maior preocupação com o incentivo às dinâmicas entre professores e famílias no que respeita ao EP, quer no espaço familiar quer no escolar, e à PP de carácter formal (a nível meso na primeira e meso e micro na segunda). Um segundo conjunto constituído pelas escolas Cidade e dos Bairros, onde as orientações escolares focam o EP no espaço escolar, apesar de na última se identificar preocupação quanto ao EP familiar direcionado para alunos de famílias de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos. O último grupo, das escolas Nova e Grande, em que grande parte das frequências assinaladas estão relacionadas com o EP escolar e com a PP de carácter formal, ao nível micro e meso na

Nova e apenas meso e com destaque para a colaboração com a AP no caso da escola Grande. A escola da Cidade é a que menos orientações apresenta em todos os tipos de relação escola-família, talvez porque na altura da entrevista ao respetivo diretor a escola estava numa fase de transição por via da reforma do anterior DE e o assumir do cargo por parte do vice-diretor de forma temporária. Enquanto na escola Grande, a relação escola- família é mais trabalhada nos primeiros ciclos de escolaridade menores (jardim-de-infância e 1º ciclo).

Quadro 6.5 – Resumo das dinâmicas escola-família ao nível meso

Escolas Orientações escolares Perfis de atuação das AP Perfis de atuação dos RPEE

Serra EP; PP formal Dinamizadora de atividades extra

Não participação

Cidade EP escolar Stakeholder / Dinamizadora

de atividades extra

Não foi feita observação no CG

Concelho EP; PP formal Stakeholder / Dinamizadora

de atividades extra

Não participação

Nova EP escolar; PP formal Stakeholder Representantes com limitação

Bairros EP escolar Não tem AP Pares

Grande EP escolar; PP formal Dinamizador de atividades extra

Pares

Relativamente ao EP familiar, as orientações definidas pelas escolas da Serra e do Concelho vão além das recomendações da legislação portuguesa, ao procurar mobilizar os professores para auxiliar as famílias a desenvolver o acompanhamento ao aluno que a direção escolar considera como o mais adequado. Enquanto as restantes assumem responsabilidade por orientar apenas as famílias das classes mais desfavorecidas (Bairros), cujos alunos estão matriculados em ciclos de escolaridade mais baixa (Grande), ou colaborar com as famílias no que respeita ao cumprimento do regulamento interno e do estatuto do aluno em vigor e ao trabalho relativo ao plano individual do aluno (Cidade), com o principal objetivo de melhorar o ambiente escolar e diminuir os conflitos entre escola e família (Nova e Grande).

Estas diferenças sugerem que é nas escolas onde o corpo discente tem origem em famílias de estratos sociais mais desfavoráveis e um desempenho escolar mais fraco que são definidas orientações para que os professores ajudem os pais e EE no acompanhamento escolar e pessoal dos alunos no espaço familiar.

Todas as escolas se apropriaram da orientação de considerar o diretor de turma a principal figura de ligação entre a escola e a casa com o objetivo de manter uma

comunicação regular através das reuniões de pais, do atendimento semanal, da caderneta do aluno, telefonemas ou emails, uma das orientações nacionais mais antigas no que respeita ao EP escolar (Decreto-Lei nº 211-B/86, de 21 de Julho). Como orientações escolares que acrescentem algo às nacionais para este tipo de relação escola-família verificam-se três. Na escola do Concelho, em que os professores devem preocupar-se em comunicar com as famílias com um discurso positivo através do qual se construa confiança e abertura. Um segundo exemplo na escola Nova onde as reuniões de pais são marcadas de forma a possibilitar aos EE a implementação de estratégias adequadas de acordo com a avaliação dos alunos, sem orientar as famílias na definição e aplicação das mesmas. O terceiro na escola dos Bairros onde o gabinete de apoio à família e ao aluno é um incentivo à presença das famílias no espaço físico da escola, sobretudo no caso das que precisam de maior apoio seja para assuntos escolares seja para outros de carácter mais pessoal. Nas orientações das três escolas é possível identificar aspetos distintivos de cada uma. Na primeira o sentido de comunidade presente nos discursos do respetivo DE e do presidente da AP e nos documentos orientadores que refletem como a escola é importante numa comunidade de pequenas dimensões. Uma relação mais distante com papéis de professores e de EE bem separados, mas que se pretendem coerentes no que respeita a atividades escolares, no caso da escola Nova. Enquanto na escola dos Bairros, as orientações para o EP escolar que vão além das nacionais se direcionam apenas às famílias mais desfavorecidas.

Como vimos no capítulo V não existem grandes orientações nacionais relativamente à PP de carácter informal, a não ser o pedido de que as famílias estejam disponíveis para o que a escola precisar. As seis unidades escolares tentam incentivar essa participação das famílias com objetivos distintos: aumentar a possibilidade de captação de recursos e de resolução problemas na escola da Cidade ou de aproximar as famílias da realidade escolar e da vida dos alunos nas restantes escolas.

Finalmente, nas orientações escolares para a PP de carácter formal, são as escolas do Concelho e Nova que se destacam por apostarem em todas as estruturas representativas de pais e EE – AP e RPEE no conselho geral e de turma. Na escola do Concelho a responsabilidade é da própria direção escolar que definiu um plano de forma a que os RPEE sejam devidamente eleitos e cumpram as suas funções de representantes das outras famílias e de parceiros das escolas. Orientações que são consistentes com o sentido de comunidade que se encontra exposto nos documentos orientadores e nos discursos dos respetivos atores. Enquanto na escola Nova, é a AP que se encarrega da orientação dos RPEE nos conselhos de turma e da escolha das pessoas que considera mais capazes de desempenhar as funções necessárias no CG.

Através da análise às atuações das famílias ao nível estratégico conclui-se que são os pais e EE da escola Nova que mais se apropriaram das estruturas disponíveis para a sua participação formal nas escolas: AP e, por intermédio desta, no CG onde os RPEE assumem um papel mais próximo do regulador, e no conselho de turma. Nas restantes escolas, os elementos da AP e os RPEE no conselho geral assumem papéis mais próximos de pares (Cidade, Bairros e Grande) ou atuações passivas (Serra e Concelho).

As seis escolas referem que a AP é importante na relação escola-família, mas em poucas vemos uma parceria efetiva entre essa estrutura e a escola. Na escola dos Bairros, a AP está inativa, apesar de legalmente constituída e registada na CONFAP, por falta de adesão dos pais e EE a essa estrutura representativa. Nas escolas da Serra, da Cidade e do Concelho as AP não têm grande adesão por parte das famílias ao nível do número de associados ou em momentos que seriam cruciais como nas assembleias de pais, por exemplo. Apenas na escola Nova e Grande se observa uma parceria efetiva entre as escolas e as AP, embora dirigida apenas às famílias dos alunos do jardim-de-infância e do 1º ciclo no caso da última.

A DE da escola dos Bairros afirmou que esta questão do afastamento dos pais e EE que não desempenham papéis concretos nas estruturas formais das escolas dificulta o trabalho dos seus representantes e das AP, revelando uma das grandes limitações à regulação da educação partilhada entre governo central e comunidades locais, aqui especificamente no caso das famílias dos alunos:

“Esse processo de representação é um processo complexo, porque mesmo quando um EE tem um grau de responsabilidade e um grau cultural que lhe permite ver que está a representar os EE, é difícil pôr toda essa máquina a funcionar. E conseguir, em primeiro lugar, que os outros EE, participem nesse processo de representação. Porque num processo de representação não é só o que representa que tem responsabilidades, os que são representados também têm responsabilidades. Logo, se houvesse digamos uma cultura já desenvolvida, é possível que os representantes dos pais, seja os representantes nas turmas, seja os representantes no CG, conseguissem trazer mais das propostas, das ideias, do sentido, portanto dos pais. Ao longo de muitos anos verifiquei que houve da parte dos representantes dos pais, às vezes muito boas vontades, e queixavam-se da falta de colaboração dos seus parceiros. Portanto, é um aspeto de uma representação complicada. Isso tem a ver, do meu ponto de vista claro, com a cultura, com o grau de democracia que o nosso país ainda detém, ainda em aprendizagem, portanto, isto é um aspeto muito forte da democracia do país e do grau de responsabilidade do país, etc” (DE_Bairros).

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Em conclusão, os resultados apresentados neste capítulo sugerem que a definição das orientações escolares para o EP no espaço familiar é influenciado pelos contextos familiares

e desempenhos escolares. Nas escolas onde esses contextos são mais desfavorecidos, as orientações estratégicas são para que os professores colaborem com as famílias no acompanhamento ao desenvolvimento escolar e pessoal do aluno. Enquanto nas escolas com contextos familiares e educativos mais favorecidos, as orientações focam a colaboração entre professores e EE no que respeita apenas às atividades e percursos escolares.

Relativamente ao EP escolar e à PP informal não se registam diferenças acentuadas entre as escolas. Todas seguem as orientações nacionais quanto a estes tipos de relação escola-família, sendo as únicas diferenças as justificações utilizadas por cada escola para as ações que desenvolvem. Entre as escolas localizadas em comunidades do interior semi urbano do país, como é o caso das escolas da Serra e do Concelho, os líderes escolares mencionam a necessidade de incentivar a ligação à comunidade local e da proximidade das famílias aos seus educandos na sua totalidade, enquanto nas outras escolas o discurso foca apenas a tentativa de incentivar uma relação mais próxima dos pais e EE aos percursos escolares dos alunos.

Contrariamente ao que sucede nos outros tipos de relação escola-família, as orientações das escolas para a PP de carácter formal não parece ser influenciada pelos contextos familiares e de desempenho escolar. Neste caso, são as apropriações que os líderes escolares fazem das orientações nacionais que dão origem a opções estratégicas diferenciadas. Nas escolas da Serra, da Cidade, dos Bairros e Grande, as direções escolares incentivam a participação formal das famílias embora não intervindo nas suas atuações. Ao contrário do que se verificou nas escolas do Concelho e Nova, onde os líderes consideraram que seria necessário colaborar com os representantes das famílias (AP e RPEE nos conselhos gerais e de turma) no sentido de os ajudar a desempenhar as suas funções corretamente. A única diferença entre estas escolas é que na do Concelho a direção escolar assumiu a responsabilidade sobre esse projeto, enquanto na escola Nova a direção passou essa tarefa à AP que a tem vindo a implementar.

As diferentes escolas assumem posturas diferentes na mobilização das famílias. Nas escolas da Cidade, dos Bairros e Grande, os respetivos líderes executam as orientações nacionais para a relação escola-família sem criar mecanismos de incentivo de envolvimento dos EE na vida escolar do educando e de participação na gestão da escola e turma. Estes são estilos de liderança de carácter burocrático e “implementativo”. Nas escolas da Serra e do Concelho, verificam-se algumas orientações para promoção da (co)responsabilização de professores e de EE sobre o processo ensino-aprendizagem. Na escola do Concelho foram definidas orientações para mobilizar as famílias para a participação de carácter formal que consideram mais adequada. Se por um lado isso significa que não estão apenas a implementar as orientações nacionais, por outro acabam por influenciar a forma como as

famílias participam. O incentivo à participação formal considerada adequada das famílias também se verifica na escola Nova. Porém, esse incentivo foi totalmente entregue à AP, deixando a direção escolar de estar diretamente implicada. Apesar das limitações mencionadas para cada uma, as direções escolares das escolas do Concelho e Nova apresentam uma postura mais próxima de “colegial” através da definição de orientações escolares, para um ou mais tipos de relação escola-família, que tentam mobilizar as famílias para um envolvimento e/ou participação mais forte.

A escola Nova é aquela onde as atuações das famílias, mais especificamente dos seus representantes – AP e RPEE no conselho geral – se revelam mais próximas de uma ação de clientes internos. Os membros da AP assumem a responsabilidade de participar nos processos de melhoria da escola e inclusive tentam incutir essa mesma responsabilidade aos outros pais e EE, quer aos representantes quer aos representados. A questão da representação é algo que consideram essencial pelo que só selecionam elementos que tenham as competências necessárias (técnicas e pessoais) para uma participação eficaz nos CG. Além disso, também implementam modos de comunicação regular com todas as famílias dos alunos, seja através da própria AP seja através dos pais RPEE das turmas, com o objetivo de recolher opiniões antes e de fornecer os resumos após a realização dos conselhos gerais e de turma.

Nas escolas cujos contextos socioeconómicos são maioritariamente de classe média, como é o caso da Cidade e Grande, os representantes das famílias ao nível estratégico das escolas também exercem uma função reguladora através de uma postura mais colaborativa ou de parceria com as escolas. No entanto, essa relação mais colaborativa com a escola não é acompanhada de uma proximidade com as restantes famílias que representam.

Nas escolas da Serra e do Concelho, caracterizadas por contextos socioeconómicos e de desempenho escolar mais desfavorecidos, a atuação das famílias ao nível estratégico é de suporte à escola e professores e/ou de apoio às famílias e comunidade local. Os representantes destas escolas, quer a AP quer os RPEE nos conselhos gerais, não exercem funções reguladoras porque aceitam as propostas dos professores sem tecer comentários.

Ao longo da análise às atuações das AP e dos RPEE nos CG foram incluídos indicadores relativos à aceitação por parte das escolas desses elementos externos. Isso permitiu verificar que nas escolas onde as famílias desempenham funções de regulação se registam tentativas da parte dos professores de limitar a ação dos representantes das famílias, sobretudo quando estes apresentam posturas de “acionistas” e de maior controlo sobre a escola. É o caso da escola Nova. Nas outras, os professores incentivam a participação dos representantes em todos os assuntos, com algum sucesso nas escolas onde esses elementos funcionam como pares (Cidade, Bairros e Grande) ou sem sucesso

onde não conseguem assumir posturas de parceria ou de “acionistas” nas escolas (Serra e Concelho).

Tendo em conta os resultados obtidos nas seis escolas, é possível verificar o afastamento das famílias das suas estruturas ou elementos representativos, independentemente dos seus contextos socioeconómicos ou de desempenho escolar. Todos os DE e presidentes das AP referem a falta de adesão das famílias às associações, a não comparência nas assembleias gerais de pais e a dificuldade que os RPEE sentem ao não receber informações dos seus representados.

Estes resultados confirmam as conclusões que foram retiradas a partir do posicionamento do sistema educativo português no índice de relação escola-família (capítulo IV) relativamente ao baixo nível de confiança e de participação das populações colocar em causa o processo de regulação partilhada da educação. Como vimos, a relação escola-família baseia-se no processo de comunicação e nas dinâmicas que se estabelecem entre professores e EE relativamente aos educandos numa lógica de atuação individual. As fracas relações entre famílias, entre estas e as suas estruturas representativas e com as escolas, demonstram como o capital social nas dinâmicas da relação escola-família é baixo e uma expressão do baixo capital social da sociedade portuguesa.