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CONCEITO DE UNIVERSALIZAÇÃO DO SANEAMENTO

No documento Temas emergentes do planejamento urbano (páginas 174-179)

FÍSICO-TERRITORIAIS DO DÉFICIT DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO

CONCEITO DE UNIVERSALIZAÇÃO DO SANEAMENTO

O saneamento básico deve ser compreendido como o conjunto de serviços de água, esgotos, manejo de águas pluviais e gerenciamento de resíduos sólidos, e faz parte de um sistema urbano complexo que necessita ser estudado em completa vinculação com o espaço natural, social, cultural e ideológico. Nenhum desses vínculos é independente, mas são resultado de metabolismos que formam um todo “socionatural”, como explicou Swyngedouw (2004). Na presente sessão serão analisados quatro aspectos fundamentais para a universalização do saneamento em assentamentos

precários urbanos, com foco no esgotamento sanitário: meio ambiente, planejamento urbano, tecnologia e aspectos tarifários.

Meio ambiente: coletar e tratar esgotos numa perspectiva socionatural

Do ponto de vista ambiental, é necessário universalizar o saneamento visando a garantir a retirada e o retorno seguros das águas ao meio ambiente. Por isso, a urbanização de assentamentos precários urbanos é fundamental, e não é possível atingir aquele objetivo sem que se interfira nesses espaços. Por serem produtos de um processo socioeconômico distinto, vinculado à informalidade e à construção segundo padrões urbanísticos diferentes da cidade formal, os assentamentos precários urbanos requerem outros paradigmas de implantação, operação e manutenção do saneamento.

O projeto de saneamento, principalmente no caso de favelas, requer uma abordagem integrada com o projeto urbanístico, na perspectiva da recuperação ambiental e da qualidade das moradias, e com ativa participação da população. Denaldi e Ferrara (2018) destacam a importância do tratamento a ser dado aos cursos d’água e suas áreas de preservação permanente, uma vez que esses elementos são estruturantes do projeto urbano pelas importantes relações entre infraestrutura, acessibilidade, remoção de moradias e tratamento de áreas de risco. Essa abordagem exige que a própria legislação ambiental admita atividades urbanas integradas com os cursos d’água.

O esgoto é um tipo de água urbana legitimamente produzida, por ser inerente à condição humana, mas deve ser tratado para voltar ao estado de água bruta, mantendo-se assim o ciclo socionatural da água. O tratamento dessas águas na própria bacia hidrográfica em que são produzidas, num paradigma de conservação hídrica, diminui os impactos negativos de seu fluxo. A coleta em tubulação deverá ser mantida, porém, acompanhada de tratamento descentralizado, permitindo que as intervenções propiciem resultados mais diretos de combate à poluição.

Universalização do saneamento como objeto de interesse do planejamento urbano

A cidade se caracteriza por ser um ambiente construído, produzido por um trabalho que o torna edificável – infraestrutura urbana – e acessível. A esse conjunto é atribuído um valor de uso, que o difere de outros espaços que não permitem a realização das demandas sociais – morar, deslocar, trabalhar, divertir-se, etc. Apesar de o espaço ser socialmente produzido, ele é capturado pelo mercado imobiliário, que distingue os melhores lugares dos piores, dando- lhes determinado valor de troca (FERREIRA, 2005). O assentamento precário urbano é resultado desta disputa desigual da infraestrutura.

Os planos diretores municipais e os instrumentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) podem atuar no reequilíbrio desta disputa, tornando as cidades mais democráticas e acessíveis. Porém, o que se vê com frequência é a desigualdade na distribuição de recursos financeiros municipais, com prioridades que não envolvem os temas saneamento e urbanização de assentamentos precários urbanos (ULTRAMARI; SILVA, 2017). Para que isso mude, é preciso que as atividades de planejamento e ordenamento territorial incorporem de fato os assentamentos precários como forma legítima de morar, e que se estabeleçam regras de parcelamento do solo que superem o rigor do zoneamento tradicional. A partir daí as políticas habitacionais terão foco na sua consolidação e tratamento adequado, com urbanização e regularização fundiária. Como consequência, os projetos de universalização do saneamento terão prazos, recursos financeiros e prioridades de atendimento.

O envolvimento da população é fundamental para garantir a legitimidade desses projetos. As pessoas que moram nesses assentamentos têm plena capacidade de discernir os lugares que foram construídos por elas mesmas, sobre os riscos aos quais estão sujeitas, e de pensar sobre suas necessidades de saneamento, equipamentos públicos, espaços livres, mobilidade e acessibilidade (FURIGO et al., 2020).

Coletar, transportar e tratar esgotos com métodos e técnicas adequados aos assentamentos precários urbanos

A universalização do saneamento nos assentamentos precários urbanos também depende de soluções físicas e operacionais específicas, que variam em função da região e do contexto socioeconômico, físico e ambiental do país. Moraes et al. (2011) analisam que, apesar de existirem inúmeras soluções para a coleta e tratamento de esgotos domésticos, os assentamentos precários urbanos exigem a associação de soluções de vaso sanitário e sistemas de pequeno diâmetro, redes condominiais ou tanque séptico. A rede coletora e o subsequente tratamento em estação própria, continua sendo a solução mais adequada, porém, o tratamento descentralizado permite a redução das extensões de coletores tronco, facilitando o investimento, que pode ser planejado no recorte das microbacias hidrográficas, sendo as águas tratadas lançadas nos corpos d’água locais, de acordo com parâmetros de qualidade exigidos pela legislação ambiental.

A associação de soluções num mesmo assentamento garantirá o atendimento integral à população. Mesmo que a maior parte das moradias esteja sendo atendida por redes coletoras convencionais, haverá porções do território que necessitam de redes condominiais. Ainda assim, se restarem moradias que não se adequarem a um desses modelos, pode-se lançar mão da solução de tratamento local do tipo fossa séptica.

Sistemas operacionais e de manutenção podem e devem ser ajustados para garantir o bom funcionamento do sistema urbano. Serviços de limpa-fossa e hidrojateamento são comuns, porém, pouco utilizados na escala do serviço público de saneamento. Se essas atividades ainda são muito caras, então necessitam de revisão dos processos de gestão para redução de seus custos e, se necessário, aplicação de subsídios, em decorrência do benefício que trazem à saúde pública e ao meio ambiente. O que importa é que todas as soluções adotadas sejam devidamente reconhecidas como partes do sistema de saneamento, e que a manutenção seja feita de forma regular pelas empresas de saneamento.

Tarifa social: acesso financeiro aos serviços de saneamento

As operadoras de serviços de água e esgoto no Brasil se organizam de forma empresarial, e a sua sustentabilidade econômica é garantida pela política tarifária baseada na medição do consumo de água. Mas para que seja socialmente justa, a tarifação deve garantir o acesso de todos os indivíduos, segundo suas condições econômicas, sem sacrificar suas condições de higiene e saúde.

A universalização do saneamento abrange também este aspecto, uma vez que o déficit atinge fundamentalmente a população pobre, sendo parte dele devido à incapacidade de pagamento pelos serviços. Por isso, é preciso que, além de estratégias de ampliação das estruturas físicas, existam estratégias de gestão tarifária e controle social.

A Tarifa Social é um subsídio direto que visa a assegurar a modicidade tarifária, em consonância com os princípios da Lei 11.445/2007. Porém, um estudo elaborado pela Associação Brasileira de Agências Reguladoras (2018) verificou que no Brasil a Tarifa Social não é abrangente, e deixa de fora uma grande parcela da população. Em 2015, cerca de 3 milhões de domicílios foram beneficiados por tarifas sociais, porém, outros 21 milhões, pertencentes a famílias com renda mensal menor que 2 salários-mínimos, não puderam acessar o benefício (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGÊNCIAS REGULADORAS, 2018).

Por não haver regulamentação nacional, os prestadores de serviço ou as agências reguladoras estabelecem regras próprias, tais como estar adimplente com a prestadora do serviço; não possuir automóvel; nível de renda familiar, nível de consumo de água e energia elétrica do domicílio; ser beneficiário de programas sociais. As reduções tarifárias variam bastante, podendo ser da ordem de 50%, ou com descontos decrescentes em função do consumo de água. O fato é que a Tarifa Social diminui a vulnerabilidade da população pobre, permitindo limitar seus gastos com saneamento, abaixo dos limites considerados adequados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO, 2018).

DÉFICIT DE SANEAMENTO E ESTRATÉGIAS PARA UNIVERSALIZAÇÃO EM

No documento Temas emergentes do planejamento urbano (páginas 174-179)