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Conceito de restrição a direitos fundamentais

No documento victorlunavidal (páginas 72-76)

Indicado o sentido captado pela noção de restrição de direitos fundamentais, passa-se ao exame do seu conceito.

Sob a perspectiva da legalidade, incumbe ao legislador o dever de conformar os direitos fundamentais. Nesse sentido, a responsabilidade da atuação parlamentar é de elevada importância, visto que ela possibilita a concretização dos comandos constitucionais, dotando- os de significado e de exequibilidade. Tal tarefa apresenta relativa discricionariedade, estando limitada pelos próprios parâmetros constitucionais, especialmente representados pelo núcleo dos direitos essencial dos direitos (SAMPAIO, 2013, p. 102).

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Pode-se tratar de uma dupla tarefa desempenhada legislativamente: uma delas relaciona-se ao estabelecimento de limites aos direitos fundamentais por intermédio de “constrições, exceções ou privações ao seu exercício” (SAMPAIO, 2013, p. 100) derivadas de previsão constitucional; a outra refere-se à possibilidade de conferir conteúdo aos direitos por meio do detalhamento das suas formas de exercício (SAMPAIO, 2013, p. 100).

Como o presente trabalho tem a teoria dos princípios como parâmetro para o estudo dos direitos fundamentais, a dupla tarefa de delimitação legislativa corresponde a um único conjunto de restrições aos direitos fundamentais. Conforme Silva (2006, p. 24-25), na medida em que a diferenciação entre regras e princípios de direitos fundamentais pressupõe a existência de um suporte fático amplo, alguns parâmetros de discussão devem ser observados. Primeiramente, a esfera de proteção dos direitos fundamentais deve ser interpretada de forma ampla, o que quer dizer “que qualquer ação, fato, estado ou posição jurídica que, isoladamente considerado, possa ser subsumido no ‘âmbito temático’ de um direito fundamental, deve ser considerado como por ele prima facie’ protegido”. Em segundo lugar, implica o reconhecimento de que o conceito de intervenção em matéria de direitos fundamentais integra a noção de suporte fático. Por corresponder a um modelo de suporte fático amplo, a ideia de intervenção também deve ser analisada sob uma perspectiva ampla, o que implica o afastamento de teorias que sustentam que a tarefa de mera regulamentação dos direitos fundamentais não significa o estabelecimento de restrições. Assim, quaisquer formas de regulamentação ou regulação dos direitos devem ser interpretadas como atividades de restrição.

De modo diverso, Mendes e Branco (2013, p. 195) tratam das atividades de restrição e de conformação dos direitos fundamentais como institutos autônomos.. Assim, enquanto determinadas normas “permitem limitar ou restringir posições abrangidas pelo âmbito de proteção de determinados direitos fundamentais” (MENDES; BRANCO, 2013, p. 194), outras são destinadas a “a completar, densificar e concretizar o direito” (MENDES; BRANCO, 2013, p. 195). No mesmo sentido, Sampaio (2013, p. 103) enfatiza que “A norma conformadora do direito fundamental o configura, já a limitação do direito, por seu turno, existe pela necessidade de atuação legiferante que visa proteger bens jurídicos de igual valor”.

Registre-se que, pela adoção do posicionamento de Silva (2006, p. 24-26), não se pretende afirmar que tais distinções apenas têm repercussão nas searas conceitual e

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terminológica. Conforme observa Silva (2006, p. 24-26), uma consequência da adoção do modelo em que não são reconhecidas distinções entre restrição e conformação “é a constatação de que, muitas vezes, restrições a direitos fundamentais são levadas a cabo sem que isso seja reconhecido nesses termos”, correspondendo a uma atividade essencialmente restritiva.

Duas afirmações sintetizam o pensamento acima: a) ou se efetiva, de modo prévio, a negação de proteção a determinada posição jurídica que deveria ter sido objeto de proteção pelo ordenamento jurídico; ou (b) embora tal posição jurídica seja considerada como tutelada por um direito fundamental, eventual restrição à proteção do direito pode ser identificada pela via da regulamentação do seu exercício (SILVA, 2006, p. 24-26).

Dado que tais atividades resultam na restrição dos direitos, elas demandam a fundamentação dos Poderes Públicos. Ao se ampliar a esfera de proteção dos direitos fundamentais, tem-se como consequência a consideração de que qualquer tentativa de regulamentação dos direitos acarreta a restrição dos mesmos, o que, por seu turno, atrai um ônus argumentativo para aquele que promova tal conduta (SILVA, 2006, p. 24).

Identificado o sentido atribuído ao conceito de restrição por este trabalho, passa-se à definição de Alexy (2011, p. 281), que sustenta que “Restringíveis são os bens protegidos por direitos fundamentais (liberdade/situações/posições de direito ordinário) e as posições prima facie por princípios de direitos fundamentais” (2011, p. 281). Como comandos prima facie, os princípios guardam o nível de proteção mais amplo possível dos bens jurídicos tutelados. A proposta de Alexy (2011, p. 284-285) é veiculada de acordo com a relação estabelecida entre as normas dos direitos fundamentais. Desse modo, as restrições a direitos fundamentais correspondem a normas que restringem posições prima facie dos direitos fundamentais (ALEXY, 2011, p. 284-285).

Sendo as restrições vinculadas às normas de direitos fundamentais, as normas infraconstitucionais somente podem estabelecer restrições a tais direitos caso sejam compatíveis com o texto constitucional5.

5 Sampaio (2013, p. 105) destaca que é comum a distinção na doutrina entre os termos “restrições” e “limites”. Desse modo, o autor explica que “É de Jorge Reis Novais a distinção, partindo da diferença etimológica entre os conceitos, a separação deles, quando registra que “restrição” deriva do latim restringere e significa supressão ou diminuição de algo, enquanto “limite” advém do latim limitare ou delimitare referindo-se a fronteira. Dessa forma, enquanto restrição traduz a ideia de intervenção

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Para compreender como são efetivadas as restrições a direitos fundamentais, é preciso analisar as diversas espécies normativas presentes no ordenamento jurídico. Destaca- se a distinção entre normas de competência dirigidas à atuação estatal e normas voltadas ao estabelecimento de mandamentos e proibições aos cidadãos. As principais normas de competências são aquelas cuja previsão estabelece reservas legais no âmbito constitucional. Tais normas autorizam diretamente o legislador a promover restrições aos direitos fundamentais. De modo distinto, as normas referentes a competências constitucionais indiretas, como aquelas que autorizam o Poder Legislativo a editar decretos ou atos administrativos, não estabelecem restrições, mas apenas embasam a restringibilidade dos direitos fundamentais (ALEXY, 2011, p. 286).

Além de normas definidoras de competências, Alexy (2011, p. 282-283) também estuda as normas que estabelecem mandamentos e proibições aos cidadãos. Para tanto, inicia sua análise com regras que indicam restrições. A regra que impõe restrições a direitos fundamentais é aquela que, enquanto vigente, em vez de autorizar liberdade ou direitos fundamentais prima facie, resulta na previsão de uma não-liberdade ou um não-direito de modo definitivo. Como exemplo, Alexy (2011, p. 283) trata da regra que determina que os motociclistas usem capacete. Por essa regra, limita-se com uma não-liberdade definitiva a liberdade prima facie de usar ou não o capacete.

Não somente as regras conformam restrições a direitos fundamentais, como os princípios também o realizam. Conforme discutido quando da diferenciação entre regras e princípios, a restrição à última espécie normativa é viabilizada pela lei da colisão. Assim, as restrições a princípios são designadas pela indicação da extensão pela qual são restringidos os demais princípios colidentes. Em síntese, os princípios são normas que possibilitam restrições a direitos fundamentais. Nesse sentido, eles são tratados como restrições a direitos fundamentais quando apontam motivos para que, em vez de uma liberdade fundamental ou um direito fundamental prima facie, seja concretizada uma não-liberdade ou um não-direito definitivo (ALEXY, 2011, 284-285).

ablativa num conteúdo preexistente, limitação dá contornos a esse conteúdo.” Por conseguinte, ressalta Sampaio (2013, p. 105) que “Por tal razão, a ideia de restrição está ligada à teoria externa ou que se impõe externamente ao direito, valendo o oposto para “limite”, que pressupõe, em geral, a validade da teoria interna, ou a delimitação do que está ou não abarcado, previamente, no direito fundamental.”

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