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Eficácia horizontal e vertical dos direitos fundamentais

No documento victorlunavidal (páginas 40-44)

A relação entre normas e direitos fundamentais pode ser visualizada sob distintas perspectivas. Embora sob a perspectiva clássica liberal os direitos fundamentais tenham sido instituídos com base no vínculo entre Estado e cidadão – em que ao primeiro incumbia um dever de não intervenção na esfera privada dos indivíduos, e ao segundo o direito subjetivo de exigir determinado comportamento daquele outro – Alexy (2011, p. 523) aponta que um modelo como esse é incompleto. Exemplifique-se o fato de que compõem os direitos fundamentais a possibilidade de proteção contra outros cidadãos especialmente desenvolvida no Direito Civil (ALEXY, 2011, p. 524). Assim, integram o sistema jurídico direitos dirigidos à tutela tanto da relação Estado/indivíduo como da relação cidadão/cidadão.

A indicação acima permite o estabelecimento de dois padrões de efeitos dos direitos fundamentais, as eficácias vertical e horizontal, analisadas a seguir,

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3.2.1 Eficácia vertical

Conceitualmente, a eficácia vertical caracteriza a relação entre Estado e indivíduo, em que o primeiro detém deveres e o segundo direitos. No panorama nacional, essa relação caracteriza-se especialmente, conforme Sarlet (2011, p. 365-366), pela existência do postulado da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais previsto no artigo 5º, §1º, da Constituição (BRASIL, 1988).

Como a esfera de atuação do Poder Público é ampla, torna-se necessária a caracterização dos desdobramentos da manifestação eficácia vertical dos direitos fundamentais na atuação dos Poderes constituídos. Na medida em que a Constituição (BRASIL, 1988) estabelece a otimização de seus direitos, é imposta ao Poder Público a imediata aplicação dos direitos fundamentais (SARLET, 2011, p. 366).

No âmbito legislativo, a definição de contornos à atuação parlamentar é pautada pela substituição da ideia de que “o poder legislativo (a potência legislativa) deixou de corresponder à ideia de um soberano que se autolimita, devedor apenas de uma veneração moral ou política a uma Constituição distante e juridicamente débil” (ANDRADE, 1987, p. 264 apud SARLET, 2011, p. 367)., para “uma limitação material de sua liberdade de

conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora” (HESSE, 1978, p. 429 apud SARLET, 2011, p. 367). Da restrição da forma de atuação do legislador tem-se a conclusão de que a lei não pode ser determinada de forma independente das disposições constitucionais e o conteúdo dos direitos fundamentais deve ser obtido a partir da ótica das normas constitucionais que os protegem (SARLET, 2011, p. 367-368).

Da obediência aos direitos fundamentais deflui a concepção de dois limites à atuação desse poder. Um deles, correspondente à posição negativa, impede a edição de leis e demais atos normativos contrários aos direitos fundamentais(CANOTILHO, 2001, p. 363) ou que promovam restrições tendentes ao esvaziamento de seu conteúdo (SARLET, 2011, p. 367). A perspectiva positiva vincula o legislador ao dever de conformação em consonância com os critérios oferecidos pelas normas de direitos fundamentais, o que corresponde a um dever de concretização dos mesmos (CANOTILHO 2001, p. 363-364).

A vinculação da eficácia vertical dos direitos fundamentais é percebida na atuação do Poder Executivo. Os órgãos administrativos têm o dever de aplicar as leis compatíveis com

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os direitos fundamentais consagrados constitucionalmente, devendo a sua interpretação ser pautada pela conformidade com o texto constitucional (CANOTILHO, 2003, p. 443). A atuação incompatível com os mandamentos impostos pelo dever de implementação dos direitos fundamentais conduz à invalidação judicial de tais atos (MIRANDA, 1993, p. 281 apud Sarlet, 2011, p. 370).

No Direito Administrativo, a manifestação da observância dos princípios que guardam os direitos fundamentais na atividade administrativa é interpretada sob a ótica de constitucionalização do referido ramo jurídico-teórico. Nesse contexto, “a Constituição – seu complexo sistema de princípios e regras – passa a ser o elo de unidade a costurar todo o arcabouço normativo que compõe o regime jurídico- administrativo (BINEMBOJM, 2006, p. 142). O caráter constitucional atribuído ao modelo administrativo possibilidade que a Administração Pública atue de acordo com os seguintes parâmetros: 1) segundo a lei ou secundum legem, quando esta for constitucional; 2) com fundamento direto na Constituição ou praeter legemn; 3) contra a lei, mas em favor da Constituição, ou seja, contra legem, quando a lei desrespeita as disposições constitucionais (BINEMOJM, 2006, p. 143).

Tal posição, contudo, não é unânime, havendo posicionamentos contrários à possibilidade de apreciação pelo órgãos administrativos – por não serem, em tese, competentes para o exercício de tal fim – da constitucionalidade dos atos resultantes da atuação do Poder Legislativo, o que demandaria a manifestação prévia do Poder Judiciário para o afastamento da norma reputada como inconstitucional(SARLET, 2011, p. 370).

Apesar das dificuldades de interpretação da ampla possibilidade de atuação administrativa no sentido de garantir a observância dos direitos fundamentais, parece haver consenso doutrinário quanto ao exercício dessa competência quando os direitos fundamentais são flagrantemente violentados pela legislação, o que se verifica nas seguintes situações: 1) quando o cumprimento da lei resulta na prática de crimes, como quando são atingidos os direitos à vida e à integridade pessoal; 2) quando o núcleo dos direitos fundamentais, e em especial dos direitos à vida e à integridade pessoal, são ofendidos (CANOTILHO, 2003, p. 443).

A eficácia vertical dos direitos fundamentais no tocante ao Poder Judiciário é demonstrada pelo processo de constitucionalização da organização dos órgãos judiciais e de seus procedimentos. As decisões na esfera desse poder manifestam-se, assim, pela

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interpretação pautada pela lógica de superioridade hierárquica exprimida por tais dispositivos (SARLET, 2011, p. 372).

Destaque-se nesse sentido a função precípua da tutela jurisdicional de tutelar os direitos fundamentais em suas decisões. Conforme revela a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, a ideia de controle das posições fundamentais no ornamento jurídico não se restringe à manifestação da eficácia subjetiva – e portanto, mais próxima do controle de constitucionalidade no âmbito incidental –, possibilitando o controle de constitucionalidade concentrado pelos tribunais. Tal tarefa diz respeito ao papel do Poder Judiciário na definição do sentido atribuído aos direitos fundamentais, o que serve de modelo para os demais poderes (SARLET, 2011, p. 372).

Como Poder competente para a promoção do equilíbrio do ordenamento jurídico e de sua legislação, o Judiciário deve-se posicionar, portanto, em caso de inconstitucionalidade de determinada lei, de forma favorável à restauração da lógica hierárquica pela qual é traduzida a supremacia da Constituição e dos direitos fundamentais nela insculpidos.

3.2.2 Eficácia horizontal

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais é orientada pelo reconhecimento de que “[…] também as pessoas privadas podem estar submetidas aos direitos fundamentais” (MENDES; BRANCO, 2013, p. 176).

O reconhecimento dessa acepção dos direitos fundamentais é verificado pela transição do modelo de Estado Liberal para o Social. Enquanto os direitos de defesa - característicos do Estado Liberal – destinam-se ao à proteção dos indivíduos em face de intervenções perpetradas pelos Poderes Públicos na esfera de liberdade dos indivíduos, os direitos sociais – característicos do Estado Social – têm como uma das suas funções a regulação das relações trabalhistas, em que os seus polos integrantes são considerados assimétricos (GOMES; SARMENTO, 2011, p. 61).

Assim, a liberdade individual já não é percebida tão somente pela necessidade de controle da atuação estatal. Quando considerado especialmente o fator econômico como um elemento determinante na configuração das relações entre particulares, a manifestação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais o alcance do reequilíbrio jurídico, o que é

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viabilizado, por exemplo, por parâmetros protetivos nas searas trabalhista e consumerista (SARLET, 2011, p. 377-378).

Deve-se observar que, no Brasil, a necessidade de invocação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares é ainda mais importante, haja vista, estar o país inserido em [...] contextos sociais caracterizados por grave desigualdade social e assimetria de poder (GOMES; SARMENTO, 2011, p. 61). Assim, “[…] excluir as relações privadas do raio de incidência dos direitos fundamentais importa em mutilar seriamente estes direitos, reduzindo a sua capacidade de proteger e promover a dignidade da pessoa humana”.

Nesse contexto, Canotilho (2003, p. 1287) salienta que o tratamento da eficácia horizontal dos direitos fundamentais alicerça-se na ideia de efeito externo dos referidos direitos, o que suscita o debate doutrinário quanto aos seguintes aspectos: 1) inexiste eficácia externa dos direitos fundamentais em relação a entidades privadas; 2) os direitos fundamentais apresentam eficácia apenas mediata com relação a particulares; 3) direitos fundamentais possuem eficácia externa imediata com relação aos sujeitos privados.

Para solucionar a problemática da eficácia dos direitos fundamentais na esfera privada, a dicotomia entre aplicação mediata/imediata é insuficiente para a compreensão da questão (CANOTILHO, 2003, p. 1287). Assim, torna-se compatível com o debate a percepção da multifuncionalidade dos direitos fundamentais, o que possibilita o alcance de distintas soluções no caso concreto.

No documento victorlunavidal (páginas 40-44)