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1 CIÊNCIA CULTURAL, LINGUAGEM, REALIDADE, DIREITO, ATOS DE FALA E

2.2 CONCEITO DE DIREITO

A grande dificuldade para definir o conceito de Direito está na mística crença, por parte de alguns juristas, de haver relação entre a linguagem e a realidade149. Daí lecionar TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR150:

Os autores jurídicos, em sua maioria, têm uma visão conservadora da língua, sustentando, em geral, no que se refere aos objetos jurídicos, a possibilidade de definições reais, isto é, a ideia de que a definição de um termo deve refletir, por palavras, a coisa referida.

146 Nesse sentido ver: MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário, 2001. p. 49. “O

sujeito cognoscente dirige-se à linguagem da realidade social munido de uma noção provisória e incompleta da linguagem do objeto, encarregando-se de adquirir nova linguagem e obtendo, em consequência, conhecimento.”

147 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In:____. Escritos jurídicos e filosóficos. Vol. 1,

2003, p. 18.

148 Ibid., p. 17.

149 NINO, Carlos Santiago. Introducción al análisis del derecho. 2. ed. ampl. rev. Buenos Aires:

Editorial Astrea, 2005. p. 11.

150 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e

Atribui-se à linguagem o significado. A palavra Direito é um símbolo e, portanto, seu significado é arbitrário e não vem de sua essência151. Com efeito, frequente é a

pergunta: “O que é Direito?”. É pergunta que causa desorientação entre os juristas152. Mas a essa pergunta cabe apenas uma resposta: uma palavra153.

Por isso muitos sentidos podem surgir dessa palavra, tais como: direito sujeito; direito como ciência; direito positivo; direito como justiça; dentre outros significados.

Defini-la, porém, é fundamental para os fins deste trabalho, na medida em que essa definição é que estipulará o exato corte metodológico da análise da coisa julgada dentro do direito positivo154. LOURIVAL VILANOVA corrobora esse entendimento

quando afirma: “[...] o que fornece unidade e sentido às investigações científicas sobre o direito é o conceito do direito” 155.

No final, continua o mencionado professor156: “Sem o conceito do direito, resulta ininteligível falar em sujeito de direito, relação jurídica, objeto jurídico, fato jurídico, etc. Estes conceitos gravitam claramente dentro de uma órbita circunscrita pelo conceito de direito.”

E o investigar o conceito de direito é algo extremamente difícil, porquanto o direito é uma realidade complexa,157 que pode ser objeto de diversos pontos de vista cognoscitivos.

Basta, para isso, que se firmem as regras do jogo (método científico) que será usado para estudar o direito positivo. Daí afirmar HANS KELSEN158: “Uma teoria do Direito deve, antes de tudo, determinar conceitualmente o seu objeto”.

151 Como, aliás, nenhum significado de palavras vem de seus âmagos.

152 NINO, Carlos Santiago. Introducción al análisis del derecho. 2. ed. ampl. rev. Buenos Aires:

Editorial Astrea, 2005. p. 11.

153 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e prescrição no direito tributário, 2001. p. 47. 154 Neste sentido Tárek Moysés Moussallem. Fontes do direito tributário, 2001, p. 63:

“Esclareçamos: ao se definir o conceito de sistema do direito positivo, realiza-se automaticamente um corte metodológico na linguagem da realidade a ser estudada.”

155 VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. In:____. Escritos jurídicos e filosóficos, Vol. 1,

2003, p. 22.

156 Ibid., p. 19.

157 Ibid., p. 32. E continua o professor Pernambucano: “Podemos submetê-lo a um tratamento

histórico ou sistemático, científico-filosófico ou cientifico-positivo, daí resultando a história do direito, a sociologia do direito, as ciências particulares do direito e a filosofia jurídica em seus várias aspectos. Em cada um destes pontos de vista considera-se o direito sob um ângulo particular e irredutível”.

Não é por outro motivo que devemos, destarte, precisar o conceito de Direito que será levado em consideração para este trabalho. Antes, contudo, analisaremos as problemáticas linguísticas que a palavra Direito possui.

Para isso, serão analisados os conceitos de direito fornecidos por abalizada doutrina. Conforme LOURIVAL VILANOVA159 “[...] define-se direito como um sistema

de normas diretivas da conduta humana, cuja inobservância é sancionada”

Como complemento desse conceito, observou AUGUSTO DE ANDRADE MANSUR160, em dissertação de mestrado pela Universidade Federal do Espírito Santo, que o direito deve regular “[...] condutas humanas possíveis e não- necessárias intersubjetivamente”.

Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO161, “o direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas num dado país”. Tal conceito de forma alguma discrepa de outros aqui já aduzidos. Nas palavras do jurisconsulto KELSEN162: “Uma outra característica comum às ordens sociais a que chamamos Direito é que elas são ordens coativas no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas.”

Para EDUARDO GARCIA MAYNES163: “Llamamos orden jurídico vigente al conjunto de normas imperativo-atributivas que en cierta época y un país determinado la autoridad declara obligatorias.”.

É de reconhecer que todos esses conceitos buscam definir o conceito de direito pelo prisma meramente formal. Como pontua TÁREK MOYSÉS MOUSSALLEM164, “[...] a

158 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito, 2000, p. 33. E segue: “para alcançar uma definição do

Direito, é aconselhável primeiramente partir do uso da linguagem, quer dizer, determinar o significado que tem a palavra Recht (Direito) (...)”

159 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 65. 160 MANSUR, Augusto de Andrade. Garantia judicial de crédito tributário definitivo: o direito à

expedição de certidão positiva de débito tributário com efeitos de negativa como produto processual da análise constitucional do artigo 206 do código tributário nacional. Dissertação Mestrado, UFES: 2008, p 22. Para o mestre capixaba: “os atos humanos impossíveis, os atos humanos necessários e as manifestações naturais (alheias à vontade humana) não são passíveis de modificação valorativa. O que implica ser sem-sentido deôntico uma norma que pretende regular um desses fenômenos, pois que são inalteráveis pelo deôntico.” (p. 28)

161 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 2009. p. 2. 162 KELSEN, Hans. Teoria Pura do direito, 2000, p. 35.

definição do conceito de direito para a Ciência do Direito em sentido estrito (Dogmática Jurídica) encontra-se conduzida pela análise formal do conceito, como característica definidora.”

Será considerada para os limites deste trabalho a definição do conceito de direito como um conjunto de normas jurídicas válidas, em um átimo temporal e em determinado espaço, cujo descumprimento será juridicamente sancionado (aqui entendida a sanção como norma secundária), e que se destina a regular condutas humanas possíveis e não necessárias intersubjetivamente.

Não se deve, porém, confundir o direito positivo com a ciência que dele se ocupa165.

Há muita diferença entre esses dois corpos de linguagem. Aquele tem como objetivo regulamentar condutas humanas, esse propõe-se descrever o sistema normativo daquele.

A linguagem do direito positivo também difere em absoluto da linguagem da ciência do direito. Aquela é prescritiva de condutas, e essa é descritiva do enredo normativo daquela. Enquanto aquela visa a regular as ações das pessoas, essas últimas têm caráter meramente cognoscente. Nesse sentido PAULO DE BARROS CARVALHO : “O cientista do Direito vai debruçar-se sobre o universo das normas jurídicas, observando-as, investigando-as, interpretando-as e descrevendo-as segundo determinada metodologia166.”

As lógicas que orientam cada uma dessas linguagens também são diferentes. Ao direito positivo corresponde a lógica deôntica, e à ciência do direito corresponde a lógica apofântica. E continuam as lições de PAULO DE BARROS CARVALHO, Por isso, “[...] as valências compatíveis com a linguagem das normas jurídicas são diversas das aplicáveis às proposições científicas.” 167. Para o direito positivo há

valências válido/não-válido, e para a ciência do direito positivo há valências verdadeiro/ falso.

164 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do direito tributário, 2001. p. 62. 165 Cf. CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de direito tributário, 2009, p. 1-4. 166 Ibid., p. 3.

A concepção do direito positivo como um conjunto de normas traz a ideia de sistema, porquanto, segundo a lição de LOURIVAL VILANOVA,168 “Esse dever-ser

[normas jurídicas] é objetivado se tem seu fundamento de validade num determinado sistema: se não, é meramente subjetivo, vale para um sujeito, indivíduo ou grupo, sem encontrar apoio no ordenamento total válido e eficaz.”

Daí a necessidade do estudo do sistema para os fins deste trabalho.