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Perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

No documento victorlunavidal (páginas 46-51)

Doutrinariamente, são concebidas duas perspectivas distintas aos direitos fundamentais: a perspectiva objetiva, em que são consagrados os valores essenciais à comunidade, determinando as ações dos poderes públicos e os objetivos a serem seguidos, e a perspectiva subjetiva, traduzida no exercício dos direitos no plano individual. As características de ambas as perspectivas são estudadas a seguir.

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A discussão quanto à perspectiva objetiva dos direitos fundamentais retoma o quadro histórico do direito alemão do século XX. Segundo Sarlet (2011 p. 143), a promulgação da Lei Fundamental alemã de 1949 conferiu o suporte jurídico necessário à jurisprudência da Corte Federal Constitucional para a afirmação de que os direitos fundamentais não se restringem à função de defesa dos indivíduos em face do Estado, compondo também um conjunto de valores de caráter jurídico-objetivo cuja eficácia se espraia por todo o ordenamento jurídico, responsabilizando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em suas decisões.

Para Dimoulis e Martins (2014, p. 116), a configuração objetiva dos direitos fundamentais indica a reformulação da configuração estatal ante o surgimento de reivindicações populares pelo atendimento de necessidades oriundas dos processos de industrialização e transformação das relações econômicas especialmente ocorridas no século XX. A luta pela garantia do atendimento de demandas como trabalho, saúde, educação e previdência contribuíram para o aumento da intervenção estatal na economia e para a distribuição de renda por meio da ampliação dos serviços públicos. A nova forma de atuação estatal, veiculada pela garantia dos direitos fundamentais sob o prisma objetivo, concretizou- se em virtude do reconhecimento histórico de que a mera proteção da liberdade (na sua acepção formal) não era suficiente para a garantia dos deveres constitucionais.1

Antes de prosseguir com a presente análise, deve-se ressaltar que, ao se promover o diagnóstico da vertente objetiva dos direitos fundamentais, não há, necessariamente, de forma correlativa, uma perspectiva subjetiva, como se uma fosse reverso da medalha da outra (SARLET, 2011, p. 144). Na verdade, as acepções objetiva e subjetiva correspondem a funções autônomas das normas que veiculam direitos fundamentais, sendo a primeira dimensão caracterizada pela transcendência relativamente à segunda, “gerando efeitos para todo o ordenamento jurídico a partir do desencadeamento de novos significados normativos” (OLSEN, 2006, p. 86). Efetua-se, nesse contexto, uma “troca de perspectiva, no sentido de

1 No mesmo sentido, Sarlet (2011, p. 151) destaca que as mudanças operadas em sociedade caracterizam “a transição do modelo de Estado Liberal para o do Estado Social e Democrático de Direito”, bem como “a conscientização da insuficiência de uma concepção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos de defesa para a garantia de liberdade efetiva para todos, e não apenas daqueles que garantiram para si sua independência social e o domínio de seu espaço de vida pessoal”.

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que aquilo que os direitos fundamentais concedem ao indivíduo em termos de autonomia decisória e de ação eles objetivamente retiram do Estado” (PIEROTH; SCHLINK, 1995, p. 23 apud SARLET, 2011, p. 145).

A adoção do significado objetivo dos direitos fundamentais conduz à identificação de algumas características específicas. Segundo Dimoulis e Martins (2014, p. 118), elas podem ser resumidas em quatro.

A primeira traduz o aspecto negativo das normas de competência, ou seja, compreende a existência de normas que independem da exigibilidade judicial pelos indivíduos da proteção de seus direitos. Tal sentido é útil ao controle abstrato de constitucionalidade de normas, o que manifesta o exercício do dever estatal de promover o seu autocontrole em benefício da tutela dos direitos fundamentais (DIMOULIS; MARTINS, p. 118).

A segunda corresponde à fixação de critérios para a interpretação e a conformação do direito infraconstitucional. Trata-se do efeito irradiador dos direitos fundamentais, o que requer o respeito a tais postulados por todos os agentes públicos (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 118-119; MENDES; BRANCO, 2013, p. 168). No mesmo sentido salientam Dimoulis e Martins (2014, p. 119) e Sarlet (2011, p. 146-147) quanto ao potencial de determinação da carga axiológica vinculada às decisões judiciais e, especialmente, ao controle de constitucionalidade de leis e atos normativos proferidos pelo Estado.

A terceira “permite limitar os direitos fundamentais quando isso estiver no interesse de seus titulares” (DIMOULIS; MARTINS, 2014, p. 119). O alcance subjetivo de determinado direito fundamental é limitado por meio da justificativa de que o titular do referido direito se torna melhor protegido ao não exercer o seu direito em determinadas ocasiões(MENDES; BRANCO, 2013, p. 167). Ressaltam Dimoulis e Martins (2014, p. 120) que esse atributo sustentado por alguns autores não é aceitável, uma vez que concebe o Estado de forma paternalista. Não é razoável o entendimento de que o Estado conhece mais o interesse do indivíduo do que ele próprio. Não se justifica, inclusive, que limitações aos direitos fundamentais sejam realizadas sob o argumento de proteger o titular dos mesmos.

No mesmo sentido, Sarlet (2011, p. 145) alerta quanto à existência de posições semelhantes sustentadas pela doutrina. Assim, na medida em que a dimensão objetiva dos direitos fundamentais encerra um conjunto de valores de determinada ordem jurídica, eles devem ser interpretados não somente sob o ponto de vista individual, mas também sob a

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perspectiva comunitária. Por conseguinte, esse raciocínio acarreta a limitação do conteúdo e do alcance dos direitos fundamentais. Todavia, essa possibilidade de restrição tem como limite a salvaguarda do núcleo essencial de cada direito, não sendo aceitável a supremacia a priori do interesse público sobre o particular (SARLET, 2011, p. 146).

Por fim, a quarta vincula-se ao dever estatal de tutela dos direitos fundamentais. Segundo Dimoulis e Martins (2014, p. 120), o dever estatal de tutela relaciona-se ao dever estatal de proteção ativa dos direitos fundamentais em face de potenciais agressões resultantes da ação, majoritariamente, de particulares. Essa característica relaciona-se à obrigação estatal de defesa da dignidade humana em caráter geral e absoluto, o que resulta nas condutas de observar – vinculada ao comportamento negativo ou absenteísta por parte do Estado nas relações entre particulares – e proteger – atinente à atuação positiva, que pode tanto impor a omissão de ações lesivas aos direitos perpetradas por particulares quando prevenir o seu acontecimento por meio da atividade legislativa. De modo semelhante, Sarlet (2011, p. 148- 149) declara a eficácia dirigente dos direitos fundamentais na realização das atividades estatais. Nesse sentido, é dever dos poderes republicanos a máxima concretização dos valores consagrados pela ordem constitucional (SARLET, 2011, p. 148-149; OLSEN, 2006, p. 91).

Um desdobramento da concepção objetiva de direitos fundamentais não apontada por Dimoulis e Martins (2014) relaciona-se à função de constituição de critérios para a formação de instituições estatais e de seus procedimentos. Sarlet (2011, p. 150-151) revela que do conteúdo das normas de direitos fundamentais é possível a extração de parâmetros para a interpretação de normas de natureza procedimental. Por esse raciocínio, procede-se à conformação do direito organizacional e procedimental de modo a se evitar o esvaziamento do conteúdo material dos direitos.

Associada à temática dos direitos sociais, a concepção objetiva de direitos fundamentais contribui para o reconhecimento de sua fundamentalidade material no âmbito constitucional. Assim, o reconhecimento do conjunto de valores que alicerçam o Estado Democrático de Direito é filtro interpretativo cuja aplicação deve ser observada por todos os agentes e instituições públicas.

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A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais abarca um conjunto de discussões em que a expressão “direito subjetivo” assume diversos significados. Por consequência, inúmeras são também as controvérsias tratadas pela doutrina acerca do tema. Assim como Olsen (2006, p. 92) e Sarlet (2011, p. 150-151), opta-se pela reflexão quanto àquilo que há de consenso no meio jurídico acerca do tema.

Ao termo direito subjetivo comumente é atribuído o sentido de possibilidade de imposição judicial dos interesses protegidos pela ordem jurídica perante o destinatário. O uso tradicional do conceito vincula-se à relação trilateral entre titular, objeto e destinatário do direito (SARLET, 2011, p. 152).

A dimensão subjetiva dos direitos fundamentais apresenta duas acepções elementares. A primeira refere-se ao status negativo dos direitos, correspondente à função clássica. Em síntese, trata-se do direito de resistência à intervenção estatal na esfera de liberdade dos indivíduos, o que caracteriza o Estado Liberal. Enquanto direito ao exercício de uma liberdade negativa pelo indivíduo, há uma obrigação estatal correlativa de omissão. Por seu turno, a segunda corresponde ao status positivo. Essa acepção configura uma liberdade positiva, em que a proteção do direito dos indivíduos é apresentada pela postura ativa estatal. São abarcados por essa vertente, de modo especial, os direitos sociais (DIMOULIS E MARTINS, 2014, p. 117.

Relativamente ao objeto da relação triádica característica da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, nota-se que ele pode variar em virtude de três principais fatores: (1) a não uniformidade da garantia do espaço de liberdade dos indivíduos, (2) a verificação de diferenças concernentes ao nível de exigibilidade dos direitos fundamentais, notadamente os sociais2 e (3) a constituição de posições jurídicas complexas, abarcando direitos, pretensões, liberdade e poderes de diversas naturezas. As distintas modalidades de manifestação dos

2 A conformação múltipla das normas que veiculam direitos fundamentais sociais pode ser melhor compreendida pela ótica de Alexy (2011, p. 500-503). Sob a perspectiva teórica-estrutural, as normas de direitos fundamentais podem ser diferenciadas em três critérios: 1) os direitos fundamentais podem ser veiculados por normas que garantam direitos subjetivos ou tão somente veiculem obrigações estatais de forma objetiva; 2) as normas de direitos fundamentais podem ser vinculantes ou não vinculantes; 3) as normas de direitos fundamentais podem veicular direitos definitivos ou prima facie. A combinação desses critérios resulta na previsão de oito tipos normativos diferentes, com níveis e formas de proteção também distintos.

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direitos subjetivos afasta a ideia de que tais comandos normativos possam ser reduzidos apenas aos tradicionais direitos de liberdade (SARLET, 2011, p. 154).

Considerando as múltiplas formas de manifestação dos direitos subjetivos, Sarlet (2011, p. 153) reconhece que o grau de exigibilidade ou justiciabilidade dos direitos apresenta intensidade variável e depende da normatividade de cada direito fundamental. Vale ressaltar que tal justiciabilidade – em oposição aos direitos sob perspectiva objetiva, que também estão sujeitos à tutela jurisdicional, porém pela via do controle de constitucionalidade – se refere à possibilidade de invocação da tutela jurisdicional para a garantia de poderes, liberdades ou dos direitos a condutas ativas ou omissivas pelo Estado (SARLET, 2011, p 153).

Os direitos fundamentais correspondem a um conjunto de posições fundamentais à ordem jurídica constitucional. Relativamente à sua forma de manifestação, é possível destacar comandos vinculados tanto a posições tradicionais, como os direitos de liberdade associados ao Estado Liberal, quanto a condutas prestacionais pelo Estado de cunho social. A compreensão das diversas tarefas assumidas pelo Estado em meio ao seu processo de transformação histórica e institucional requer o estudo das dimensões de direitos fundamentais, o que é examinado a seguir.

No documento victorlunavidal (páginas 46-51)